terça-feira, 5 de outubro de 2021

A VIDA ESPIRITUAL[1]

 


Allan Kardec

 

(Grupo Lampérière, 9 de janeiro de 1867 – Médium: Sr. Delanne)

 

Estou aqui, feliz por vir saudar-vos, encorajar-vos e vos dizer:

Irmãos, Deus vos cumula de benefícios, permitindo-vos nestes tempos de incredulidade que respireis a plenos pulmões o ar da vida espiritual, que sopra com vigor através das massas compactas.

Crede em vosso antigo associado, crede em vosso amigo íntimo, vosso irmão pelo coração, pelo pensamento e pela fé; crede nas verdades ensinadas: elas são tão seguras quanto lógicas; crede em mim que, há alguns dias, me contentava, como vós, em crer e esperar, ao passo que hoje a doce ficção é para mim uma imensa e profunda verdade. Toco, vejo, existo, possuo; portanto, esta vida é real; analiso minhas impressões de hoje e as comparo com as ainda recentes, da véspera.

Não só me é permitido comparar, sintetizar, avaliar minhas ações, meus pensamentos, minhas reflexões, julgá-las pelo critério do bom-senso, mas as vejo, as sinto, sou testemunha ocular, sou a coisa realizada. Não são mais consoladoras hipóteses, sonhos dourados, esperanças; é mais que uma certeza moral: é o fato real, palpável, o fato material que se toca, que vos toma sob sua forma tangível, e que nos diz: isto é.

Aqui tudo respira calma, sabedoria, felicidade; tudo é harmonia, tudo diz: eis o sumo do senso íntimo; não mais quimeras, falsas alegrias, temores pueris, falsa vergonha, dúvidas, angústias, perjúrios, nada desse cortejo vil de fabulosas dores, de erros grosseiros, como se vê diariamente na Terra.

Aqui se é penetrado de uma quietude inefável; admira-se, ora-se, adora-se, rendem-se ações de graça ao sublime autor de tantos benefícios; estuda-se e se entreveem todas as potências infinitas; vê-se o movimento das leis que regem a Natureza. Cada obra tem uma finalidade, que conduz ao amor, diapasão da harmonia geral. Vê-se o progresso progredir a todas as transformações físicas e morais, porque o progresso é infinito como Deus, que o criou. Tudo é compreensível; nada de abstrações: toca-se com o dedo e a razão o porquê das coisas humanas. As legiões espirituais adiantadas só têm um objetivo, o de se tornarem úteis a seus irmãos atrasados, para elevá-los para elas.

Trabalhai, pois, sem cessar, conforme vossas forças, meus bons irmãos, para vos melhorardes e serdes úteis aos vossos semelhantes; não só fareis dar um passo a doutrina que é vossa alegria, mas tereis contribuído poderosamente ao progresso do vosso planeta; a exemplo do grande legislador cristão, sereis homens, homens de amor, e concorrereis para implantar o reino de Deus sobre a Terra.

Aquele que é ainda e mais que nunca vosso condiscípulo.

Leclerc

 

Observação – Tal é, com efeito, o caráter da vida espiritual; mas seria um erro crer que basta ser Espírito para encará-la deste ponto de vista. Dá-se com o mundo espiritual o que sucede com o mundo corporal: para apreciar as coisas de uma ordem elevada, é necessário um desenvolvimento intelectual e moral que não é peculiar senão aos Espíritos adiantados; os Espíritos atrasados são estranhos ao que se passa nas altas esferas espirituais, como o eram na Terra naquilo que constitui a admiração dos homens esclarecidos, porque não o podem compreender.

Como seu pensamento circunscrito num horizonte limitado não pode abarcar o infinito, não podem ter os prazeres que resultam do alargamento da esfera de atividade espiritual. A soma de felicidade, no mundo dos Espíritos, aí está, pois, pela força das coisas, em razão do desenvolvimento do senso moral, de onde resulta que, trabalhando na Terra por nosso melhoramento e nossa instrução, aumentamos as fontes de felicidade para a vida futura. Para o materialista, o trabalho só tem um resultado limitado à vida presente, que pode acabar de um instante para outro; o espírita, ao contrário, sabe que nada do que adquire, mesmo à última hora, é uma pura perda, e que todo progresso realizado lhe será proveitoso.

As profundas considerações de nosso antigo colega, Sr. Leclerc, sobre a vida espiritual, são, pois, uma prova de seu adiantamento na hierarquia dos Espíritos, pelo que o felicitamos.



[1] Revista Espírita – Maio/1867 – Allan Kardec

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