André Ricardo de Souza[2]
Maria Madalena ou Maria de
Magdala, antiga vila próxima de Cafarnaum, tem a trajetória mais enigmática e
controversa da história do cristianismo. Não por acaso, foi abordada em vários
livros e filmes, além de uma popular série televisiva. Sua peculiaridade se
deve ao fato de o Papa Gregório I (Gregório Magno, 540-604) ter feito
determinada confusão. Afirmou ele, em 591, que Madalena seria tanto a mulher
anônima que ‒ dentro da casa do fariseu Simão, na cidade de Naim ‒ lavou em
lágrimas, ungiu com perfume e secou com os seus cabelos os pés de Jesus (Lucas
7:33-50), quanto Maria, a irmã de Marta e Lázaro, que fez algo semelhante na
cidade de Betânia, porém sem prantos e com um perfume mais caro, conforme:
Mateus 26:6-13; Marcos 14:3-9 e João 12:1-8[3].
A partir da pregação daquele pontífice em prol do valor do arrependimento,
Madalena, passou a ser reconhecida como prostituta convertida ou “pecadora
arrependida”, deixando de ter o título de “apóstola dos apóstolos”, algo que
seria retomado somente em 2016 pelo Papa Francisco.
É bastante veemente e frequente
a negação de que Madalena foi prostituta. No meio espírita, é comum a acusação
à Igreja Católica pela deturpação ocorrida na imagem daquela que acompanhou
Jesus na crucificação e foi a primeira a avistá-lo, já ressuscitado, sofrendo
desconfiança dos apóstolos, também pelo baixo valor então atribuído à palavra
das mulheres em geral.
Mas no livro “Boa Nova”, o
Espírito Humberto de Campos (2013, p. 127-128) explicita que a apóstola havia
sido efetivamente não só prostituta, mas também a mulher sofredora retratada
apenas no Evangelho de Lucas.
Maria de Magdala ouvira as
pregações do Evangelho do Reino, não longe da vila principesca onde vivia
entregue a prazeres, em companhia de patrícios romanos, e tomara-se de admiração
pelo Messias. (...) Decorrida uma noite de grandes meditações e antes do famoso
banquete em Naim, onde ela ungira publicamente os pés de Jesus com os bálsamos
perfumados de seu afeto, notou-se que uma barca tranquila conduzia a pecadora a
Cafarnaum. Dispusera-se a procurar o Messias, após muitas hesitações. Como a
receberia o Senhor, na residência de Simão? Seus conterrâneos nunca lhe haviam
perdoado o abandono do lar e a vida de aventuras. Para todos, ela era a mulher
perdida, que teria de encontrar a lapidação na praça pública.
Ali na casa de Simão Pedro ‒ que
lançou sobre ela um “olhar glacial, quase denotando desprezo” ‒ Madalena ouviu
de Jesus algo profundamente marcante que o apóstolo reproduziria, mais tarde,
em sua primeira epístola: “o amor cobre a multidão de pecados” (1 Pedro, 4:8).
E Humberto de Campos (2013, p. 132-133), complementa sobre ela:
“Humilde e sozinha, resistiu a
todas as propostas condenáveis que a solicitavam para uma nova queda de
sentimento. Sem recursos para viver, trabalhou pela própria manutenção, em
Magdala e Dalmanuta (...) Certo dia, um grupo de leprosos veio a Dalmanuta.
Procediam da Idumeia aqueles infelizes, cansados e tristes, em supremo
abandono. Perguntavam por Jesus Nazareno, mas todas as portas se lhes fechavam.
Maria foi ter com eles e, sentindo-se isolada, com amplo direito de empregar a
sua liberdade, reuniu-os sob as árvores da praia e lhes transmitiu as palavras
de Jesus, enchendo-lhes os corações das claridades do Evangelho”.
E foi em Dalmanuta que Paulo de
Tarso a conheceu enquanto ele voltava a Jerusalém, após converter-se, reunindo
relatos sobre a vida de Jesus, conforme o livro “Paulo e Estêvão” (2013, 466).
Como sabemos, o ex-rabino - que havia sido responsável pela execução de Estêvão
e outros cristãos ‒ deixou de ser grande pecador para se tornar um dos maiores
servidores do Cristo na história. E tanto ele quanto Madalena foram
desacreditados inicialmente pelos apóstolos quando anunciaram seus respectivos
encontros espirituais com o mestre divino. Importante ainda lembrar que na
referida obra de Emmanuel (2013, p. 466) e de modo coerente com Jesus, o
convertido de Damasco se contrapõe à hipocrisia frequente na avaliação da
conduta feminina: “Irmãos, é indispensável compreender que a derrocada moral da
mulher, quase sempre, vem da prostituição do homem”.
Verifica-se, portanto, que
Gregório I não estava de todo enganado. E quanto às prostitutas, que, hoje,
recebem, em alguns lugares, auxílio da católica Pastoral da Mulher
Marginalizada, nós observamos uma arraigada discriminação, algo que é
manifestado na indignação quando se refere ao caso de Maria Madalena. Por que
ela não poderia ter sido uma meretriz? Qual o problema disso? Por que ainda
depreciar, indiretamente, tanto as prostitutas? Precisamos reconhecer
honestamente todos os nossos preconceitos. Cabe, por fim, lembrar que o mais
importante, de fato, não é o que fomos, mas sim o que nos tornamos. Ao olhar
para ela, assim como para Paulo de Tarso e para Públio Lêntulo, o senador
romano retratado no livro “Há dois mil anos”, de Emmanuel ‒ tendo sido uma
reencarnação dele ‒ Jesus não viu a meretriz obsediada, o assassino perseguidor
e o patrício orgulhoso, mas sim seres humanos, além de missionários da luz que
eles viriam se tornar. Tanto quanto pudermos sem ingenuidade, mas com a firme
humildade, procuremos sempre ver nossos irmãos marginalizados com os olhos
verdadeiramente cristãos.
Referências bibliográficas:
TOMMASO, Wilma Steagall. Maria Madalena: história,
tradição e lendas. São Paulo, Paulus, 2020.
XAVIER, Francisco Cândido. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito
Emmanuel. 45ª edição. Brasília, FEB, 2013.
_______. Há dois mil anos. Pelo Espírito Emmanuel 46ª
edição. Rio de Janeiro. FEB, 2009.
_______. Boa nova. Pelo Espírito Humberto de Campos. 37ª
edição. Brasília, FEB, 2013.
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