Fernanda Oliveira
Há,
sim, a inconsciência prodigiosa
Que
guarda pequeninas ocorrências
De
todas as vividas existências
Do
Espírito que sofre, luta e goza.
Ela
é a registradora misteriosa
Do
subjetivismo das essências,
Consciência
de todas as consciências,
Fora
de toda a sensação nervosa.
Câmara
da memória independente
Arquiva
tudo rigorosamente
Sem
massas cerebrais organizadas,
Que
o neurônio oblitera por momentos,
Mas
que é o conjunto dos conhecimentos
Das
nossas vidas estratificadas.
A Subconsciência - Augusto dos Anjos[2]
O livre-arbítrio é a capacidade
que o ser humano tem de determinar a própria conduta, porque pode pensar e
agir. Todos os seres possuem aptidão para progredir em virtude da sua liberdade
de escolha, e cada um responde pelas consequências diretas e naturais dessas
escolhas. O direito natural de liberdade está atrelado ao de responsabilidade,
ou seja, quanto mais livre é o indivíduo, mais responsável ele deve ser. A
responsabilidade produz o amadurecimento do ser ao longo das experiências
vividas nos planos material e Espiritual.
A liberdade nos é concedida para
que possamos ter uma visão mais lúcida de nós mesmos e das demais pessoas, de
forma a discernir que papel devemos exercer na sociedade, quais são os nossos
limites e possibilidades. Segundo Leon Denis no livro O Problema do ser, do
destino e da dor[3]:
O livre-arbítrio é,
pois, a expansão da personalidade e da consciência. Para sermos livres é
necessário querer sê-lo e fazer esforço para vir a sê-lo, libertando-nos da
escravidão da ignorância e das paixões baixas, substituindo o império das
sensações e dos instintos pelo da razão.
Todo Espírito encarnado ou
desencarnado possui capacidade e aptidão para o exercício de diferentes atos;
cada um tem a faculdade de escolher livremente a sua dinâmica de vida. Vidas
são feitas de tempo, cada direção tomada é escolhida com base em algum
conhecimento. Somos livres para seguir nossos valores e intuição e apostar no
que o coração indica.
Segundo a definição do
Dicionário Online de Português[4],
aborto é a interrupção voluntária ou provocada de uma gravidez; o próprio feto
expelido ou retirado antes do tempo normal; feticídio; interrupção intencional
da gravidez da qual resulta a morte do feto. O aborto é um tema complexo que,
muitas vezes, passa por crivos morais, ideológicos e religiosos e em muitos
casos não é recebido pela ótica da saúde publica. É cercado de acusações
íntimas, tornando-se um assunto difícil e delicado, com muitas nuances,
divergências e discordâncias.
A cultura funciona para
preservar e dar continuidade a um povo, é feita pelas pessoas e está sempre em
transformação. A Revolução Agrícola modificou a forma de ser e viver dos
indivíduos. Deixamos de ser nômades, sem habitação fixa e mudando sempre para
sermos sedentários com residência fixa e cultivo dos próprios alimentos. A
partir desse sedentarismo, construímos relações mais efetivas e afetivas com os
nossos semelhantes, e a partir daí surge a família e as funções referentes aos
papéis desempenhados dentro dela.
Quando o ser humano é reduzido a
determinado papel retiramos a sua humanidade e o transformamos em objeto. Desde
cedo as meninas são ensinadas a serem mães, divulgam uma ideia romântica e
irreal da maternidade, mas toda mãe é um ser humano, um Espírito imperfeito em
busca de evolução, e não alguém com superpoderes ou amor incondicional e
infinito. A vida é feita de escolhas diárias, não precisamos problematizar
tudo, pois não existe uma regra geral a ser seguida. Cada ser humano é um ser
único, incomparável, nem melhor ou pior. Pessoas são diversas. São muitas as
imposições criadas em nossa sociedade condicionando a mulher a assumir formas
que agradam os outros, precisamos romper com uma visão única. A verdadeira
consciência social é aquela que quer para os outros a mesma dignidade que quer
para si. Não podemos florear toda gravidez, algumas são fruto de agressão,
abusos, ignorância e muita dor. É necessário pensar além do senso comum,
mulheres de classe privilegiadas pagam por procedimentos seguros, enquanto
mulheres pobres ficam com danos graves à saúde ou morrem. O Ministério da Saúde
registra 250 mil internações em decorrência de complicações no aborto.
Quando é mais significativo
cativar uma crença, um dogma, um achismo e tornar-se escravo de padrões
impostos, do que o respeitar a escolha de um ser humano, demonstramos a perda
da capacidade de empatia e compaixão. Fala-se muito em empatia, colocar-se no
lugar do outro é uma construção intelectual, moral e ética.
É imperioso superar crenças,
dogmas religiosos ou sociais e superstições difundidas ao longo do tempo que
terminam por impedir que cada indivíduo desenvolva com seu livre-arbítrio a sua
personalidade e as suas competências.
A Justiça Divina se faz pelo
tribunal da consciência, dotado de livre arbítrio, ou seja, da liberdade de
escolha, é o Espírito o construtor de seu destino. Somos julgados por nosso
próprio julgamento. Nossos sofrimentos são resultados de nossas condutas
errôneas e indevidas no mundo terreno: “a cada um segundo as suas obras”. Deus
espera que cada um faça a sua parte de acordo com as suas possibilidades.
O Espiritismo é a doutrina da
liberdade de escolhas, da responsabilidade pessoal, da atitude autônoma diante
da vida. As dificuldades, tribulações, dores enfrentadas na existência fazem
parte de superação do Espírito que busca ganhar o domínio de si mesmo.
Não podemos julgar sem conhecer
os fatos envolvidos nas escolhas das outras pessoas; não podemos ter uma
opinião absoluta e concreta. Não sabemos como já erramos em outras vivências, a
transformação vem no caminhar com erros e acertos, e não estamos aqui para
julgar, ofender e humilhar as escolhas alheias.
A Doutrina Espírita elucida que
há crime sempre que a lei de Deus é descumprida. Apesar disso, em O Livro Dos Espíritos[5],
acautela-se que se deve sacrificar o ser que ainda não existe e não sacrificar
o que já existe, quando a mãe está em risco de vida. Então, o princípio não é
absoluto. É preciso respeitar as escolhas, cada indivíduo tem seu próprio
caminho. O aborto pode ser um ato imediatista de ignorância e da incapacidade
do ser encarnado de pensar e conhecer além de sua experiência e vivência; pode
ser uma escolha que sabote um potencial de evolução Espiritual ou moral,
comprometendo o próprio desenvolvimento pessoal. Mas é também uma proibição que
acaba fazendo com que outras práticas coloquem em risco a vida de mulheres e
meninas. As estatísticas dos países onde o aborto é legalizado mostram que o
número de abortos diminuiu; quando uma mulher aborta, há a necessidade de uma
vida insatisfeita. Pode ser que a mulher optou por essa escolha por não ter
acesso a métodos contraceptivos, informação e instrução sobre saúde sexual, que
ela tenha sofrido violência ou abuso. Se o aborto é descriminalizado, essa
mulher confia nos profissionais de saúde e consegue ter conhecimento para
prevenir um segundo aborto. Essa mulher passa ter informação e aprendizado,
vira fonte de informação para outras mulheres e para a comunidade onde vive,
mudando a cultura local.
A liberdade de escolher é
atributo fundamental da alma humana, base de sua moral. O desenvolvimento do
livre-arbítrio segue o da inteligência. O saber traz discernimento para as
responsabilidades diárias.
Vamos caminhando buscando pautar
nossas escolhas na seara do bem, procurando o caminho da paz e do amor.
Fonte: Blog Letra Espírita
Referências:
FIGUEIREDO, Paulo Henrique
de. Autonomia, a história jamais contada do Espiritismo. São Paulo: Feal, 2019.
SAMPAIO, Lucas. Nem céu nem
inferno - As leis da alma segundo o Espiritismo. São Paulo: Feal,
2020. GONÇALVES, Marli. Feminismo
no Cotidiano. São Paulo: Editora Contexto, 2019.
KARDEC, Allan. O Evangelho
Segundo o Espiritismo. Catanduva: Editora Boa Nova, 2005.
KARDEC, Allan. O que é o
Espiritismo: noções elementares do mundo invisível, pelas manifestações dos
Espíritos. 52. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005.
[2] XAVIER, Francisco Cândido. Parnaso de Além-túmulo:
poesias mediúnicas. 17. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2004.
[3] DENIS, Léon. O problema do ser, do destino e da dor:
os testemunhos, os fatos, as leis. 28. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005.
[4] ABORTO. In: DICIO, Dicionário Online de Português.
Disponível em: . Acesso em: 20 de maio de 2021.
[5] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Capivari: EME,
2019.
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