Dalia Ventura - BBC News Mundo - 18 julho 2021
Existem ideias que duram porque
têm o potencial de revelar conceitos surpreendentes, enquanto outras não
sobrevivem ao rigor científico.
No século 4 a.C., Aristóteles
(384 a.C. — 322 a.C.) considerava o cérebro um órgão secundário que servia para
resfriar o sangue que o coração usava para funções mentais. Mas era também um
lugar onde o espírito circulava livremente e onde estava, em sua visão, o sensus communis (ou "senso
comum").
Séculos de pesquisa depois, o
médico romano Galeno de Pérgamo (130 ‒ 210) concluiu que o cérebro era o grande
responsável por nossas funções mentais e não o coração, como Aristóteles havia
sugerido.
O sensus communis, no entanto, sobreviveu. No século 16, quando
Leonardo da Vinci (1452 ‒ 1519) estava desenhando e estudando o cérebro, um de
seus objetivos era encontrar sua localização; filósofos como Tomás de Aquino,
Locke e Kant o exploraram; a psicologia o acolheu, e os cientistas continuaram
a testar o conceito daquele sexto sentido que refina a informação percebida por
nossos cinco sentidos até hoje.
Mas há outras noções que, embora
a ciência já tenha determinado que estão erradas, permanecem teimosamente
ressoando, não graças às evidências, mas à repetição e à crença.
O cérebro, aquela
"obra-prima da criação", como disse o cientista dinamarquês Nicolaus
Steno, em 1669, é um daqueles campos minados de tais falsos conhecimentos e
imprecisões.
Como não estamos imunes a isso,
consultamos a renomada neurocientista Lisa Feldman Barrett, autora do livro “Seven
and a Half Lessons About the Brain" (Sete lições e meia sobre o cérebro),
no qual ela desmistifica "aquela grande massa cinzenta entre nossas
orelhas".
Perguntamos a ela se é verdade,
por exemplo, que nascemos com certo número de neurônios, que eles não se
renovam, já que não se reproduzem como as outras células do corpo.
½ Neurônios limitados
Isso é quase verdade.
Os humanos perderam a capacidade de regenerar neurônios... exceto em
alguns lugares do cérebro, assinala a neurocientista.
E não apenas nós.
Animais de vida longa tendem a perder essa capacidade porque, quando
novos neurônios substituem os antigos, as memórias são perdidas.
Não é que cada neurônio guarde uma memória, mas se trata de um conjunto
que se comunica, ou seja, se um falta, essa relação molecular se perde e com
ela parte do que foi aprendido.
O engraçado é que outros animais
regeneram neurônios constantemente ao longo de sua vida.
Os pássaros são animais muito interessantes porque há partes do cérebro
deles, nas quais os neurônios se regeneram a cada ano para aprender novas
canções para atrair parceiros. Na verdade, foi assim que a plasticidade (do
cérebro) foi descoberta.
Na Universidade Rockefeller (Estados Unidos), pesquisadores notaram que
o tamanho dos núcleos cantantes — os núcleos em seus cérebros que são
responsáveis por controlar sua respiração e seu aparelho vocal e seus corpos
para que possam cantar — estavam se expandindo e diminuindo a cada ano, e
constataram que eles estavam criando novos neurônios naquela época do ano.
Os pesquisadores presumiram então que a criação de neurônios só ocorria
nas aves, mas não nos mamíferos. Na verdade, ela não só ocorre nos mamíferos,
mas também nos primatas e até nos humanos, embora apenas em partes específicas
do cérebro como o hipocampo[2],
por exemplo.
Em todo caso, você já deve ter
ouvido falar que só usamos parte dos neurônios daqueles que temos. Isso é
verdade?
1. Neurônios
desperdiçados
A ideia de que usamos apenas 5%
ou 10% dos nossos neurônios simplesmente não é verdade.
Entre outras coisas, seria
metabolicamente ineficiente. Seu cérebro é seu órgão mais dispendioso: responde
por cerca de 20% de seu gasto metabólico diariamente. Imagine desperdiçar 90%
de sua capacidade!
Isso é um absurdo e não faz o menor sentido.
Usamos o cérebro o tempo todo e não um neurônio, mas milhões e milhões
a cada momento.
Claro, armazenando tudo que
nossos sentidos percebem, não?
2. Seus olhos veem,
seus ouvidos ouvem, sua pele sente
Não exatamente.
Todas as nossas sensações são
interpretações do cérebro.
Você precisa de algum tipo de superfície sensorial, algum tipo de
receptor, para levar informações para o cérebro, como as orelhas, a pele, o
nariz, os olhos.
Mas esses sinais — ondas de luz,
som — que eles captam não fazem sentido até que o cérebro os processe.
É por isso que existem condições como a cegueira cortical, em que os
olhos funcionam bem, mas há danos nas partes do cérebro que são importantes
para criar a visão.
Você não vê com os olhos, nem
ouve com os ouvidos, nem sente com a pele: você o faz com o cérebro, que
combina o que está na sua cabeça e os dados sensoriais detectados pelos seus
órgãos.
Mas não é só isso...
3. Suas emoções estão
em seu coração
Quando a emoção o invade, quando você sente o batimento cardíaco, não
o sente no peito, mas na cabeça.
É difícil de entender, mas você não sente nada em seu corpo, tudo o que
você sente está em seu cérebro.
A dor, a alegria... tudo, porque
o cérebro é quem escreve a história, ele é o narrador.
E abriga as paixões nas
profundezas de sua parte mais antiga... Uma 'besta interior' que explica nossas
ações irracionais?
4. Você tem uma
'besta interior'
Bem... não é assim.
É verdade que existe um modelo
conhecido como "cérebro trino", que consiste no complexo reptiliano,
no sistema límbico e no neocórtex, sendo que o primeiro controla o
comportamento e o pensamento instintivo para a sobrevivência, o segundo encarrega-se
de regular as emoções, a memória e as relações sociais, e o terceiro é
responsável pelas funções mais sofisticadas.
Por anos, os cientistas pensaram que a parte reptiliana envolvida no
circuito límbico era o lar de nossa besta interior, a parte mais reativa de seu
ser que tinha que ser controlada pela razão.
Segundo essa hipótese, seu cérebro é um campo de batalha entre sua
besta interior e seu eu racional superior. Quando a racionalidade vence, você é
moral, virtuoso e saudável, mas quando sua besta interior vence, você é imoral,
porque não se esforçou o suficiente ou você está doente, porque a racionalidade
não conseguiu controlar sua besta interior.
Toda essa narrativa é um mito completo.
Mas o que é realmente interessante é que as regiões do cérebro que
foram marcadas como sua besta interior são, na verdade, aquelas que controlam
seu corpo — seus pulmões, seu coração, seu sistema imunológico, seu
metabolismo... seu corpo físico inteiro. E alguns de eles estão no centro da
memória, tomada de decisão, racionalidade e percepção.
Essas regiões estão praticamente envolvidas em tudo que seu cérebro
faz.
Então, elas estão envolvidas na
função principal do cérebro, o raciocínio?
5. O cérebro é para
pensar
Se você se pergunta para que o
cérebro é importante, pode responder "pensar" ou "sentir"
ou "a capacidade de perceber o mundo".
Na verdade, a tarefa mais importante do seu cérebro é mantê-lo vivo.
Pense, sinta e perceba para controlar os sistemas internos do seu corpo para
que você sobreviva, se mantenha saudável e, eventualmente, procrie — do ponto
de vista evolutivo — e/ou prospere — do ponto de vista individual.
O curioso é que para fazer
isso...
6. Seu cérebro reage
Uma das coisas que mais
surpreendeu Lisa Feldman Barrett foi aprender que o cérebro funciona por meio
de previsões.
Não pude acreditar porque não gasto meu tempo fazendo previsões e
depois reagindo a elas, mas experimentando algo e reagindo naquele momento.
Mas a verdade é que você não reage às coisas do mundo.
Seu cérebro está executando um padrão interno que aprendeu,
contingências dos sinais sensoriais aos quais foi exposto ao longo de sua vida,
e está constantemente adivinhando o que vai acontecer.
Ele faz isso automaticamente, disparando sinais de seus próprios
neurônios para antecipar os dados dos sentidos de seus serviços sensoriais.
Então, quando os dados chegam, ele faz comparações.
Não é que você nunca encontre coisas novas, mas você não sai por aí se
surpreendendo a vida inteira.
Quando há uma surpresa, o que acontece é que seu cérebro tenta prever,
como sempre, mas os sinais não são previstos, e essa é uma oportunidade de
aprender algo novo.
E finalmente...
7. Seu cérebro
trabalha sozinho
Acontece que seu cérebro
trabalha secretamente com o de outras pessoas.
Sua família, amigos, vizinhos e
até estranhos contribuem para a estrutura e a função de seu cérebro e ajudam a
manter seu corpo funcionando.
Experimentos mostraram que
mudanças no corpo de uma pessoa frequentemente causam mudanças em outra, quer
vocês dois estejam romanticamente envolvidos, sejam apenas amigos ou estranhos
se encontrando pela primeira vez.
Quando você está com alguém de
quem gosta, sua respiração e seus batimentos cardíacos são sincronizados. Esse
tipo de conexão física ocorre entre bebês e seus cuidadores, entre terapeutas e
seus pacientes e entre pessoas que fazem uma aula de ioga ou cantam juntas em
um coral.
Se, por outro lado, as pessoas
não se bicam, seus cérebros são como parceiros de dança que não param de pisar
em seus pés.
[2] O hipocampo é uma estrutura do cérebro encaixada
profundamente no lóbulo temporal de cada córtice cerebral. É uma parte
importante do sistema límbico, de uma região cortical que regule a motivação,
emoção, aprendendo, e de memória. https://www.news-medical.net/health/Hippocampus-Functions-(Portuguese).aspx
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