23 junho 2018
O endereço 284 Green Street, em
Enfield, no norte de Londres se tornou conhecido por uma razão macabra: é o
local de atividade do poltergeist
melhor documentado do Reino Unido.
A palavra poltergeist - utilizada em inglês e conhecida em todo o mundo por
causa do filme de terror “Poltergeist - O Fenômeno”, de 1982, vem do alemão. Poltern é um verbo que significa fazer
barulho e Geist, um substantivo que
significa fantasma.
Durante 18 meses, começando no
verão de 1977, Peggy Hodgson, seus quatro filhos e mais de 30 testemunhas
presenciais (incluindo vizinhos, detetives de fenômenos paranormais e
jornalistas) viram e ouviram, dentro da casa da família, incidentes em que
havia móveis em movimento e objetos voando sem razão aparente, ruídos
inexplicáveis e até levitação.
A história atraiu o casal
americano Ed e Lorraine Warren, investigadores de fenômenos paranormais
retratados na série de filmes “A Invocação do Mal”. O enigma de Enfield é
mostrado no segundo filme da série.
Na época, os fenômenos se
concentraram nas filhas de Peggy, Janet e Margaret Hodgson. Em alguns momentos,
Janet, que tinha apenas 11 anos, falava inexplicavelmente com uma voz
misteriosa e rouca.
A BBC reuniu três das
testemunhas de primeira mão do mistério, que ficou conhecido como "O
poltergeist de Enfield". Com a ajuda deles e de outros depoimentos da
época, nossa reportagem reconta os fatos.
A penteadeira que se
movia
Na noite de 31 de agosto de
1977, Peggy Hodgson entrou no quarto de seus filhos e viu uma penteadeira
movendo-se sozinha.
"Eu não conseguia
acreditar. Cheguei a empurrar (a penteadeira) duas vezes, mas na terceira vez
não consegui movê-la", relembra, em uma entrevista gravada na época.
O estranho episódio foi
acompanhado de repetidos barulhos de batidas.
Com medo, Hodgson pediu que um
de seus filhos fosse chamar seu vizinho, Vic Nottingham.
"Escutei as batidas quando
entrava pela porta principal. Andei por toda a casa e não consegui entender o
que estava acontecendo. Por isso, imaginei que só havia uma coisa a fazer:
chamar a polícia", disse, também em depoimento na época.
A jornalista Rosalind Morris, da
BBC, Graham Morris, o primeiro a fotografar as crianças levitando, e o advogado
Richard Grosse, que interrogou o "fantasma", foram reunidos pela
apresentadora da BBC Sue MacGregor.
A policial Carolyn Heeps foi a
primeira a chegar ao local, e viu uma cadeira deslizar, sem explicação, pelo
quarto.
"A cadeira se levantou
cerca de 1,5 cm do chão, e deslizou aproximadamente 1 a 1,2 metros para a
direita, antes de parar", descreveu.
No entanto, assim como Peggy
Hodgson e Vic Nottingham, Heeps não sabia o que fazer.
As primeiras fotos
O fotojornalista Graham Morris,
que na época trabalhava para o jornal Daily
Mirror, ainda se lembra do que aconteceu quando ele recebeu um telefonema
de seu editor e foi enviado à casa dos Hodgson para um trabalho que, segundo
ele, "mudou sua vida".
Para ele, era claro que os
acontecimentos estranhos ocorriam quando as crianças estavam em casa ‒
especialmente Janet.
Ao chegar na casa, ele parou na
penumbra da cozinha enquanto adultos levavam, uma a uma, as crianças, que
estavam dormindo.
"A última a entrar foi
Janet. De repente, os objetos simplesmente começaram a voar... um pedaço de
Lego, inclusive, me atingiu no olho direito".
Até hoje, Morris se diz convencido
de que os objetos da cozinha não foram atirados nem levantados por ninguém. Ele
diz ter se posicionado na esquina do cômodo para ter uma visão clara de todas
as pessoas que estavam ali. "Nenhuma delas estava fazendo nada",
afirma.
Em uma das sequências de fotos
que fez na casa, ele mostra um momento em que Janet "levitava" em seu
quarto.
"Na imagem principal, ela
estava no ar, no momento em que voava. E havia subido deitada com a boca para
baixo", descreve.
Os investigadores de
fenômenos paranormais
Maurice Grosse, membro da
Sociedade para a Investigação Psíquica, coordenou a investigação do que estava
ocorrendo na casa dos Hodgson.
"Eu mesmo vi bolas de gude
se movendo de um lado para outro. Vi a porta se mover sem ajuda. E senti uma
diminuição na temperatura sem explicação", disse, em entrevista na época.
No início de novembro de 1977,
ele confrontou a suposta presença na sala de estar.
"Quando perguntei: 'Você
está brincando comigo?', me atirou uma caixa de papelão e uma almofada na
cara".
No ano seguinte, o casal de
americanos Ed e Lorraine Warren, que se consideravam demonologistas, também
visitaram a casa e gravaram entrevistas com os Hodgson e outras imagens dos
fenômenos aparentemente sobrenaturais.
Richard Grosse, o filho de
Maurice Grosse, era um advogado recém-formado quando começou o caso do poltergeist de Enfield. Como tal, ele é
provavelmente o único membro da Sociedade de Direito inglesa que pode dizer que
interrogou um fantasma.
"Todos os dias, no café da
manhã, meu pai me mostrava uma ou duas das fitas cassete que ele tinha gravado
(na casa)", diz à BBC News.
"Elas começavam com
barulhos e batidas. Em seguida, as batidas respondiam ao interrogatório".
Quando o suposto fantasma
começou a falar, Richard se tornou seu interlocutor.
A repórter de rádio
da BBC
Durante a investigação de
Maurice Grosse, a repórter da BBC Rosalind Morris cobriu o caso para programas
de rádio.
Uma noite, ela e Grosse fizeram
uma vigília noturna na casa enquanto a família dormia.
"Depois que as meninas
foram dormir, ouvimos um barulho enorme vindo de seu quarto, no andar de
cima", relembra.
Morris subiu as escadas e
parecia que alguma coisa tinha empurrado uma cadeira para o outro lado do
quarto ‒ a uma distância de 2,7 metros de onde o móvel estava.
Para ela, era impossível que as
duas crianças, que estavam dormindo na cama, tivessem feito isso. Na época,
Morris declarou que "estava convencida" de que "algo" tinha
sido responsável.
A voz do 'fantasma'
Uma voz rouca e masculina
começou a ser ouvida quando as crianças estavam em algum cômodo. Ela parecia
emanar de trás de Janet Hodgson, que dizia que a voz vinha da parte posterior
de seu pescoço.
A voz se identificou como um
antigo morador da casa, Bill Wilkins, que morreu aos 72 anos de idade.
Interrogado por Richard Grosse,
ele disse que morreu de uma hemorragia. "Morri em uma cadeira que ficava
em um canto do andar de baixo", afirmou.
Quando lhe perguntaram por que
Janet não podia vê-lo, a voz respondeu: "Sou invisível... porque sou um
G.H.O.S.T. (a palavra fantasma, em inglês, soletrada)".
A história de sua morte foi
corroborada mais tarde por Terry, o filho do ex-morador da casa que, de fato,
se chamava Wilkins.
Janet e Margaret Hodgson, as
duas crianças no centro do caso, foram entrevistadas recentemente sobre suas
experiências.
De acordo com Margaret,
"todos estávamos em um estado terrível, muito assustados e cansados, e
isso piorou na medida em que passava o tempo".
Já Janet diz que foi "usada
e abusada, houve levitação, vozes e depois... a cortina que se enrolou no meu
pescoço. Isso foi muito perigoso e me fez perceber que aquilo podia me
matar".
Era realmente um
poltergeist?
Muitos acreditam que a família
inventou tudo, usando truques básicos de magia, para conseguir uma casa nova e
maior.
Maurice Grosse chegou a ser
criticado, depois de dizer que acreditava que parte dos fenômenos era
brincadeira das meninas ‒ Janet chegou a ser "pega na mentira" em
alguns vídeos ‒, mas que havia elementos genuínos que indicavam uma presença
sobrenatural.
Peggy Hodgson era uma mãe
solteira com quatro filhos pequenos, mas Rosalind Morris não acredita que uma
casa melhor tenha sido sua motivação.
"Ela achava que sua casa
era boa, e ficou nela: foi o local onde ela morreu, em 2003", afirma.
A jornalista admite que, no
início, ela mesma era extremamente cética em relação ao fenômeno e buscava
diversas maneiras de explicar o "truque". No entanto, Hodgson lhe
pareceu sincera e "muito assustada".
Richard Grosse também não
acredita que o motivo da família pudesse ter sido financeiro: "Eles nunca
ganharam dinheiro com isso".
Ele também rejeita as afirmações
de que Janet Hodgson sofria de Síndrome de Tourette ‒ transtorno
neuropsiquiátrico que pode se caracterizar por tiques vocais esporádicos.
"Quando a voz (que parecia
vir da garota) começava, ela falava sem parar por duas, três horas",
afirma.
Seu pai, Maurice Grosse, também
não acreditava na possibilidade de que a menina estivesse fazendo um truque de
ventriloquismo. "Manter esse tipo particular de voz por um período de
tempo sem machucar as cordas vocais é absolutamente impossível", diz.
Janet, por sua vez, mantém uma
atitude firme diante dos céticos. "Não me importa o que pensem. Eu sei o
que aconteceu e sei que foi real".
A atividade do "poltergeist
de Enfield", que começou em agosto de 1977, chegou ao fim em 1979.
Em um balanço do caso, Rosalind
Morris explica que "há um ponto de vista espiritual sobre o que aconteceu ‒
que tem a ver com fantasmas e forças externas ‒ e uma teoria sobre forças
interiores, baseada na psicologia junguiana".
"Esta última diz que o que
gera esta energia é uma pessoa jovem que está com problemas, muitas vezes
relacionados à puberdade. Janet estava exatamente nesta fase da vida".
"Não sei o que causou isso.
Só sei que algo muito estranho estava acontecendo", diz, em entrevista à
BBC News.
Até hoje, não se sabe qual a
explicação científica para o que ocorreu no endereço 284 Green Street, em
Enfield, durante o verão de 1977.
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