Tom Oliver[2]
- BBC Science Focus – 19 fevereiro 2021
Você provavelmente já ouviu
falar do microbioma humano, a coleção de micro-organismos como bactérias e
fungos com os quais compartilhamos nosso corpo, incluindo a pele e o microbioma
intestinal.
Mas o que você sabe a respeito
do "viroma"? É a soma de todos os vírus em nosso corpo, encontrados
em todos os tecidos, do sangue ao cérebro, e até mesmo entrelaçados no código
genético dentro de nossas células.
Os vírus são os organismos mais
numerosos na Terra. Embora se acredite que temos aproximadamente o mesmo número
de células bacterianas que células humanas em nosso corpo (cerca de 37
trilhões), provavelmente temos pelo menos 10 vezes mais partículas de vírus.
Muitos desses vírus estão
envolvidos em processos corporais essenciais, fazendo parte do nosso
ecossistema interno.
Talvez possamos até dizer que
não sobreviveríamos por muito tempo se todos eles desaparecessem.
No entanto, ainda temos um longo
caminho pela frente antes de sermos capazes de entender exatamente o que a
maioria desses vírus faz, ou até mesmo o que a maioria deles é.
Estima-se que o campo da
virologia tenha explorado até agora apenas cerca de 1% da diversidade viral
existente.
A maioria dos vírus permanece
desconhecida — eles são o que alguns cientistas chamam de "matéria escura
viral".
Patógenos
Apesar disso, eles estão
presentes em todas as partes do nosso corpo. Um estudo liderado pelo
pesquisador Kei Sato, da Universidade de Tóquio, no Japão, publicado em junho
de 2020, encontrou vírus em tecidos humanos do cérebro, sangue, rins e fígado.
A equipe de Sato queria
quantificar esses vírus para criar um "atlas" viral do tecido humano.
Eles fizeram isso comparando os
dados da sequência de RNA com os das bibliotecas existentes de genomas virais,
mas isso significava que eles só podiam contar os poucos vírus conhecidos que
já estavam catalogados.
Segundo Sato, isso quer dizer
que atualmente há um viés na busca por vírus conhecidos, em sua maioria
nocivos, os chamados "patógenos".
"Além dos vieses em nossas
bibliotecas de referência genética, é difícil coletar amostras em tecidos
saudáveis além do intestino, o que significa que podemos estar ignorando
muitos vírus inofensivos ou inclusive potencialmente benéficos", explica.
Má interpretação
É fácil pensar nos vírus como
invasores forasteiros maliciosos.
Depois de entrar em contato com
a superfície de uma célula humana, um vírus injeta seu código de DNA ou RNA,
sequestrando o maquinário da célula e transformando-a efetivamente em uma
fábrica para a produção de novos vírus.
Se você imaginar um vírus agora,
pense que sua capa de proteína é semelhante a uma nave espacial, chamada
"capsídeo", que ele usa para se transportar entre as células.
Talvez você já tenha visto a
imagem do coronavírus responsável pela pandemia de covid-19, o Sars-CoV-2, com
sua "coroa" formada por pontas que cobrem a superfície do capsídeo.
No entanto, os vírus não são tão
estranhos quanto podem parecer.
O termo "vírus", na
verdade, descreve entidades com atributos muito diversos.
"Às vezes, nossas palavras
para nos referirmos às coisas do mundo não correspondem realmente ao que
existe", diz o professor Frederic Bushman, especialista mundial em
microbioma humano da Universidade da Pensilvânia, nos EUA.
Por exemplo, os vírus podem ser
transmitidos por meio de uma ampla variedade de mecanismos. Para alguns, nos
chamados retrovírus endógenos, o DNA viral passa diretamente entre as células
humanas porque estão integradas aos cromossomos.
Na verdade, 8% do genoma humano
é composto por esses retrovírus endógenos.
Apenas uma pequena fração, menos
de 2%, do nosso DNA codifica a produção direta de moléculas de proteína (em um
processo conhecido como transcrição), e os biólogos costumavam pensar que o
restante não era funcional, alguns até chamavam de 'DNA lixo'.
Acredita-se agora que grande
parte desse DNA é derivada de inserções de vírus anteriores, e descobrimos que
ela é muito importante na regulação da transcrição de outros genes.
Alguns genes de vírus são
encontrados em regiões do DNA humano que produzem proteínas essenciais.
Ao longo da história evolutiva,
esses genes foram incorporados para o funcionamento essencial de nossos
organismos, então não está claro se deveríamos chamá-los de genes humanos ou
virais.
Um gene usado no desenvolvimento
da placenta humana foi pego emprestado de um retrovírus endógeno, que evoluiu
pela primeira vez para produzir proteínas que se fundem às células hospedeiras.
Ao longo do nosso passado
evolutivo, esse processo de coletar genes por meio da árvore da vida parece ter
ocorrido muitas vezes.
Foi sugerido que cerca de 145
dos nossos 20 mil genes surgiram dessa transferência horizontal de genes.
Ao transferir moléculas
genéticas entre espécies diferentes dessa maneira, os vírus conectam
efetivamente a árvore evolutiva em uma intrincada rede.
Má reputação
No entanto, os vírus costumam
ter má reputação, uma vez que aqueles que recebem mais publicidade apresentam
efeitos prejudiciais, causando doenças como AIDS, ebola, catapora e, claro,
covid-19.
Na verdade, temos muito pouco
conhecimento sobre como a maioria dos vírus afeta os humanos.
Pode haver mais de 320 mil vírus
diferentes que infectam mamíferos, muitos dos quais são inofensivos, enquanto
alguns podem nos trazer benefícios.
Por exemplo, alguns vírus
chamados bacteriófagos atacam as bactérias no nosso corpo e têm, portanto, um
papel crucial na regulação do nosso microbioma.
Assim como uma espécie animal
selvagem invasora pode se reproduzir incontrolavelmente quando entra em uma
nova área sem predadores ou patógenos (como os sapos-cururus na Austrália ou os
ratos em ilhas tropicais), as bactérias também tomariam nossos corpos sem esses
mecanismos reguladores.
Os vírus também parecem ser
importantes na regulação do nosso sistema imunológico.
Em humanos, o vírus da hepatite
G pode proteger contra o HIV; enquanto em ratos, o vírus da herpes é conhecido
por reduzir doenças autoimunes.
Muitos pesquisadores suspeitam
que os vírus tenham um papel importante na manutenção do "tônus
imunológico" em humanos (ou seja, um sistema imunológico saudável pronto
para responder a patógenos que não é hiperativo, tampouco insuficientemente
ativo), embora a identidade e o papel de vírus específicos sejam pouco
conhecidos.
Isso não significa negar os
efeitos nocivos de alguns vírus e os impactos devastadores que eles podem ter
na vida das pessoas.
Muitos vírus são claramente
muito prejudiciais para nós, e desenvolvemos mecanismos para conter seus
ataques.
A equipe de Bushman demonstrou
em abril de 2020 que a amamentação reduz a incidência de vírus potencialmente
patogênicos que crescem em células humanas no intestino do bebê.
Como um todo, o viroma humano
não é "bom", nem "mau" — é simplesmente uma parte antiga de
nós.
Vírus e evolução
Os vírus compartilham uma
relação evolutiva profunda com animais e plantas.
Cada célula do seu corpo faz
parte de uma cadeia ininterrupta de vida que se estende por mais de 3,8 bilhões
de anos.
Os vírus têm sido uma parte
importante dessa dança evolutiva desde o início.
Quanto mais aprendemos sobre o
viroma, mais percebemos como alguns aspectos são essenciais para uma vida
saudável.
Por isso, se espera uma
revolução na maneira como concebemos os vírus.
Lembre-se de que costumávamos
ver todas as bactérias como "germes" perigosos, até que finalmente
obtivemos uma compreensão mais sutil de como elas sustentam nossa saúde: a
alteração do microbioma bacteriano está agora envolvida em uma ampla variação
de doenças, incluindo a doença de Crohn, síndrome do intestino irritável,
diabetes tipo 2 e até distúrbios de saúde mental, como depressão.
Somos ecossistemas ambulantes:
quimeras de células animais, vírus, bactérias, fungos e outros, e manter o
equilíbrio desses ecossistemas é vital para nosso bem-estar.
Ainda temos que entender
exatamente como funciona nosso viroma humano, mas interrupções podem ter
consequências imprevisíveis.
O distanciamento social e o uso
generalizado de produtos químicos virucidas, tanto para aplicação em espaços
públicos quanto para desinfetar as mãos para reduzir a transmissão viral, tem
sido um elemento crucial no combate à atual pandemia de covid-19.
Essas mudanças de estilo de vida
e outras, como a maneira como nossa alimentação muda e como interagimos com
outras pessoas, provavelmente transformarão nosso viroma.
"Na atual pandemia de
covid-19, muitas pessoas veem os vírus simplesmente como 'o inimigo', mas
precisamos entender melhor os possíveis aspectos de promoção da saúde do nosso
viroma humano", conclui Sato.
O ritmo de novas descobertas na
área de virologia é deslumbrante — então prepare-se para muitas outras que vão
lançar luz sobre a ecologia secreta de nosso mundo interior.
[2] Tom Oliver é professor de ecologia aplicada da
Universidade de Reading, no Reino Unido, e autor de 'The Self Delusion', livro
de ciências sobre a interconectividade humana.
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