terça-feira, 5 de janeiro de 2021

FENÔMENOS APÓCRIFOS[1]

 


Allan Kardec

 

O fato seguinte é relatado pelo Événement de 2 de agosto de 1866:

 

Desde alguns dias os habitantes do bairro vizinho da igreja de Saint-Médard estavam muito perturbados por um fato singular, misterioso, que dava lugar aos mais lúgubres relatos e comentários.

Estão fazendo demolições em torno da igreja; a maior parte das casas demolidas tinha sido construída no local de um cemitério, ao qual se liga a história dos supostos milagres que, no começo do século dezoito, motivaram um decreto do governo que, em 27 de janeiro de 1733, ordenava o fechamento desse cemitério, sobre cuja porta foi encontrado, no dia seguinte, este epigrama:

De ordem do rei... proibido a Deus

Fazer milagres neste lugar.

Ora, as casas respeitadas pela marreta do demolidor eram, todas as noites, devastadas por uma chuva de pedras, às vezes muito grandes, que quebravam os vidros das janelas e caíam sobre os telhados, que destruíam.

Apesar das mais enérgicas pesquisas, ninguém foi capaz de descobrir de onde vinham os projéteis.

Não deixaram de dizer que os mortos do cemitério, perturbados em seu repouso pelas demolições, assim manifestavam o seu descontentamento. Mas gente menos crédula, naturalmente pensando que essas pedras, que continuavam a cair todas as noites, fossem lançadas por um ser vivo, foram reclamar a intervenção do Sr. Cazeaux, comissário de polícia, que mandou organizar uma vigilância por seus agentes.

 Enquanto a exerciam, as pedras não apareceram, mas assim que a cessaram, recaíram ainda mais abundantes.

Não se sabia o que fazer para penetrar esse mistério, quando a senhora X..., proprietária de uma casa na rua Censier, veio declarar ao comissário que, assustada com o que se passava, havia consultado uma sonâmbula.

Ela me revelou, disse a declarante, que as pedras eram lançadas por uma moça afetada de um mal da cabeça. Precisamente a minha criada Félicie F..., de dezesseis anos, sofre de herpes nesta parte do corpo.

Embora não ligasse a menor importância a esta indicação, o comissário consentiu em interrogar Félicie e dela obteve uma confissão completa. Agindo sob a inspiração de um Espírito que lhe apareceu, desde alguns meses tinha acumulado num sótão grande quantidade de pedras e, cada noite, levantava-se para atirar uma parte – pela janela do sótão – sobre as casas vizinhas.

Suspeitando que a jovem fosse alienada, o comissário a enviou à Prefeitura, para que aí fosse examinada por médicos especialistas.

 

Prova este caso que se deve evitar atribuir a uma causa oculta todos os fatos desse gênero e que, quando existe uma causa material, sempre se chega a descobri-la, o que nada prova contra a possibilidade de uma outra origem em certos casos, que não podem ser julgados senão pelo conjunto de circunstâncias, como o de Poitiers. A menos que a causa oculta seja demonstrada pela evidência, a dúvida é o partido mais sábio, sendo conveniente manter reserva. É preciso desconfiar, sobretudo, das armadilhas estendidas pela malevolência, que se deleita em mistificar os espíritas. A ideia fixa da maior parte dos antagonistas é que o Espiritismo está inteiramente nos efeitos físicos e sem isto não pode viver; que a fé dos espíritas não tem outro objetivo, razão por que imaginam matar o Espiritismo desacreditando-o em seus efeitos, quer simulando-os, quer os inventando em condições ridículas.

Sua ignorância do Espiritismo faz que, sem o perceber, atinjam o lado capital da questão, que é o ponto de vista moral e filosófico.

Alguns, entretanto, conhecem muito bem esse lado da doutrina. Mas como ele é inatacável, lançam-se sobre o outro, mais vulnerável, e que se presta mais facilmente à trapaça. Eles querem, custe o que custar, fazer passar os espíritas por admiradores crédulos e supersticiosos do fantástico, aceitando tudo de olhos fechados. Para eles é um grande desapontamento não os ver extasiados ao menor fato que tenha qualquer laivo de sobrenatural e de encontrá-los, em relação a certos fenômenos, mais cépticos do que os que não conhecem o Espiritismo. Ora, é precisamente porque o conhecem que sabem o que é possível e o que não o é, e não veem em tudo a ação dos Espíritos.

No fato relatado acima, é muito curioso ver a verdadeira causa revelada por uma sonâmbula. É a consagração do fenômeno da lucidez. Quanto à moça que diz ter agido sob o impulso de um Espírito, é certo que não foi o conhecimento do Espiritismo que lhe deu esta ideia. De onde lhe veio? É bem possível que se tenha encontrado sob o império de uma obsessão que, como sempre, foi tomada por loucura. Se for assim, não será com remédios que a curarão. Em semelhante caso, têm-se visto muitas vezes pessoas a falar espontaneamente dos Espíritos, porque os veem, e então dizem que estão alucinadas.

Nós a supomos de boa-fé, porque não temos nenhuma razão de suspeitá-la; mas, infelizmente, há fatos susceptíveis de gerar a desconfiança. Lembramo-nos de uma mulher que simulou loucura ao sair de uma reunião espírita onde havia sido admitida a instâncias suas, a única a que tinha assistido. Conduzida imediatamente a um hospício, confessou depois que havia recebido cinquenta francos para representar essa comédia. Era a época em que procuravam propagar a ideia de que os hospícios regurgitavam de espíritas. Essa mulher se deixou seduzir pela atração do dinheiro; outras podem ceder a outras influências. Não pretendemos que este seja o caso da moça; apenas quisemos mostrar que quando se quer denegrir uma coisa todos os meios são bons; para os espíritas é uma razão a mais de se guardarem, observando tudo escrupulosamente. Aliás, se tudo o que se trama às ocultas prova que a luta não terminou e que é preciso redobrar a vigilância e a firmeza, também prova que nem todo mundo olha o Espiritismo como uma quimera.

Ao lado da guerra surda, há a guerra a céu aberto, feita mais geralmente pela incredulidade zombeteira. Evidentemente esta se modificou. Os fatos que se multiplicam, a adesão de pessoas, de cuja boa-fé e razão não se pode suspeitar, a impassibilidade dos espíritas, sua calma e moderação em presença das tempestades levantadas contra eles, deram em que refletir.

Diariamente a imprensa registra fatos espíritas. Se, nesse número, os há verdadeiros, outros são, evidentemente, inventados pelas necessidades da causa da oposição. Não negam mais os fenômenos, mas procuram torná-los ridículos pelo exagero. É uma tática muito inofensiva, porque hoje, em certas matérias, não é difícil fazer a parte da inverossimilhança. Os jornais da América nada ficam a dever nas invenções a esse respeito, e os nossos se apressam em repeti-los. É assim que, em sua maioria, reproduziram a seguinte história, no correr de março último:

 

ESTADOS UNIDOS – Executaram um homem em Cleveland (Ohio), o Dr. Hughes, que, no momento de morrer, fez um discurso, atestando um espírito de firmeza e de lucidez extraordinária. Aproveitou a ocasião para fazer uma dissertação sobre a utilidade e a justiça da pena de morte, que não durou menos de meia hora. Essa penalidade da morte, disse ele, é simplesmente ridícula. Qual a vantagem de tirar-me a vida? Nenhuma. Certamente não será o meu exemplo que desviará outros do crime. Será que me lembro de ter atirado com uma pistola? De tudo não guardo a menor lembrança. Posso admitir que a lei de Ohio me fira justamente, mas, ao mesmo tempo, digo que ela é louca e vã.

Se pretendeis que esta corda, amarrada em meu pescoço e apertada até que eu morra, tenha por efeito prevenir o assassinato, digo que o vosso pensamento é louco e vão, porquanto, no estado de espírito em que se achava John W. Hughes quando assassinou, não há exemplo na Terra que pudesse ter impedido um homem, fosse quem fosse, de fazer o que fiz. Inclino-me perante a lei estadual, com o pensamento de que é um assassínio tão inútil quanto cruel tirar-me a vida. Espero que meu suplício não fique como um exemplo da pena de morte, mas como um argumento que prova a sua inanidade.

Em seguida Hughes fez um exame de consciência e se estendeu longamente sobre a religião e a imortalidade da alma. Positivamente, nessas graves matérias, suas doutrinas não são ortodoxas, mas ao menos atestam um sangue-frio singular. Também falou do espiritualismo ou, antes, do Espiritismo. Sei, disse ele, por minha própria experiência, que há entre os que saem da vida e os que ficam, comunicações incessantes. Hoje vou sofrer a suprema penalidade legal, mas, ao mesmo tempo, tenho certeza de que estarei convosco depois de minha execução, como aqui me encontro agora.

Meus juízes e meus carrascos me verão sempre diante de seus olhos, e vós mesmos, que viestes aqui para me ver morrer, não há um só que não me reveja em carne e osso, vestido de negro, como estou, levando meu próprio luto prematuro, tanto durante seu sono quanto nas horas de suas ocupações diárias. – Adeus, senhores, espero que nenhum de vós faça o que eu fiz; mas se houver algum que se ache no estado mental em que eu mesmo estava quando cometi o crime, por certo não será a lembrança deste dia que o impedirá. Adeus.

 

 Depois desta arenga, o alçapão caiu e o doutor Hughes ficou pendurado. Mas suas palavras tinham produzido uma profunda impressão sobre a assistência, do que resultaram singulares efeitos. Eis o que hoje encontramos a respeito no Herald de Cleveland:

 

Estando no cadafalso e com a corda no pescoço, o doutor Hughes disse que estaria com os que o ouviam, tão bem após a sua morte como antes, e que parece ter levado a peito cumprir sua palavra. Entre as pessoas que o tinham visitado em sua cela antes da execução, achava-se um honesto açougueiro alemão. Esse homem, desde a sua entrevista com o condenado, não tem no cérebro senão o Dr. Hughes. Tem incessantemente diante dos olhos, noite e dia, a qualquer hora, prisões, patíbulos, homens enforcados. Não dorme mais, não come, já não cuida da família nem dos negócios, e ontem à noite esta visão quase o matou.

Acabava de entrar em seu estábulo para tratar dos animais, quando viu de pé, junto de seu cavalo, o Dr. Hughes, vestido com a mesma roupa negra que usava ao deixar nosso planeta, e parecendo gozar de excelente saúde. O pobre açougueiro soltou um grito terrível, um urro do outro mundo, e caiu para trás.

Correram, ergueram-no; tinha o olhar desvairado, a face lívida, os lábios trêmulos e, com voz ofegante, perguntou, ao recobrar os sentidos, se o Dr. Hughes ainda estava lá. Dizia ter acabado de vê-lo e, se não estava mais no estábulo, não podia estar longe. Foi a custa de grandes esforços que o acalmaram e o levaram para casa. A visão o perseguiu sempre e, conforme as últimas notícias, ainda estava num estado de agitação que nada podia acalmar.

Mais eis o que é ainda mais curioso. O açougueiro não é o único a quem o Dr. Hughes tem aparecido depois de morto. Dois dias após a sua execução, todos os detentos o viram, com os próprios olhos, entrar na prisão e percorrer os corredores. Tinha o ar perfeitamente natural: estava vestido de negro, como no patíbulo; muitas vezes passava a mão pelo pescoço e, ao mesmo tempo, deixava escapar da boca um som gutural, que sibilava entre os dentes. Subiu as escadas que levam à cela, entrou, sentou-se e pôs-se a escrever versos. Eis o que contaram os presos, e nada no mundo os teria persuadido de que tinham sido joguetes de uma ilusão.

 

Este fato não deixa de ter o seu lado instrutivo pelas palavras do paciente. É verdadeiro quanto ao assunto principal; mas como o narrador, em sua última alocução resolveu falar do Espiritualismo ou Espiritismo, julgou por bem enriquecer seu relato com as aparições, que só existiram no bico de sua pena, exceto a primeira, ao açougueiro, que parece ser real.

Tom, o cego, não é um conto de fantasmas, mas um fenômeno de inteligência inacreditável. Tom é um jovem negro de dezessete anos, cego de nascença, supostamente dotado de um instinto musical maravilhoso. O “Harpers Weekly”, jornal ilustrado de Nova Iorque, consagra-lhe longo artigo, do qual extraímos as seguintes passagens:

 

Não havia dois anos que ele traduzia pelo canto tudo o que lhe feria o ouvido, e tal era a justeza e a facilidade com que captava um motivo que, ouvindo as primeiras notas de um canto, podia executar sua parte. Logo começou a acompanhar, fazendo segunda voz, embora jamais os tivesse ouvido, mas um instinto natural lhe revelava que algo de semelhante devia cantar-se.

Aos quatro anos ouviu um piano pela primeira vez. À chegada do instrumento, estava, como de hábito, brincando no pátio. A primeira vibração das teclas o atraiu ao parlatório (salão). Permitiram-lhe que manejasse as teclas, simplesmente para satisfazer sua curiosidade e não lhe recusar o inocente prazer de fazer um pouco de ruído. Uma vez, de meia-noite ao amanhecer, ele ficou no salão onde tinha aprendido a entrar. O piano não tinha sido fechado e as moças da casa foram despertadas pelos sons do instrumento. Para seu grande espanto, ouviram Tom tocando um de seus trechos e de manhã ainda o encontram ao piano. Então lhe permitiram tocar quanto quisesse. Ele fez progressos tão rápidos e tão admiráveis que o piano se fez eco de tudo o que ele ouvia. Desenvolveu, assim, novas e prodigiosas faculdades, até então desconhecidas no mundo musical, e cujo monopólio parece que Deus tinha reservado a Tom. Ele tinha menos de cinco anos quando, depois de uma tempestade, compôs uma música que intitulou: “O que me dizem o vento, o trovão e a chuva”.

Em Filadélfia, setenta professores de música assinaram uma declaração que assim termina: “De fato, sob qualquer forma de exame musical, execução, composição e improvisação, ele demonstrou um poder e uma capacidade que o colocam entre os mais admiráveis fenômenos, cuja lembrança foi guardada pela história da música. Os abaixo-assinados pensam que é impossível explicar esses prodigiosos resultados por qualquer das hipóteses que podem fornecer as leis da arte ou da Ciência.

Hoje ele toca a mais difícil música dos grandes autores com uma delicadeza de toque, um poder e uma expressão raramente ouvidos. É na próxima primavera que ele deve ir à Europa”.

 

Eis a explicação dada a respeito pelo Sr. Morin, médium, numa reunião espírita de Paris, em casa da princesa O..., em 13 de março de 1866, e à qual assistíamos. Ela pode servir de guia em todos os casos análogos:

Não vos apresseis muito em crer na vinda do famoso músico negro cego. Suas aptidões musicais são muito exaltadas pelos grandes propagadores de novidades, que não são avaros em fatos imaginários, destinados a satisfazer a curiosidade dos assinantes. É preciso que desconfieis muito das reproduções e, sobretudo, dos empréstimos, reais ou supostos, que fazem os vossos jornalistas aos seus colegas de além-mar. Muitos balões de ensaio são lançados visando fazer caírem os espíritas na armadilha, e na esperança de arrastar o Espiritismo e seus adeptos no domínio do ridículo. Assim, ponde-vos em guarda e jamais comenteis um fato sem, previamente, vos terdes bem informado, e sem haver pedido a opinião de vossos guias.

Não podeis imaginar todas as astúcias empregadas pelos grandes fanfarrões das ideias novas, para chegar a surpreender um equívoco, uma falta, um absurdo palpável, cometido pelos Espíritos ou seus prosélitos demasiado confiantes. Por todos os lados são estendidas armadilhas aos espíritas; todos os dias aí trazem aperfeiçoamentos; grandes e pequenos estão à espreita, e o dia em que pudessem surpreender o chefe em erro, as mãos no saco do ridículo, seria o mais belo de sua vida. Têm tal confiança em si, que se regozijam por antecipação; mas há um velho provérbio que diz: “Não se deve vender a pele do urso antes de tê-lo matado”. Ora, o Espiritismo, sua besta negra, ainda está de pé e bem poderia fazê-los usar os sapatos antes de se deixar atingir. É de cabeça baixa que um dia virão queimar incenso ante o altar da verdade que, em tempo próximo, será reconhecido por todo o mundo.

Aconselhando-vos a vos manterdes em reserva, não pretendo que os fatos e gestos atribuídos a esse cego sejam impossíveis, mas neles não se deve crer antes de tê-los visto e, sobretudo, de tê-los ouvido.

Ebelmann

 

Um tal prodígio, mesmo deixando larga parte ao exagero, seria a mais eloquente defesa em favor da reabilitação da raça negra, num país onde o preconceito de cor está tão arraigado; e se não pode ser explicado pelas leis conhecidas da Ciência, sê-lo-ia de maneira mais clara e mais racional pela da reencarnação, não de um negro num negro, mas de um branco num negro, porque uma faculdade instintiva tão precoce não poderia ser senão uma lembrança intuitiva de conhecimentos adquiridos numa existência anterior.

Mas, então, perguntarão, seria uma retrogradação do Espírito passar da raça branca à raça negra? Retrogradação de posição social, sem dúvida, o que se vê todos os dias, quando, de rico se renasce pobre, ou de mestre se renasce servo, mas não retrogradação do Espírito, pois teria conservado suas aptidões e aquisições. Esta posição ser-lhe-ia uma prova ou uma expiação; talvez, ainda, uma missão, a fim de provar que essa raça não é votada pela natureza a uma inferioridade absoluta. Aqui raciocinamos na hipótese da realidade do fato e para os casos análogos que pudessem apresentar-se.

Os dois fatos seguintes são da mesma fábrica e não necessitam de outro comentário além do que acaba de ser dado. O primeiro, relatado pelo “Soleil” de 19 de julho, é considerado de origem americana; o segundo, tirado do “Événement” do mês de abril, é abertamente parisiense. Sem sombra de dúvida, são os espíritas que se mostrarão mais incrédulos e mais endurecidos. Quanto aos outros, a curiosidade bem poderia levar mais de um a conhecer a causa que dizem produzir tantas maravilhas.

 

Os Espíritos batedores e outros parecem que fixaram domicílio em Taunton, escolhendo para teatro de suas proezas a casa de um infeliz médico da cidade. O porão, os corredores, os quartos, a cozinha e até as águas-furtadas do doutor são assombradas durante a noite pelas sombras de todos os que ele enviou para um mundo melhor. São gritos, lamentos, imprecações, ironias atrozes, conforme o espírito das sombras, que às vezes não tem sombra de espírito.

– Tua última poção me matou, diz uma voz cavernosa.

– Alopata, grita uma voz mais jovem, tu não vales mesmo um homeopata.

– Eu sou a tua vítima número 299, a última de todas, salmodia uma outra aparição. Trata ao menos de fazer uma cruz quando chegares a 300.

 

E assim por diante. A vida do infortunado médico não é mais suportável.

A outra anedota é também espirituosa:

Foi domingo à noite, durante terrível tempestade, cujas devastações foram enumeradas pelos jornais de ontem. Debaixo da chuva e dos relâmpagos, uma caleche descia a Avenida de Neuilly; dentro se achavam quatro pessoas; tinham jantado numa casa muita agradável e hospitaleira, perto do parque de Neuilly e, animados pela noite agradável e despreocupados da tempestade, os quatro viajantes se entregavam a uma conversa um tanto leviana.

Falavam de mulheres, dizendo mal delas e até mesmo as caluniando um pouco. O nome de uma jovem foi posto em causa e alguém emitiu dúvidas quanto à nacionalidade da vítima, insinuando que seguramente não tinha vindo à luz em Nanterre.

De repente, um trovão fez estremecer as portinholas, um relâmpago iluminou toda a carruagem e a chuva açoitava os vidros quase os quebrando. Ao clarão do raio, os quatro viajantes viram, então, de pé, à sua frente, na viatura, um quinto viajante, ou, melhor, uma viajante – era uma mulher, vestida de branco, um espectro, um anjo. A aparição se desvaneceu com o relâmpago; depois, como se o fantasma tivesse querido protestar contra a calúnia que dirigiam à jovem ausente, uma chuva de flores de laranjeira caiu sobre os quatro companheiros de viagem e os cobriu com uma neve perfumada.

Havia, é verdade, um médium entre os quatro viajantes.

 

Nada vos obriga a dar crédito a esta história inverossímil e, de minha parte, não creio nela um traidor; palavra.

Foi um dos quatro viajantes quem me contou e me afirma. Ela me pareceu original, eis tudo!



[1] Revista Espírita – Setembro/1866 – Allan Kardec

Nenhum comentário:

Postar um comentário