quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

O EFEITO DUNNING-KRUGER NO CONHECIMENTO ESPÍRITA[1]

 


Marco Milani[2]

 

 Texto publicado na Revista da USE - Dirigente Espírita, ed. 181, jan/fev 2021, p.25, com o título “Quanto menor o conhecimento, maior a imprudência”.

 Em 1999, os pesquisadores americanos da área de psicologia, David Dunning e Justin Kruger, publicaram um interessante estudo[3] em que procuraram explicar um padrão de comportamento peculiar. Em síntese, quanto menos uma pessoa conhece sobre determinando assunto, mais ela acredita conhecer sobre ele. Em homenagem aos autores, essa relação foi denominada Efeito Dunning-Kruger (EDK).

Segundo os autores, as pessoas tendem a ter visões excessivamente favoráveis de suas habilidades em muitos domínios sociais e intelectuais. Essa superestimação do próprio saber decorre, em parte, porque as pessoas não qualificadas nesses domínios desconhecem a real complexidade dos objetos que se propõem a discutir. Nesse sentido, elas chegam a conclusões errôneas e fazem escolhas infelizes. Inversamente, pessoas mais versadas e que até possuem um pleno domínio sobre determinados objetos tendem a reconhecer seus próprios limites e assumem uma postura mais prudente e modesta sobre o próprio saber.

O EDK explica, por exemplo, a vasta gama de pseudoespecialistas sobre os mais variados assuntos, inclusive com relação àqueles de alta complexidade teórica. Basta uma rápida visita nas redes sociais virtuais para se deparar com comentários, geralmente infundados e sem respaldo técnico-científico, mas que se propõem a revelar à humanidade a verdade de como as coisas são e funcionam.

Certamente, é direito de todos opinar e expressar-se sobre a realidade. É esse impulso questionador e argumentativo que faz o conhecimento humano progredir. O reconhecimento das próprias limitações, entretanto, é essencial para se evitar deslizes e prejuízos conceituais e práticos.

Não é diferente com relação à temática espírita. Aquele mais familiarizado com as diretrizes claras e seguras presentes no ensino dos Espíritos, apresentado por Allan Kardec, reconhece as próprias deficiências e limites cognitivos. Concomitantemente, procura se aprofundar nos princípios e valores que estruturam o corpo teórico do Espiritismo e exemplificar as próprias convicções lastreadas na fé raciocinada.

O EDK se manifesta, todavia, em maior ou menor grau durante discussões doutrinárias. Alguém que construiu o seu saber sobre o Espiritismo em fontes outras que não seja nas obras de Allan Kardec assume o risco de defender conceitos e práticas que se afastam do ensino dos Espíritos e, tragicamente, distorcem ou deturpam esses conceitos.

O intercâmbio fraterno e embasado de ideias e opiniões sobre a temática espírita é sempre bem-vindo, pois colabora para se identificar e analisar eventuais divergências interpretativas e se apontar caminhos para a reflexão sobre os tópicos discutidos. Deve existir, porém, uma referência doutrinária segura para se afastar das consequências deletérias do relativismo, o qual supõe que tudo seja lícito e válido.

Allan Kardec, educador por excelência, sempre insistiu na clareza e objetividade das ideias para se reduzir os problemas do relativismo e se chegar ao um denominador comum pela observação dos fatos e pelo uso da razão.

 Interessantemente, mesmo com a preocupação didática de Kardec para que o conteúdo espírita fosse plenamente conhecido, não há como se negar os diferentes graus de maturidade cultural e doutrinária de cada um. Quanto menos sólido for o conhecimento doutrinário, graças ao EDK, mais supostas certezas e verdades desconectadas da realidade tendem a ser apresentadas com convicção pelo adepto, o qual pode se sentir confortável e confiante em defender tais suposições porque não vislumbrou a complexidade dos assuntos envolvidos.



[2] Diretor do Departamento de Doutrina da USE-SP e Presidente da USE Regional de Campinas

[3] Kruger, J., & Dunning, D. (1999). Unskilled and unaware of it: How difficulties in recognizing one's own incompetence lead to inflated self-assessments. Journal of Personality and Social Psychology, 77(6), 1121–1134. https://doi.org/10.1037/0022-3514.77.6.1121

Nenhum comentário:

Postar um comentário