segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

ANTÔNIO PINHEIRO GUEDES[1]

 


 

Em 27 de agosto de 1908 perdia o Espiritismo brasileiro, na pessoa do Dr. Antônio Pinheiro Guedes, um dos seus mais eminentes pioneiros, um homem cuja sólida convicção e coragem cristã fizeram-no ardoroso defensor de nossos ideais onde quer que se encontrasse.

Nasceu ele em Cuiabá, capital da então Província de Mato Grosso, aos 14 de julho de 1842, sendo um dos quatro filhos (dois homens e duas mulheres) do Tenente-Coronel João Pinheiro Guedes e de D. Maria Madalena Pinheiro Guedes. O outro varão, Henrique Pinheiro Guedes, igualmente se destacou, chegando ao posto de almirante, com serviços prestados à Nação, quer como diretor da Escola Naval, quer como chefe do Estado Maior da Armada.

Antônio Pinheiro Guedes bem cedo revelou um espírito inteligente, perquirido e ativo. Em sua terra natal fez os primeiros estudos, após o que embarcou para a Corte, a fim de seguir a carreira médica, antiga aspiração do menino.

Examinado em 7 de novembro de 1865, e tendo obtido aprovação plena, ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (mais tarde: Faculdade Nacional de Medicina). Anos de estudo se escoaram, e em 30 de setembro de 1870 ei-lo a apresentar à Faculdade, da qual era diretor o Conselheiro Dr. José Martins da Cruz Jobim, a sua tese de doutorado, tese que sustentou no dia 6 de dezembro do mesmo ano.

Antes de se doutorar, serviu como interno de Clinica Médica e Clinica Cirúrgica na Faculdade, tendo sido também aluno pensionista no Hospital Militar da Corte.

Em 31 de dezembro de 1870 entrou para o Corpo de Saúde do Exercito no posto de tenente 2º. Cirurgião. Promovido a capitão 1º. Cirurgião em 25 de maio de 1878; a major cirurgião-mor de brigada, em 5 de março de 1890; a tenente-coronel médico de 2ª. Classe em 27 do mesmo mês, reformou-se no posto de coronel médico, depois de servir nas Fortalezas de Santa Cruz e São João, no Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro e, como chefe, no Serviço Sanitário do Estado do Pará.

Participou de várias comissões médicas do Governo, a elas sempre emprestando o brilho de sua capacidade profissional.

Como clinico, empregou o tratamento homeopático, e no desempenho de sua profissão sobressaiu-se pelo seu espírito humanitário.

Como cidadão brasileiro e ardente patriota, era um apaixonado pelas coisas que diziam respeito ao Brasil. Daí estar sempre interessado por tudo quanto poderia trazer maior progresso e bem-estar para a Nação. Os problemas administrativos não lhe eram desconhecidos. As lutas políticas, muito menos.

Com o correr dos anos, suas relações aumentaram e a Política chegou a absorvê-lo. Acreditava que aí fácil lhe seria pôr em prática os seus ideais de construção, em bem do povo brasileiro. Na verdade, porém, não era ele um político nato, por assim dizer.

Assim mesmo, em 1890, por indicação do governador do Estado de Mato Grosso, o nome de Antônio Pinheiro Guedes é sufragado nas urnas para o Senado Federal. Nas pugnas eleitorais de 15-9-1890, seu Estado natal o elege, juntamente com Joaquim Duarte Murtinho e Aquilino Leite do Amaral Coutinho. A posse se deu na data do 1º. Aniversario da República, no Paço de São Cristóvão, e entre os demais senadores empossados destacavam-se outros celebres nomes da nossa História, como Ruy Barbosa, Pinheiro Machado, Aristides Lobo, Quintino Bocaiuva, Saldanha Marinho, Campos Sales, Luís Delfino, Prudente de Morais etc., membros todos eles da primeira e acidentada Constituinte Republicana.

Nos três anos que durou o mandato senatorial, Antônio Pinheiro Guedes procurou, com vivo e sincero espírito democrático, defender o direito, a justiça e a liberdade no Brasil, no cumprimento dos deveres do verdadeiro espírita, que na ocasião já o era, plenamente cônscio, portanto, de suas responsabilidades perante o Criador e Pai.

É assim, por exemplo, que o vemos, na sessão de 1 de novembro de 1892, bater-se contra uma emenda do orçamento da Agricultura, emenda que permitia ao Governo fundar, além de enfermarias, templos. O Senador Guedes lembra que não reconhecendo o Estado nenhuma religião, não tendo portanto religião, incongruente e fora de propósito era a tal emenda, em cuja redação se deveria suprimir o vocábulo “templo”. O presidente da Mesa explica que a emenda já havia sido aprovada, ao que Pinheiro Guedes responde fazendo constar em ata a sua desaprovação.

Em outras oportunidades trouxe a plenário a sua palavra serena e ponderada, mas, com o correr dos meses, foi ele verificando que a Política era também uma enredada trama onde se conluiavam interesses subalternos e pessoais, de par com uma demagogia desenfreada. Seus elevados propósitos nem sempre encontravam eco na assembleia, faltando-lhe apoio dos colegas para as obras que julgava importantes.

Afastou-se ele da Política, para dedicar-se mais aos interesses do Espiritismo.

Somente mais tarde, nas eleições de 1906, voltou ele a concorrer a uma cadeira na Câmara Alta. Explicam os Anais do Senado da época que ele e o jornalista Antônio Francisco de Azeredo (senador desde 1897) foram diplomados (sic), mas a Comissão julgou válido apenas o diploma conferido ao segundo.

Foi esta a última experiência política de Antônio Pinheiro Guedes, pois em 1908 ele se despediu do mundo.

Foi em fins de 1874, conforme ele próprio o relata na revista “Verdade e Luz” de 15 de outubro de 1904, que Pinheiro Guedes assistiu a uma sessão espírita, em companhia de Carlos Cirne e João Coelho, dois fervorosos militantes do Espiritismo daquela época.

Carlos Cirne, compadre de Pinheiro Guedes, entregava-se a experiências mediúnicas em sua própria residência, com Angeli Torteroli, médium escrevente, psicofônico e vidente.

Pinheiro Guedes não se convence de pronto. Médico materialista, para quem a alma não passava de simples função cerebral, só modificou suas ideias sobre a alma após haver frequentado uma serie de reuniões espíritas com aqueles seus amigos e ter observado vários fatos confirmadores da vida após-morte.

Dedicando-se ao estudo das novas revelações, conheceu vultos como Bittencourt Sampaio, Joaquim Carlos Travassos, Siqueira Dias e Mendonça Furtado.

Fundada em 1876 a “Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade”, Pinheiro Guedes entra para o quadro dos sócios fundadores.

Em 3 de outubro de 1879, Pinheiro Guedes apoia a transformação da referida Instituição em “Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade”, que nos primeiros anos de sua existência muitos benefícios prestou ao Espiritismo no Brasil, não só difundindo-o, mas também defendendo-o largamente dos ataques então desfechados por autoridades eclesiásticas e civis.

Essa Sociedade foi criada num edifício público situado na Praça da Aclamação (atual Praça da República) nº 54, gentilmente cedido pelo Conselheiro Doutor José Bento da Cunha Figueiredo, Ministro do Império. No mesmo dia de sua instalação, foram eleitos e empossados os cinco diretores: Dr. Francisco de Siqueira Dias (presidente), Carlos Joaquim de Lima e Cirne, Antônio Carlos de Mendonça Furtado de Menezes, Dr. Antônio Pinheiro Guedes e Salustiano José Monteiro de Barros.

No segundo ano de existência da Sociedade Acadêmica, Pinheiro Guedes foi seu presidente, faltando-nos dados para saber se ele continuou nesse cargo, e por quanto tempo.

Foi o nosso homenageado um dos fortes esteios do Espiritismo no Brasil, sempre tomando parte ativa na propaganda da Doutrina por meio de conferências e outros trabalhos.

Orador fluente e muito culto, sua presença era constantemente solicitada por diversas Associações espiritistas, nas quais ora presidia as reuniões, ora funcionava como orador oficial.

Nunca recuou diante das perseguições que se armaram contra o Espiritismo. Vemo-lo, por exemplo, ombro a ombro com outros intrépidos companheiros, defendendo os direitos dos espíritas, cerceados em sua liberdade por uma ordem que o então delegado de Policia da Corte baixara, levado por informações deturpadas ou mesmo falsas. Chegaram eles a ir até à presença do Imperador!

Com o pseudônimo de Guepian revidou a pastoral do Bispo do Rio de Janeiro, publicada em 15 de julho d e 1892 e que condenava o Espiritismo como pernicioso. Os artigos de Pinheiro Guedes, intitulados “Ao Episcopado Brasileiro”, foram transcritos nos primeiros números do “Reformador”, órgão fundado em janeiro do ano seguinte.

Não é pois sem razão que o “Reformador”, ao lhe fazer o necrológio, destacou que, desde a conversão de Pinheiro Guedes à nossa Doutrina, este “fora um indefesso militante, não desprezando nenhum meio de publicidade para popularizá-la e assim transmitir a mitos os seus consoladores benefícios”.

Sendo um dos redatores da “Revista da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade”, fundada em janeiro de 1881, nela deixou vários e oportuníssimos escritos.

Instalada em 2 de janeiro de 1884, a Federação Espírita Brasileira teve a satisfação de inscrever o Dr. Antônio Pinheiro Guedes entre os seus sócios fundadores, considerando os seus reais méritos e porque estava ele vinculado nos ideais dos principais fundadores, de cuja amizade privava.

No período (1886-1888) das célebres conferências no vasto salão da Guarda Velha, promovidas pela Federação Espírita Brasileira, ele foi um dos que brilhantemente assomaram à tribuna, não se falando das diversas outras conferências que realizou no próprio salão da FEB.

Em 31 de março de 1889, o Dr. Bezerra de Menezes reuniu na sede da Federação, da qual era presidente, um grupo dos mais ilustres espíritas do Rio de Janeiro.

Tomou parte na reunião o Dr. Pinheiro Guedes, a quem Bezerra concedeu a palavra para encetar a discussão. As ponderações favoráveis do respeitado veterano foram ouvidas com geral agrado e apoiadas, em breves discursos, pelo Dr. Dias da Cruz e por Lima e Cirne. Em 21 de abril de 1889, instalou-se o Centro Espírita do Brasil, do qual Bezerra de Menezes foi o primeiro presidente.

A proclamação da República no Brasil levou a Federação Espírita Brasileira a enviar uma mensagem de congratulações ao Governo Provisório. Foi escolhido relator da mensagem o Dr. Pinheiro Guedes, que também participou da comissão que se dirigiu ao palácio para fazer a entrega do documento.

Sempre amigo e admirador da Casa de Ismael, nela já reconhecendo a orientadora do Espiritismo no Brasil, não titubeou, juntamente com o grande Batuíra e outros ilustres confrades, em apoiar o movimento que, de uma vez por todas, procurava entregar à Federação Espírita Brasileira a direção do Espiritismo nas terras de Santa Cruz.

Isto se deu por volta de 1890, e, antes de se retirar para o Norte, em importante comissão do Governo, Pinheiro Guedes, como que reafirmando a sua posição frente à FEB, a ela ofertou “uma coleção importantíssima de livros sobre todos os ramos do conhecimento humano”, ampliando, de maneira significativa, a pequena biblioteca criada por Augusto Elias da Silva.

Em 4 de agosto de 1892, porque fora preso um confrade que realizava sessões em sua casa, o Círculo Espírita Conciliação constituiu no Rio de Janeiro uma Comissão Permanente que defenderia os espíritas quando violentados em seus direitos e na sua liberdade. Os jornais do dia 6 publicaram notícias a respeito.

A Comissão ficou composta dos seguintes nomes, todos eles respeitáveis: Dr. Ramos Nogueira, Senador Antônio Pinheiro Guedes, Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, Deputado Aristides Spínola Zama, Dr. João Carlos de Oliva Maia, Dr. Francisco de Menezes Dias da Cruz, Deputado J. L. de Almeida Nogueira, Deputado Alcindo Guanabara, Prof. Angeli Torteroli e Dr. Valentim Magalhães.

O Código Penal da novel República Brasileira aparecera em outubro de1890. No artigo 157, e ferindo a Constituição, confundiam-se malevolamente e propositadamente, os espíritas com os feiticeiros e embusteiros.

A Federação Espírita Brasileira protestou e procurou junto ao Ministro da Justiça do Governo Provisório, Dr. Campos Sales, alterar aquele dispositivo do Código, mas nada conseguiu.

O Centro Espírita do Brasil, do qual era presidente Bezerra de Menezes, dirige, em 22 de dezembro de 1890, ao Marechal Deodoro da Fonseca, primeiro presidente da República, outra representação, que apenas conseguiu, por parte do autor do Código, Dr. João Batista Pereira, “uma interpretação mais consentânea com a liberdade de pensamento e de crença garantida pela República”.

À vista disto, foi então escrita e apresentada ao Congresso Nacional, em 10 de agosto de 1893, nova representação, assinada pela Comissão acima referida.

Na representação pedia-se à Assembleia reconhecesse a flagrante inconstitucionalidade do Código Penal na parte que poderia impedir a prática do Espiritismo, tolhendo assim a liberdade religiosa.

O assunto foi devidamente encaminhado à Comissão Revisora do Código Penal, mas nada se fez para retificar a redação do artigo acima referido.

Correm os anos, e Pinheiro Guedes continua divulgando a Doutrina Espírita por todos os cantos, com aquele entusiasmo de crente fervoroso. Vários periódicos espíritas, entre eles o “Reformador” e a conhecida revista de Batuíra – “Verdade e Luz”, receberam a sua erudita colaboração, em artigos doutrinários escritos numa linguagem escorreita.

Veio a ser, juntamente com Augusto Elias da Silva, Lima e Cirne, Ernesto dos Santos Silva, José Antônio Val de Vez, Júlio César Leal, Angeli Torteroli e outros, um dos membros da Diretoria Central do “Centro da União Espírita de Propaganda no Brasil”, reinstalado em abril de 1894, ali prestando a sua colaboração como conferencista, mantendo-se também ligado à Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade, a qual ainda sobrevivia, pelo menos in nomine.

Chega o ano de 1901. Sai à luz um interessante livro de sua autoria, intitulado – “Ciência Espírita”, em cujas primeiras páginas, depois de uma homenagem do autor à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, vem uma explicação ao leitor, datada de Niterói, 13 de agosto de 1900. Esta obra de caráter científico, “numa linguagem clara, simples e persuasiva, dirigida mais ao raciocínio do leitor do que às suas próprias crenças e sentimentos religiosos”, foi reeditada em 1955.

Ao aparecimento deste livro, “Reformador” trouxe na sua secção bibliográfica extensa crítica, esclarecendo que Pinheiro Guedes “se esforça por demonstrar, graças a uma vigorosa argumentação, que o espírito é, desde a sua gênese, essa força que age sobre a matéria e acompanha a sua evolução, individualizando-se lentamente e dirigindo-a, dos estados inferiores aos mais elevados da Natureza”.

Espírito independente, Pinheiro Guedes não era, contudo, intolerante. Consciência reta, mente ilustrada e coração bondoso, formou em torno de si uma legião de amigos e admiradores.

Inabalavelmente convicto da verdade espírita, jamais ocultou a sua condição de crente, o que levou muitos colegas médicos (como ele mesmo revelou) a tratarem-no com certo desdém. Nada, porém, lhe arrefecia o ânimo, pois, conforme frisou na sua obra atrás mencionada, apenas tinha em conta a Verdade, e não o aplauso dos homens.

Estamos em 1908. Pinheiro Guedes, gravemente enfermo, aguarda no leito, com resignação, a sua partida para o Além.

Calmo e lúcido, segundo nos conta o “Reformador”, ele ainda tem forças para exortar os familiares e lhes falar com plena convicção da outra vida na qual dentro em pouco iria penetrar.

E foi assim que Antônio Pinheiro Guedes, com estes últimos exemplos de verdadeiro espírita, se despiu das prisões da carne, a fim de reencetar no Plano Espiritual o trabalho de esclarecimento e iluminação das criaturas humanas.

Diversos órgãos da imprensa espírita do Brasil enalteceram a figura do querido extinto, o mesmo tendo feito os periódicos “Luz y Unión” e “El Espiritismo”, ambos da Argentina.

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