Em 27 de agosto de 1908 perdia o
Espiritismo brasileiro, na pessoa do Dr. Antônio Pinheiro Guedes, um dos seus
mais eminentes pioneiros, um homem cuja sólida convicção e coragem cristã
fizeram-no ardoroso defensor de nossos ideais onde quer que se encontrasse.
Nasceu ele em Cuiabá, capital da
então Província de Mato Grosso, aos 14 de julho de 1842, sendo um dos quatro
filhos (dois homens e duas mulheres) do Tenente-Coronel João Pinheiro Guedes e
de D. Maria Madalena Pinheiro Guedes. O outro varão, Henrique Pinheiro Guedes,
igualmente se destacou, chegando ao posto de almirante, com serviços prestados
à Nação, quer como diretor da Escola Naval, quer como chefe do Estado Maior da
Armada.
Antônio Pinheiro Guedes bem cedo
revelou um espírito inteligente, perquirido e ativo. Em sua terra natal fez os
primeiros estudos, após o que embarcou para a Corte, a fim de seguir a carreira
médica, antiga aspiração do menino.
Examinado em 7 de novembro de
1865, e tendo obtido aprovação plena, ingressou na Faculdade de Medicina do Rio
de Janeiro (mais tarde: Faculdade Nacional de Medicina). Anos de estudo se
escoaram, e em 30 de setembro de 1870 ei-lo a apresentar à Faculdade, da qual
era diretor o Conselheiro Dr. José Martins da Cruz Jobim, a sua tese de
doutorado, tese que sustentou no dia 6 de dezembro do mesmo ano.
Antes de se doutorar, serviu
como interno de Clinica Médica e Clinica Cirúrgica na Faculdade, tendo sido
também aluno pensionista no Hospital Militar da Corte.
Em 31 de dezembro de 1870 entrou
para o Corpo de Saúde do Exercito no posto de tenente 2º. Cirurgião. Promovido
a capitão 1º. Cirurgião em 25 de maio de 1878; a major cirurgião-mor de
brigada, em 5 de março de 1890; a tenente-coronel médico de 2ª. Classe em 27 do
mesmo mês, reformou-se no posto de coronel médico, depois de servir nas
Fortalezas de Santa Cruz e São João, no Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro e,
como chefe, no Serviço Sanitário do Estado do Pará.
Participou de várias comissões
médicas do Governo, a elas sempre emprestando o brilho de sua capacidade
profissional.
Como clinico, empregou o
tratamento homeopático, e no desempenho de sua profissão sobressaiu-se pelo seu
espírito humanitário.
Como cidadão brasileiro e
ardente patriota, era um apaixonado pelas coisas que diziam respeito ao Brasil.
Daí estar sempre interessado por tudo quanto poderia trazer maior progresso e
bem-estar para a Nação. Os problemas administrativos não lhe eram
desconhecidos. As lutas políticas, muito menos.
Com o correr dos anos, suas
relações aumentaram e a Política chegou a absorvê-lo. Acreditava que aí fácil
lhe seria pôr em prática os seus ideais de construção, em bem do povo
brasileiro. Na verdade, porém, não era ele um político nato, por assim dizer.
Assim mesmo, em 1890, por
indicação do governador do Estado de Mato Grosso, o nome de Antônio Pinheiro
Guedes é sufragado nas urnas para o Senado Federal. Nas pugnas eleitorais de
15-9-1890, seu Estado natal o elege, juntamente com Joaquim Duarte Murtinho e
Aquilino Leite do Amaral Coutinho. A posse se deu na data do 1º. Aniversario da
República, no Paço de São Cristóvão, e entre os demais senadores empossados
destacavam-se outros celebres nomes da nossa História, como Ruy Barbosa,
Pinheiro Machado, Aristides Lobo, Quintino Bocaiuva, Saldanha Marinho, Campos
Sales, Luís Delfino, Prudente de Morais etc., membros todos eles da primeira e
acidentada Constituinte Republicana.
Nos três anos que durou o
mandato senatorial, Antônio Pinheiro Guedes procurou, com vivo e sincero
espírito democrático, defender o direito, a justiça e a liberdade no Brasil, no
cumprimento dos deveres do verdadeiro espírita, que na ocasião já o era,
plenamente cônscio, portanto, de suas responsabilidades perante o Criador e
Pai.
É assim, por exemplo, que o
vemos, na sessão de 1 de novembro de 1892, bater-se contra uma emenda do
orçamento da Agricultura, emenda que permitia ao Governo fundar, além de
enfermarias, templos. O Senador Guedes lembra que não reconhecendo o Estado
nenhuma religião, não tendo portanto religião, incongruente e fora de propósito
era a tal emenda, em cuja redação se deveria suprimir o vocábulo “templo”. O
presidente da Mesa explica que a emenda já havia sido aprovada, ao que Pinheiro
Guedes responde fazendo constar em ata a sua desaprovação.
Em outras oportunidades trouxe a
plenário a sua palavra serena e ponderada, mas, com o correr dos meses, foi ele
verificando que a Política era também uma enredada trama onde se conluiavam
interesses subalternos e pessoais, de par com uma demagogia desenfreada. Seus
elevados propósitos nem sempre encontravam eco na assembleia, faltando-lhe
apoio dos colegas para as obras que julgava importantes.
Afastou-se ele da Política, para
dedicar-se mais aos interesses do Espiritismo.
Somente mais tarde, nas eleições
de 1906, voltou ele a concorrer a uma cadeira na Câmara Alta. Explicam os Anais
do Senado da época que ele e o jornalista Antônio Francisco de Azeredo (senador
desde 1897) foram diplomados (sic), mas a Comissão julgou válido apenas o
diploma conferido ao segundo.
Foi esta a última experiência
política de Antônio Pinheiro Guedes, pois em 1908 ele se despediu do mundo.
Foi em fins de 1874, conforme
ele próprio o relata na revista “Verdade e Luz” de 15 de outubro de 1904, que
Pinheiro Guedes assistiu a uma sessão espírita, em companhia de Carlos Cirne e
João Coelho, dois fervorosos militantes do Espiritismo daquela época.
Carlos Cirne, compadre de
Pinheiro Guedes, entregava-se a experiências mediúnicas em sua própria
residência, com Angeli Torteroli, médium escrevente, psicofônico e vidente.
Pinheiro Guedes não se convence
de pronto. Médico materialista, para quem a alma não passava de simples função
cerebral, só modificou suas ideias sobre a alma após haver frequentado uma
serie de reuniões espíritas com aqueles seus amigos e ter observado vários
fatos confirmadores da vida após-morte.
Dedicando-se ao estudo das novas
revelações, conheceu vultos como Bittencourt Sampaio, Joaquim Carlos Travassos,
Siqueira Dias e Mendonça Furtado.
Fundada em 1876 a “Sociedade de
Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade”, Pinheiro Guedes entra para o quadro
dos sócios fundadores.
Em 3 de outubro de 1879,
Pinheiro Guedes apoia a transformação da referida Instituição em “Sociedade
Acadêmica Deus, Cristo e Caridade”, que nos primeiros anos de sua existência
muitos benefícios prestou ao Espiritismo no Brasil, não só difundindo-o, mas
também defendendo-o largamente dos ataques então desfechados por autoridades
eclesiásticas e civis.
Essa Sociedade foi criada num
edifício público situado na Praça da Aclamação (atual Praça da República) nº
54, gentilmente cedido pelo Conselheiro Doutor José Bento da Cunha Figueiredo,
Ministro do Império. No mesmo dia de sua instalação, foram eleitos e empossados
os cinco diretores: Dr. Francisco de Siqueira Dias (presidente), Carlos Joaquim
de Lima e Cirne, Antônio Carlos de Mendonça Furtado de Menezes, Dr. Antônio
Pinheiro Guedes e Salustiano José Monteiro de Barros.
No segundo ano de existência da
Sociedade Acadêmica, Pinheiro Guedes foi seu presidente, faltando-nos dados
para saber se ele continuou nesse cargo, e por quanto tempo.
Foi o nosso homenageado um dos
fortes esteios do Espiritismo no Brasil, sempre tomando parte ativa na
propaganda da Doutrina por meio de conferências e outros trabalhos.
Orador fluente e muito culto,
sua presença era constantemente solicitada por diversas Associações
espiritistas, nas quais ora presidia as reuniões, ora funcionava como orador
oficial.
Nunca recuou diante das perseguições
que se armaram contra o Espiritismo. Vemo-lo, por exemplo, ombro a ombro com
outros intrépidos companheiros, defendendo os direitos dos espíritas, cerceados
em sua liberdade por uma ordem que o então delegado de Policia da Corte
baixara, levado por informações deturpadas ou mesmo falsas. Chegaram eles a ir
até à presença do Imperador!
Com o pseudônimo de Guepian
revidou a pastoral do Bispo do Rio de Janeiro, publicada em 15 de julho d e
1892 e que condenava o Espiritismo como pernicioso. Os artigos de Pinheiro
Guedes, intitulados “Ao Episcopado Brasileiro”, foram transcritos nos primeiros
números do “Reformador”, órgão fundado em janeiro do ano seguinte.
Não é pois sem razão que o
“Reformador”, ao lhe fazer o necrológio, destacou que, desde a conversão de
Pinheiro Guedes à nossa Doutrina, este “fora um indefesso militante, não
desprezando nenhum meio de publicidade para popularizá-la e assim transmitir a
mitos os seus consoladores benefícios”.
Sendo um dos redatores da
“Revista da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade”, fundada em janeiro de
1881, nela deixou vários e oportuníssimos escritos.
Instalada em 2 de janeiro de
1884, a Federação Espírita Brasileira teve a satisfação de inscrever o Dr.
Antônio Pinheiro Guedes entre os seus sócios fundadores, considerando os seus
reais méritos e porque estava ele vinculado nos ideais dos principais
fundadores, de cuja amizade privava.
No período (1886-1888) das
célebres conferências no vasto salão da Guarda Velha, promovidas pela Federação
Espírita Brasileira, ele foi um dos que brilhantemente assomaram à tribuna, não
se falando das diversas outras conferências que realizou no próprio salão da
FEB.
Em 31 de março de 1889, o Dr.
Bezerra de Menezes reuniu na sede da Federação, da qual era presidente, um grupo
dos mais ilustres espíritas do Rio de Janeiro.
Tomou parte na reunião o Dr.
Pinheiro Guedes, a quem Bezerra concedeu a palavra para encetar a discussão. As
ponderações favoráveis do respeitado veterano foram ouvidas com geral agrado e
apoiadas, em breves discursos, pelo Dr. Dias da Cruz e por Lima e Cirne. Em 21
de abril de 1889, instalou-se o Centro Espírita do Brasil, do qual Bezerra de
Menezes foi o primeiro presidente.
A proclamação da República no
Brasil levou a Federação Espírita Brasileira a enviar uma mensagem de
congratulações ao Governo Provisório. Foi escolhido relator da mensagem o Dr.
Pinheiro Guedes, que também participou da comissão que se dirigiu ao palácio
para fazer a entrega do documento.
Sempre amigo e admirador da Casa
de Ismael, nela já reconhecendo a orientadora do Espiritismo no Brasil, não
titubeou, juntamente com o grande Batuíra e outros ilustres confrades, em
apoiar o movimento que, de uma vez por todas, procurava entregar à Federação
Espírita Brasileira a direção do Espiritismo nas terras de Santa Cruz.
Isto se deu por volta de 1890,
e, antes de se retirar para o Norte, em importante comissão do Governo,
Pinheiro Guedes, como que reafirmando a sua posição frente à FEB, a ela ofertou
“uma coleção importantíssima de livros sobre todos os ramos do conhecimento
humano”, ampliando, de maneira significativa, a pequena biblioteca criada por
Augusto Elias da Silva.
Em 4 de agosto de 1892, porque
fora preso um confrade que realizava sessões em sua casa, o Círculo Espírita
Conciliação constituiu no Rio de Janeiro uma Comissão Permanente que defenderia
os espíritas quando violentados em seus direitos e na sua liberdade. Os jornais
do dia 6 publicaram notícias a respeito.
A Comissão ficou composta dos
seguintes nomes, todos eles respeitáveis: Dr. Ramos Nogueira, Senador Antônio
Pinheiro Guedes, Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, Deputado Aristides Spínola
Zama, Dr. João Carlos de Oliva Maia, Dr. Francisco de Menezes Dias da Cruz,
Deputado J. L. de Almeida Nogueira, Deputado Alcindo Guanabara, Prof. Angeli
Torteroli e Dr. Valentim Magalhães.
O Código Penal da novel
República Brasileira aparecera em outubro de1890. No artigo 157, e ferindo a
Constituição, confundiam-se malevolamente e propositadamente, os espíritas com
os feiticeiros e embusteiros.
A Federação Espírita Brasileira
protestou e procurou junto ao Ministro da Justiça do Governo Provisório, Dr.
Campos Sales, alterar aquele dispositivo do Código, mas nada conseguiu.
O Centro Espírita do Brasil, do
qual era presidente Bezerra de Menezes, dirige, em 22 de dezembro de 1890, ao
Marechal Deodoro da Fonseca, primeiro presidente da República, outra
representação, que apenas conseguiu, por parte do autor do Código, Dr. João
Batista Pereira, “uma interpretação mais consentânea com a liberdade de pensamento
e de crença garantida pela República”.
À vista disto, foi então escrita
e apresentada ao Congresso Nacional, em 10 de agosto de 1893, nova
representação, assinada pela Comissão acima referida.
Na representação pedia-se à
Assembleia reconhecesse a flagrante inconstitucionalidade do Código Penal na
parte que poderia impedir a prática do Espiritismo, tolhendo assim a liberdade
religiosa.
O assunto foi devidamente
encaminhado à Comissão Revisora do Código Penal, mas nada se fez para retificar
a redação do artigo acima referido.
Correm os anos, e Pinheiro
Guedes continua divulgando a Doutrina Espírita por todos os cantos, com aquele
entusiasmo de crente fervoroso. Vários periódicos espíritas, entre eles o
“Reformador” e a conhecida revista de Batuíra – “Verdade e Luz”, receberam a
sua erudita colaboração, em artigos doutrinários escritos numa linguagem
escorreita.
Veio a ser, juntamente com
Augusto Elias da Silva, Lima e Cirne, Ernesto dos Santos Silva, José Antônio
Val de Vez, Júlio César Leal, Angeli Torteroli e outros, um dos membros da
Diretoria Central do “Centro da União Espírita de Propaganda no Brasil”,
reinstalado em abril de 1894, ali prestando a sua colaboração como
conferencista, mantendo-se também ligado à Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade,
a qual ainda sobrevivia, pelo menos in
nomine.
Chega o ano de 1901. Sai à luz
um interessante livro de sua autoria, intitulado – “Ciência Espírita”, em cujas
primeiras páginas, depois de uma homenagem do autor à Faculdade de Medicina do
Rio de Janeiro, vem uma explicação ao leitor, datada de Niterói, 13 de agosto
de 1900. Esta obra de caráter científico, “numa linguagem clara, simples e
persuasiva, dirigida mais ao raciocínio do leitor do que às suas próprias
crenças e sentimentos religiosos”, foi reeditada em 1955.
Ao aparecimento deste livro,
“Reformador” trouxe na sua secção bibliográfica extensa crítica, esclarecendo
que Pinheiro Guedes “se esforça por demonstrar, graças a uma vigorosa
argumentação, que o espírito é, desde a sua gênese, essa força que age sobre a
matéria e acompanha a sua evolução, individualizando-se lentamente e
dirigindo-a, dos estados inferiores aos mais elevados da Natureza”.
Espírito independente, Pinheiro
Guedes não era, contudo, intolerante. Consciência reta, mente ilustrada e
coração bondoso, formou em torno de si uma legião de amigos e admiradores.
Inabalavelmente convicto da
verdade espírita, jamais ocultou a sua condição de crente, o que levou muitos
colegas médicos (como ele mesmo revelou) a tratarem-no com certo desdém. Nada,
porém, lhe arrefecia o ânimo, pois, conforme frisou na sua obra atrás
mencionada, apenas tinha em conta a Verdade, e não o aplauso dos homens.
Estamos em 1908. Pinheiro
Guedes, gravemente enfermo, aguarda no leito, com resignação, a sua partida para
o Além.
Calmo e lúcido, segundo nos
conta o “Reformador”, ele ainda tem forças para exortar os familiares e lhes
falar com plena convicção da outra vida na qual dentro em pouco iria penetrar.
E foi assim que Antônio Pinheiro
Guedes, com estes últimos exemplos de verdadeiro espírita, se despiu das
prisões da carne, a fim de reencetar no Plano Espiritual o trabalho de
esclarecimento e iluminação das criaturas humanas.
Diversos órgãos da imprensa
espírita do Brasil enalteceram a figura do querido extinto, o mesmo tendo feito
os periódicos “Luz y Unión” e “El Espiritismo”, ambos da Argentina.
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