quinta-feira, 12 de novembro de 2020

VOTO DE SILÊNCIO[1]

 


Miramez

 

Que pensar do voto de silêncio prescrito por algumas seitas, desde a mais alta Antiguidade?

‒ Perguntais antes se a palavra é natural e porque Deus a deu. Deus condena o abuso e não o uso das faculdades por ele concedidas. Não obstante, o silêncio é útil porque, no silêncio, te recolhes, e teu espírito se torna mais livre e pode, então, entrar em comunicação conosco. Mas, o voto de silêncio é uma tolice. Sem dúvida, os que consideram essas privações voluntárias como atos de virtude, têm boa intenção, mas se enganam por não compreenderem suficientemente as verdadeiras leis de Deus.

O voto de silêncio absoluto, da mesma maneira que o voto de isolamento priva o homem das relações sociais que lhe podem fornecer as ocasiões de fazer o bem e de cumprir a lei do progresso. (Allan Kardec)

Questão 772/O Livro dos Espíritos

 

Outro absurdo qual o de insulamento! Tudo que vai aos extremos, passa a restringir as possibilidades do bem. A palavra foi entregue ao homem por Deus para ser usada. Ela gastou milhões de anos para o devido aprimoramento, tal qual se encontra; como determinarmos o seu atrofiamento?

O silêncio comedido, por necessidade do aprendizado, é nobre. O absoluto, entretanto, é erro gravíssimo, que faz esconder esse dom maravilhoso que pode servir, ajudando a muitos que sofrem, padecendo os processos de despertamento da alma. Convém notar que tudo obedece ao tempo para que a harmonia se faça para a alegria de todos.

Ninguém pode conversar continuamente e o silêncio é o sal, usado com parcimônia, para que se possa ser mais útil nos trabalhos que compete a cada um fazer. Estas próprias letras que estão compondo essa mensagem mostram os traços benfazejos do silêncio, para que se possa compreender o que queremos dizer nestas páginas. O espaço entre uma e outra é o silêncio.

Assim é tudo na vida. No entanto, o que condenamos é o silêncio absoluto, que nada regula, nem transmite para os que têm necessidade de ouvir.

Voto de silêncio absoluto é uma forma de discórdia, por vezes mais agressiva do que as palavras ásperas que maculam o coração. Tudo, em seu lugar e em hora certa, é harmonia de Deus na expressão de amor.

 

Se não vos tornastes fiéis na aplicação do alheio, quem vos dará o que é vosso?[2]

 

A aplicação do alheio são as leis de Deus. Se, porventura, entrarmos no silêncio absoluto, podemos fechar igualmente os ouvidos, porque a lei não vai permitir que também ouçamos aos outros nas suas necessidades. E aí, o que poderá acontecer conosco? Passaremos a atrofiar os nossos dons, e depois deles esquecidos pela natureza, estaremos com nossa vida igualmente atrofiada.

Não se deve fazer voto de silêncio; ele é necessário, mas onde a parcimônia indicar, com o equilíbrio que o Cristo nos ensinou em toda a Sua vida divina. Devemos silenciar sim, quando aparecer oportunidade contrária à caridade, nas linhas do mal, que não precisamos mencionar para os que já conhecem Jesus. Mas devemos falar e não calar, quando Jesus usar a nossa boca.

O Evangelho do Mestre é o código de luz que tem a capacidade de direcionar os homens e almas para Deus, de modo que a harmonia estabeleça o amor nos corações. Silenciemos, pois, no mal, mas falemos e não nos calemos no bem, como Jesus disse a Paulo de Tarso. A palavra é força poderosa, por ter nascido do verbo de Deus que ecoa em toda a criação. Tudo se comunica, cada ser, cada coisa tem sua linguagem na escala que a vida maior lhe deu.

As seitas que estabeleceram o voto de silêncio no passado, não o fizeram visando ao mal para seus profitentes[3], mas para fazer calar o mal que eles poderiam fazer uns aos outros; foi a procura dos meios de educação, que vêm com o tempo, alcançando melhor progresso. Hoje, não há mais lugar para esse exercício primitivo.

Tornamos a dizer que é louvável fazer o voto de silêncio no que se refere ao mal; em outros casos, só aquele silêncio de curtos espaços, para dar melhor tonalidade e compreensão ao assunto. Tudo regulado, qual o tempero na comida. Que Deus nos abençoe para melhor compreendermos as leis e a vida.



[1] Filosofia Espírita – Volume 16 – João Nunes Maia

[2] (Lucas, 16:12)

[3] Profitente - Que professa alguma doutrina, seita ou religião.

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