quarta-feira, 4 de novembro de 2020

ESPIRITUALIDADE PODE AJUDAR NA PREVENÇÃO DO SUICÍDIO[1]

 


Ana Elizabeth Diniz – Especial para o TEMPO ‒ 22/09/20 ‒ 03h00

 

Religiões passam visão mais ampliada da vida e a ideia de que a morte não acaba com o sofrimento

 

É preciso falar, alertar, apoiar. Quando o assunto em questão é o suicídio, todo cuidado é pouco. “A maioria das pessoas que pensam em suicídio não o comete, felizmente, e consegue encontrar meios mais saudáveis para lidar com seus problemas, buscar apoio psiquiátrico, psicológico, dos amigos e da família”, comenta Alexander Moreira- Almeida[2], professor de psiquiatria, fundador e diretor do Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde (Nupes), da Universidade Federal de Juiz de Fora, e ex-coordenador da seção de religião e espiritualidade da Associação Mundial de Psiquiatria.

A tentativa deliberada de encerrar a própria vida é, na maioria das vezes, um pedido desesperado e inadequado de socorro, de externar o sofrimento, mas nem sempre a pessoa deseja morrer. “As tentativas de suicídio são mais frequentes entre mulheres jovens, e sua efetivação acontece entre homens um pouco mais velhos. O Brasil ainda apresenta uma taxa de suicídio baixa em relação a outros países, embora esse número tenha aumentado ultimamente, especialmente entre jovens”, explica o psiquiatra.

O que se sabe é que 90% das pessoas que se suicidam têm um transtorno mental ativo naquele momento, sendo os mais frequentes a depressão e o consumo de álcool e outras drogas. “A depressão muda o modo de ver o mundo e a si mesmo. A pessoa se vê como alguém sem valor, inútil, um peso para os outros e sem perspectiva de futuro. Muitas vezes, a ideação suicida vem daí. Há ainda fatores de risco, como isolamento social e acesso a meios letais, como armas e venenos”, observa Moreira-Almeida.

Mas onde entra a espiritualidade nesse contexto? O psiquiatra André Carvalho Caribé de Araujo Pinho investigou as tentativas de suicídio no pronto-socorro de Salvador e constatou que indivíduos com algum envolvimento religioso tinham metade das chances de tentar o suicídio em comparação com os que não tinham. “Estudos demonstram que o envolvimento religioso é um dos fatores protetores mais significativos em relação ao risco de suicídio ao longo da vida. Isso não significa obviamente que a pessoa religiosa não tem risco de suicídio, mas o risco é menor”, ressalta Moreira-Almeida.

Professor titular de epidemiologia da Universidade de Harvard, Tyler J. VanderWeele publicou recentemente em uma revista da Associação Médica Americana um estudo em que ele acompanhou mais de 100 mil profissionais de saúde por mais de 15 anos. “A frequência semanal a um grupo religioso se associou a uma redução de 68% das mortes por desespero em mulheres e 33% entre homens. Uma explicação pode ser a de que a participação religiosa pode promover um sentido positivo para a vida, trazendo esperança, valorização e proteção do corpo, que pode ser entendido como um templo divino. E também as mensagens explícitas de desaprovação do suicídio e do uso de drogas e de promoção da conexão social”, observa Moreira-Almeida.

 

Religiões passam ideia de proteção e aconchego

A religião pode ser redentora. “Escuto pacientes dizendo que, se não fosse a religião, eles teriam morrido. A ideia do suicida é acabar com o sofrimento, ‘desligar a chave geral’, mas a maioria das religiões enfatiza que existe vida após a morte e que o suicídio não vai aliviar o sofrimento, podendo trazer consequências para os familiares e para a própria pessoa”, analisa o psiquiatra Alexander Moreira-Almeida.

A religião, diz ele, “tende a passar uma visão mais ampliada da vida, que existe algo além, que as provações são transitórias e que não estamos sozinhos, que a vida tem um sentido, um propósito”.

Segundo ele, existem alguns fatores protetores, como relacionamentos pessoais de qualidade, amizades, o fato de ter filhos e a responsabilidade de cuidar de alguém, ter um propósito social e viver a religiosidade. (AED)

 

Impacto até a vida adulta

Em 2019, o epidemiologista Tyler J. VanderWeele publicou um estudo em que avaliou entre 6.000 e 7.000 adolescentes com média de 15 anos e os seguiu por dez anos para medir o impacto do envolvimento religioso sobre eles. Os adolescentes que frequentavam semanalmente um grupo religioso, quando adultos, apresentavam maior satisfação com a vida, alegria, envolvimento com trabalhos voluntários, senso de missão na vida, menos sintomas depressivos, menos uso de cigarro e drogas e menos doenças sexualmente transmissíveis. (AED)

 



[2] Alexander Moreira-Almeida dirige o Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde (Nupes) da Universidade Federal de Juiz de Fora

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