Ana Elizabeth Diniz – Especial para o TEMPO ‒ 22/09/20 ‒
03h00
Religiões passam
visão mais ampliada da vida e a ideia de que a morte não acaba com o sofrimento
É preciso falar, alertar,
apoiar. Quando o assunto em questão é o suicídio, todo cuidado é pouco. “A
maioria das pessoas que pensam em suicídio não o comete, felizmente, e consegue
encontrar meios mais saudáveis para lidar com seus problemas, buscar apoio
psiquiátrico, psicológico, dos amigos e da família”, comenta Alexander Moreira-
Almeida[2],
professor de psiquiatria, fundador e diretor do Núcleo de Pesquisa em
Espiritualidade e Saúde (Nupes), da Universidade Federal de Juiz de Fora, e
ex-coordenador da seção de religião e espiritualidade da Associação Mundial de
Psiquiatria.
A tentativa deliberada de
encerrar a própria vida é, na maioria das vezes, um pedido desesperado e
inadequado de socorro, de externar o sofrimento, mas nem sempre a pessoa deseja
morrer. “As tentativas de suicídio são mais frequentes entre mulheres jovens, e
sua efetivação acontece entre homens um pouco mais velhos. O Brasil ainda
apresenta uma taxa de suicídio baixa em relação a outros países, embora esse
número tenha aumentado ultimamente, especialmente entre jovens”, explica o
psiquiatra.
O que se sabe é que 90% das
pessoas que se suicidam têm um transtorno mental ativo naquele momento, sendo
os mais frequentes a depressão e o consumo de álcool e outras drogas. “A
depressão muda o modo de ver o mundo e a si mesmo. A pessoa se vê como alguém
sem valor, inútil, um peso para os outros e sem perspectiva de futuro. Muitas
vezes, a ideação suicida vem daí. Há ainda fatores de risco, como isolamento
social e acesso a meios letais, como armas e venenos”, observa Moreira-Almeida.
Mas onde entra a espiritualidade
nesse contexto? O psiquiatra André Carvalho Caribé de Araujo Pinho investigou
as tentativas de suicídio no pronto-socorro de Salvador e constatou que indivíduos
com algum envolvimento religioso tinham metade das chances de tentar o suicídio
em comparação com os que não tinham. “Estudos demonstram que o envolvimento
religioso é um dos fatores protetores mais significativos em relação ao risco
de suicídio ao longo da vida. Isso não significa obviamente que a pessoa
religiosa não tem risco de suicídio, mas o risco é menor”, ressalta
Moreira-Almeida.
Professor titular de
epidemiologia da Universidade de Harvard, Tyler J. VanderWeele publicou
recentemente em uma revista da Associação Médica Americana um estudo em que ele
acompanhou mais de 100 mil profissionais de saúde por mais de 15 anos. “A
frequência semanal a um grupo religioso se associou a uma redução de 68% das
mortes por desespero em mulheres e 33% entre homens. Uma explicação pode ser a
de que a participação religiosa pode promover um sentido positivo para a vida,
trazendo esperança, valorização e proteção do corpo, que pode ser entendido
como um templo divino. E também as mensagens explícitas de desaprovação do
suicídio e do uso de drogas e de promoção da conexão social”, observa
Moreira-Almeida.
Religiões passam
ideia de proteção e aconchego
A religião pode ser redentora.
“Escuto pacientes dizendo que, se não fosse a religião, eles teriam morrido. A
ideia do suicida é acabar com o sofrimento, ‘desligar a chave geral’, mas a
maioria das religiões enfatiza que existe vida após a morte e que o suicídio
não vai aliviar o sofrimento, podendo trazer consequências para os familiares e
para a própria pessoa”, analisa o psiquiatra Alexander Moreira-Almeida.
A religião, diz ele, “tende a
passar uma visão mais ampliada da vida, que existe algo além, que as provações
são transitórias e que não estamos sozinhos, que a vida tem um sentido, um
propósito”.
Segundo ele, existem alguns
fatores protetores, como relacionamentos pessoais de qualidade, amizades, o
fato de ter filhos e a responsabilidade de cuidar de alguém, ter um propósito
social e viver a religiosidade. (AED)
Impacto até a vida
adulta
Em 2019, o epidemiologista Tyler
J. VanderWeele publicou um estudo em que avaliou entre 6.000 e 7.000
adolescentes com média de 15 anos e os seguiu por dez anos para medir o impacto
do envolvimento religioso sobre eles. Os adolescentes que frequentavam
semanalmente um grupo religioso, quando adultos, apresentavam maior satisfação
com a vida, alegria, envolvimento com trabalhos voluntários, senso de missão na
vida, menos sintomas depressivos, menos uso de cigarro e drogas e menos doenças
sexualmente transmissíveis. (AED)
[1] https://www.otempo.com.br/interessa/espiritualidade-pode-ajudar-na-prevencao-do-suicidio-1.2388356
[2] Alexander Moreira-Almeida dirige o Núcleo de Pesquisa
em Espiritualidade e Saúde (Nupes) da Universidade Federal de Juiz de Fora
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