segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Revelação[1], [2]



Allan Kardec

No sentido litúrgico, a revelação implica uma ideia de misticismo e de maravilhoso. O materialismo a repele naturalmente, porque ela supõe a intervenção de poderes e de inteligências extra-humanas.
Fora da negação absoluta, muitas pessoas fazem hoje estas perguntas: Houve ou não uma revelação? A revelação é necessária? Trazendo aos homens a verdade integral, a revelação não teria por efeito impedi-los de fazer uso das suas faculdades, pois que lhes pouparia o trabalho da investigação? Essas objeções nascem da falsa ideia que se faz da revelação. Tomemo-la inicialmente em sua acepção mais simples, para segui-la até seu ponto mais alto.
Revelar é tornar conhecida uma coisa que não o é; é ensinar a alguém aquilo que não sabe. Deste ponto de vista, há para nós uma revelação por assim dizer incessante. Qual o papel do professor diante dos seus alunos, senão o de um revelador? O professor lhes ensina o que eles não sabem, o que não teriam tempo, nem possibilidade de descobrir por si mesmos, porque a Ciência é obra coletiva dos séculos e de uma multidão de homens que trazem, cada qual, o seu contingente de observações aproveitáveis àqueles que vêm depois. O ensino é, portanto, na realidade, a revelação de certas verdades científicas ou morais, físicas ou metafísicas, feitas por homens que as conhecem a outros que as ignoram e que, se assim não fora, as teriam ignorado sempre.
Seria lógico deixar que eles mesmos procurassem essas verdades? Esperar que tivessem inventado a mecânica para lhes ensinar a servir-se do vapor? Não se poderia dizer que, em lhes revelando o que outros acharam, impede-se o exercício de suas faculdades? Não é, ao contrário, apoiando-se no conhecimento das descobertas anteriores que chegam a novas descobertas? Dar a conhecer ao maior número possível a maior soma possível de verdades conhecidas é, pois, provocar a atividade da inteligência em vez de abafá-la e impelir ao progresso. Sem isto o homem ficaria estacionário.
Mas o professor não ensina senão o que aprendeu: é um revelador de segunda ordem; o homem de gênio ensina o que descobriu por si mesmo: é o revelador primitivo; traz a luz que pouco a pouco se vulgariza. Que seria da Humanidade sem a revelação dos homens de gênio, que aparecem de tempos a tempos?
Mas, quem são esses homens de gênio? E, por que são homens de gênio? Donde vieram? Que é feito deles? Notemos que na sua maioria revelam, ao nascer, faculdades transcendentes e alguns conhecimentos inatos, que com pouco trabalho desenvolvem. Pertencem realmente à Humanidade, pois nascem, vivem e morrem como nós. Onde, porém, adquiriram esses conhecimentos que não puderam aprender durante a vida? Dir-se-á, com os materialistas, que o acaso lhes deu a matéria cerebral em maior quantidade e de melhor qualidade? Neste caso, não teriam mais mérito que um legume maior e mais saboroso do que outro.
Dir-se-á, como certos espiritualistas, que Deus lhes deu uma alma mais favorecida que a do comum dos homens?
Suposição igualmente ilógica, pois que tacharia Deus de parcial. A única solução racional do problema está na preexistência da alma e na pluralidade das vidas. O homem de gênio é um Espírito que tem vivido mais tempo; que, por conseguinte, adquiriu e progrediu mais do que aqueles que estão menos adiantados. Encarnando, traz o que sabe e, como sabe muito mais do que os outros e não precisa aprender, é chamado homem de gênio. Mas seu saber é fruto de um trabalho anterior e não resultado de um privilégio. Antes de renascer, era ele, pois, Espírito adiantado: reencarna para fazer que os outros aproveitem do que já sabe, ou para adquirir mais do que possui.
Os homens progridem incontestavelmente por si mesmos e pelos esforços de sua inteligência; mas, entregues às próprias forças, só muito lentamente progrediriam, se não fossem auxiliados por outros mais adiantados, como o estudante o é pelos professores. Todos os povos tiveram homens de gênios, surgidos em diversas épocas, para dar-lhes impulso e tirá-los da inércia.
Desde que se admite a solicitude de Deus para com as suas criaturas, por que não se há de admitir que Espíritos capazes, por sua energia e superioridade de conhecimento, de fazerem que a Humanidade avance, encarnem pela vontade de Deus, com o fim de ativarem o progresso em determinado sentido? Por que não admitir que eles recebam missões, como um embaixador as recebe do seu soberano? Tal o papel dos grandes gênios. Que vêm eles fazer, senão ensinar aos homens verdades que estes ignoram e ainda ignorariam durante largos períodos, a fim de lhes dar um ponto de apoio mediante o qual possam elevar-se mais rapidamente? Esses gênios, que aparecem através dos séculos como estrelas brilhantes, deixando longo traço luminoso sobre a Humanidade, são missionários ou, se o quiserem, messias. Se só ensinassem aos homens o que estes já soubessem, sua presença seria completamente inútil. O que de novo ensinam aos homens, quer na ordem física, quer na ordem moral, são revelações. Se Deus suscita reveladores para as verdades científicas, pode, com mais forte razão, suscitá-los para as verdades morais, que constituem elementos essenciais do progresso. Tais são os filósofos cujas ideias atravessam os séculos.
No sentido especial da fé religiosa, os reveladores são mais particularmente designados sob o nome de profetas ou messias.
Todas as religiões tiveram seus reveladores e estes, embora longe estivessem de conhecer toda a verdade, tinham uma razão de ser providencial, porque eram apropriados ao tempo e ao meio em que viviam, ao caráter particular dos povos a quem falavam e aos quais eram relativamente superiores. Apesar dos erros de suas doutrinas, não deixaram de agitar os espíritos e, por isso mesmo, de semear os germes do progresso, que mais tarde haviam de desenvolver-se, ou se desenvolverão à luz brilhante do Cristianismo.
É, pois, injusto se lhes lance anátema em nome da ortodoxia, porque dia virá em que todas essas crenças tão diversas na forma, mas que repousam realmente sobre um mesmo princípio fundamental – Deus e a imortalidade da alma – se fundirão numa grande e vasta unidade, logo que a razão triunfe dos preconceitos.
Infelizmente, as religiões hão sido sempre instrumentos de dominação; o papel de profeta há tentado as ambições secundárias e tem-se visto surgir uma multidão de pretensos reveladores ou messias, que, valendo-se do prestígio deste nome, exploram a credulidade em proveito do seu orgulho, da sua ganância, ou da sua indolência, achando mais cômodo viver à custa dos iludidos. A religião cristã não pôde evitar esses parasitas. A tal propósito, chamamos particularmente a atenção para o capítulo XXI de O Evangelho segundo o Espiritismo: “Haverá falsos cristos e falsos profetas”.
A linguagem simbólica de Jesus favoreceu singularmente as interpretações mais contraditórias; esforçando-se em lhe deturpar o sentido, cada um julgou aí encontrar a sanção de seus pontos de vista pessoais, muitas vezes até a justificação das doutrinas mais contraditórias ao espírito de caridade e de justiça, que é a sua base. Aí está o abuso que desaparecerá pela força mesma das coisas, sob o império da razão. Não é disto que nos vamos ocupar aqui. Apenas constatamos as duas grandes revelações sobre as quais se apoia o Cristianismo: a de Moisés e a de Jesus, porque tiveram uma influência decisiva na Humanidade.
O islamismo pode ser considerado como um derivado de concepção humana do mosaísmo e do Cristianismo. Para acreditar a religião que queria fundar, Maomé teve que se apoiar sobre uma pretensa revelação divina.
Haverá revelações diretas de Deus aos homens? É uma questão que não ousaríamos resolver, nem afirmativamente, nem negativamente, de maneira absoluta. O fato não é radicalmente impossível, porém, nada nos dá dele prova certa. O que não padece dúvida é que os Espíritos mais próximos de Deus pela perfeição se imbuem do seu pensamento e podem transmiti-lo. Quanto aos reveladores encarnados, segundo a ordem hierárquica a que pertencem e o grau a que chegaram de saber, esses podem tirar dos seus próprios conhecimentos as instruções que ministram, ou recebê-las de Espíritos mais elevados, mesmo dos mensageiros diretos de Deus, os quais, falando em nome de Deus, têm sido às vezes tomados pelo próprio Deus.
As comunicações deste gênero nada têm de estranho para quem conhece os fenômenos espíritas e a maneira pela qual se estabelecem as relações entre os encarnados e os desencarnados.
As instruções podem ser transmitidas por diversos meios: pela simples inspiração, pela audição da palavra, pela visibilidade dos Espíritos instrutores, nas visões e aparições, quer em sonho, quer em estado de vigília, do que há muitos exemplos na Bíblia, no Evangelho e nos livros sagrados de todos os povos.
É, pois, rigorosamente exato dizer-se que quase todos os reveladores são médiuns inspirados, audientes ou videntes. Daí, entretanto, não se deve concluir que todos os médiuns sejam reveladores, nem, ainda menos, intermediários diretos da Divindade ou dos seus mensageiros.
Só os Espíritos puros recebem a palavra de Deus com a missão de transmiti-la; mas, sabe-se hoje que nem todos os Espíritos são perfeitos e que existem muitos que se apresentam sob falsas aparências, o que levou S. João a dizer: “Não acrediteis em todos os Espíritos; vede antes se os Espíritos são de Deus.” (Epíst. 1a, 4:4.)
Pode, pois, haver revelações sérias e verdadeiras, como as há apócrifas e mentirosas. O caráter essencial da revelação divina é o da eterna verdade. Toda revelação eivada de erros ou sujeita a modificação não pode emanar de Deus, porque Deus não pode enganar conscientemente nem se enganar. É assim que a lei do Decálogo tem todos os caracteres de sua origem, enquanto que as outras leis mosaicas, fundamentalmente transitórias, muitas vezes em contradição com a lei do Sinai, são obra pessoal e política do legislador hebreu. Com o abrandamento dos costumes do povo, essas leis por si mesmas caíram em desuso, ao passo que o Decálogo ficou sempre de pé, como farol da Humanidade.
O Cristo fez dele a base do seu edifício, abolindo as outras leis.
Se estas fossem obra de Deus, seriam conservadas intactas. O Cristo e Moisés foram os dois grandes reveladores que mudaram a face do mundo e nisso está a prova da sua missão divina. Uma obra puramente humana careceria de tal poder.
Uma nova e importante revelação se opera na época atual e mostra a possibilidade de nos comunicarmos com os seres do mundo espiritual. Não é novo, sem dúvida, esse conhecimento; mas ficara até aos nossos dias, de certo modo, como letra morta, isto é, sem proveito para a Humanidade. A ignorância das leis que regem essas relações o abafara sob a superstição; o homem era incapaz de tirar daí qualquer dedução salutar; estava reservado à nossa época desembaraçá-lo dos acessórios ridículos, compreender-lhes o alcance e fazer surgir a luz destinada a clarear o caminho do futuro.
Não sendo os Espíritos senão as almas dos homens, comunicando-nos com eles não saíamos fora da Humanidade, circunstância capital a considerar-se. Os homens de gênio, que foram fachos da Humanidade, vieram do mundo dos Espíritos e para lá voltaram, ao deixarem a Terra. Desde que os Espíritos podem comunicar-se com os homens, esses mesmos gênios podem dar-lhes instruções sob a forma espiritual, como o fizeram sob a forma corpórea. Podem instruir-nos, depois de terem morrido, tal qual faziam quando vivos; apenas, são invisíveis, ao invés de serem visíveis; essa a única diferença. Não devem ser menores do que eram a experiência e o saber que possuem e, se a palavra deles, como homens, tinha autoridade, não a pode ter menos, somente por estarem no mundo dos Espíritos.
Mas, nem só os Espíritos superiores se manifestam; fazem-no igualmente os de todas as categorias, e preciso era que assim acontecesse, para nos iniciarmos no que respeita ao verdadeiro caráter do mundo espiritual, apresentando-se-nos este por todas as suas faces. Daí resulta serem mais íntimas as relações entre o mundo visível e o mundo invisível e mais evidente a conexidade entre os dois. Vemos assim mais claramente donde procedemos e para onde iremos. Esse o objetivo essencial das manifestações. Todos os Espíritos, pois, qualquer que seja o grau de elevação em que se encontrem, alguma coisa nos ensinam; cabe-nos, porém, a nós, visto que eles são mais ou menos esclarecidos, discernir o que há de bom ou de mau no que nos digam e tirar, do ensino que nos deem, o proveito possível. Ora, todos, quaisquer que sejam, nos podem ensinar ou revelar coisas que ignoramos e que sem eles não saberíamos.
Os grandes Espíritos encarnados são, sem contradita, individualidades poderosas, mas de ação restrita e lenta propagação.
Viesse um só dentre eles, embora fosse Elias ou Moisés, revelar, nos tempos modernos, aos homens, as condições do mundo espiritual, quem provaria a veracidade das suas asserções, nesta época de cepticismo? Não o tomariam por sonhador ou utopista?
Mesmo que fosse verdade absoluta o que dissesse, séculos se escoariam antes que as massas humanas lhe aceitassem as ideias.
Deus, em sua sabedoria, não quis que assim acontecesse; quis que o ensino fosse dado pelos próprios Espíritos, não por encarnados, a fim de que aqueles convencessem da sua existência a estes últimos e quis que isso ocorresse por toda a Terra simultaneamente, quer para que o ensino se propagasse com maior rapidez, quer para que, coincidindo em toda parte, constituísse uma prova da verdade, tendo assim cada um o meio de convencer-se a si próprio. Tais o objetivo e o caráter da revelação moderna.
Os Espíritos não se manifestam para libertar do estudo e das pesquisas o homem, nem para lhe transmitir, inteiramente pronta, nenhuma ciência. Com relação ao que o homem pode achar por si mesmo, eles o deixam entregue às suas próprias forças. Isso sabem-no hoje perfeitamente os espíritas. De há muito, a experiência há demonstrado ser errôneo atribuir-se aos Espíritos todo o saber e toda a sabedoria e supor-se que baste a quem quer que seja dirigir-se ao primeiro Espírito que se apresente para conhecer todas as coisas. Saídos da Humanidade, eles constituem uma de suas faces. Assim como na Terra, no plano invisível também os há superiores e vulgares; muitos deles, pois, científica e filosoficamente, sabem menos do que certos homens; eles dizem o que sabem, nem mais, nem menos. Do mesmo modo que os homens, os Espíritos mais adiantados podem instruir-nos sobre maior porção de coisas, dar-nos opiniões mais judiciosas, do que os atrasados. Pedir o homem conselhos aos Espíritos não é entrar em entendimento com potências sobrenaturais; é tratar com seus iguais, com aqueles mesmos a quem ele se dirigiria neste mundo; a seus parentes, seus amigos, ou a indivíduos mais esclarecidos do que ele.
Disto é que importa se convençam todos e é o que ignoram os que, não tendo estudado o Espiritismo, fazem ideia completamente falsa da natureza do mundo dos Espíritos e das relações com o além-túmulo.
Qual, então, a utilidade dessas manifestações, ou, se o preferirem, dessa revelação, uma vez que os Espíritos não sabem mais do que nós, ou não nos dizem tudo o que sabem?
Primeiramente, como já o declaramos, eles se abstêm de nos dar o que podemos adquirir pelo trabalho; em segundo lugar, há coisas cuja revelação não lhes é permitida, porque o grau do nosso adiantamento não as comporta. Afora isto, as condições da nova existência em que se acham lhes dilatam o círculo das percepções: eles veem o que não viam na Terra; libertos dos entraves da matéria, isentos dos cuidados da vida corpórea, apreciam as coisas de um ponto de vista mais elevado e, portanto, mais são; a perspicácia de que gozam abrange mais vasto horizonte; compreendem seus erros, retificam suas ideias e se desembaraçam dos prejuízos humanos.
É nisto que consiste a superioridade dos Espíritos com relação à humanidade corpórea e daí vem a possibilidade de serem seus conselhos, segundo o grau de adiantamento que alcançaram, mais judiciosos e desinteressados do que os dos encarnados. O meio em que se encontram lhes permite, ao demais, iniciar-nos nas coisas que ignoramos, relativas à vida futura e que não podemos aprender no meio em que estamos. Até ao presente, o homem apenas formulara hipóteses sobre o seu porvir; tal a razão por que suas crenças a esse respeito se fracionaram em tão numerosos e divergentes sistemas, desde o niilismo até as concepções fantásticas do inferno e do paraíso. Hoje, são as testemunhas oculares, os próprios atores da vida de além-túmulo que nos vêm dizer em que se tornaram e só eles o podiam fazer. Suas manifestações, conseguintemente, serviram para dar-nos a conhecer o mundo invisível que nos rodeia e do qual nem suspeitávamos e só esse conhecimento seria de capital importância, dado mesmo que nada mais pudessem os Espíritos ensinar-nos.
Uma comparação vulgar fará compreender ainda melhor a situação.
Parte para destino longínquo um navio carregado de emigrantes. Leva homens de todas as condições, parentes e amigos dos que ficam. Vem-se a saber que esse navio naufragou. Nenhum vestígio resta dele, nenhuma notícia chega sobre a sua sorte.
Acredita-se que todos os passageiros pereceram e o luto penetra em todas as suas famílias. Entretanto, a tripulação inteira, sem faltar um único homem, foi ter a uma ilha desconhecida, abundante e fértil, onde todos passam a viver ditosos, sob um céu clemente.
Ninguém, todavia, sabe disso. Ora, um belo dia, outro navio aporta a essa terra e lá encontra sãos e salvos os náufragos. A feliz nova se espalha com a rapidez do relâmpago. Exclamam todos: “Não estão perdidos os nossos amigos!” E rendem graças a Deus. Não podem ver-se uns aos outros, mas correspondem-se; permutam demonstrações de afeto e, assim, a alegria substitui a tristeza.
Tal a imagem da vida terrena e da vida de além-túmulo, antes e depois da revelação moderna. A última, semelhante ao segundo navio, nos traz a boa-nova da sobrevivência dos que nos são caros e a certeza de que a eles nos reuniremos um dia. Deixa de existir a dúvida sobre a sorte deles e a nossa. O desânimo se desfaz diante da esperança.
Mas, outros resultados fecundam essa revelação.
Achando madura a Humanidade para penetrar o mistério do seu destino e contemplar, a sangue-frio, novas maravilhas, permitiu Deus fosse erguido o véu que ocultava o mundo invisível ao mundo visível. Nada têm de extra-humanas as manifestações; é a humanidade espiritual que vem conversar com a humanidade corporal e dizer-lhe:
“Nós existimos, logo o nada não existe; eis o que somos e o que sereis; o futuro vos pertence, como a nós. Caminhais nas trevas, vimos clarear-vos o caminho e traçar-vos o roteiro; andais ao acaso, vimos apontar-vos a meta. A vida terrena era, para vós, tudo, porque nada víeis além dela; vimos dizer-vos, mostrando a vida espiritual: a vida terrestre nada é. A vossa visão se detinha no túmulo, nós vos desvendamos, para lá deste, um esplêndido horizonte. Não sabíeis por que sofreis na Terra; agora, no sofrimento, vedes a justiça de Deus. O bem nenhum fruto aparente produzia para o futuro. Doravante, ele terá uma finalidade e constituirá uma necessidade; a fraternidade, que não passava de bela teoria, assenta agora numa lei da Natureza. Sob o domínio da crença de que tudo acaba com a vida, a imensidade é o vazio, o egoísmo reina soberano entre vós e a vossa palavra de ordem é: ‘Cada um por si.’ Com a certeza do porvir, os espaços infinitos se povoam ao infinito, em parte alguma há o vazio e a solidão; a solidariedade liga todos os seres, aquém e além da tumba. É o reino da caridade, sob a divisa: ‘Um por todos e todos por um.’ Enfim, ao termo da vida, dizíeis eterno adeus aos que vos são caros; agora, dir-lhes-eis: Até breve!”
Tais, em resumo, os resultados da revelação nova, que veio encher o vácuo que a incredulidade cavara, levantar os ânimos abatidos pela dúvida ou pela perspectiva do nada e imprimir a todas as coisas uma razão de ser. Carecerá de importância esse resultado, apenas porque os Espíritos não vêm resolver os problemas da Ciência, dar saber aos ignorantes e aos preguiçosos os meios de se enriquecerem sem trabalho? Nem só, entretanto, à vida futura dizem respeito os frutos que o homem deve colher dela. Ele os saboreará na Terra, pela transformação que estas novas crenças hão de necessariamente operar no seu caráter, nos seus gostos, nas suas tendências e, por conseguinte, nos hábitos e nas relações sociais.
Pondo fim ao reino do egoísmo, do orgulho e da incredulidade, elas preparam o do bem, que é o reino de Deus.
Assim, a revelação tem por objetivo pôr o homem na posse de certas verdades, que ele não podia adquirir por si mesmo, e isto visando ativar o progresso. Essas verdades em geral se limitam a princípios fundamentais, destinados a pô-lo no caminho das pesquisas, e não a conduzi-lo pela mão; são balizas que lhe mostram o objetivo, cabendo-lhe a tarefa de as estudar e lhes deduzir as aplicações. Longe de o libertar do trabalho, são novos elementos fornecidos à sua atividade.


[1] N. do T.: Esboço do capítulo 1, de A Gênese, que Allan Kardec preparava: Caráter da revelação espírita.
[2] Revista Espírita – Abril/1866 – Allan Kardec

Nenhum comentário:

Postar um comentário