Allan Kardec
No sentido litúrgico, a
revelação implica uma ideia de misticismo e de maravilhoso. O materialismo a
repele naturalmente, porque ela supõe a intervenção de poderes e de
inteligências extra-humanas.
Fora da negação absoluta, muitas
pessoas fazem hoje estas perguntas: Houve ou não uma revelação? A revelação é necessária?
Trazendo aos homens a verdade integral, a revelação não teria por efeito
impedi-los de fazer uso das suas faculdades, pois que lhes pouparia o trabalho
da investigação? Essas objeções nascem da falsa ideia que se faz da revelação.
Tomemo-la inicialmente em sua acepção mais simples, para segui-la até seu ponto
mais alto.
Revelar é tornar conhecida uma
coisa que não o é; é ensinar a alguém aquilo que não sabe. Deste ponto de
vista, há para nós uma revelação por assim dizer incessante. Qual o papel do
professor diante dos seus alunos, senão o de um revelador? O professor lhes
ensina o que eles não sabem, o que não teriam tempo, nem possibilidade de
descobrir por si mesmos, porque a Ciência é obra coletiva dos séculos e de uma
multidão de homens que trazem, cada qual, o seu contingente de observações aproveitáveis
àqueles que vêm depois. O ensino é, portanto, na realidade, a revelação de
certas verdades científicas ou morais, físicas ou metafísicas, feitas por
homens que as conhecem a outros que as ignoram e que, se assim não fora, as
teriam ignorado sempre.
Seria lógico deixar que eles
mesmos procurassem essas verdades? Esperar que tivessem inventado a mecânica
para lhes ensinar a servir-se do vapor? Não se poderia dizer que, em lhes
revelando o que outros acharam, impede-se o exercício de suas faculdades? Não é,
ao contrário, apoiando-se no conhecimento das descobertas anteriores que chegam
a novas descobertas? Dar a conhecer ao maior número possível a maior soma
possível de verdades conhecidas é, pois, provocar a atividade da inteligência
em vez de abafá-la e impelir ao progresso. Sem isto o homem ficaria estacionário.
Mas o professor não ensina senão
o que aprendeu: é um revelador de segunda ordem; o homem de gênio ensina o que descobriu
por si mesmo: é o revelador primitivo; traz a luz que pouco a pouco se
vulgariza. Que seria da Humanidade sem a revelação dos homens de gênio, que
aparecem de tempos a tempos?
Mas, quem são esses homens de
gênio? E, por que são homens de gênio? Donde vieram? Que é feito deles? Notemos
que na sua maioria revelam, ao nascer, faculdades transcendentes e alguns
conhecimentos inatos, que com pouco trabalho desenvolvem. Pertencem realmente à
Humanidade, pois nascem, vivem e morrem como nós. Onde, porém, adquiriram esses
conhecimentos que não puderam aprender durante a vida? Dir-se-á, com os
materialistas, que o acaso lhes deu a matéria cerebral em maior quantidade e de
melhor qualidade? Neste caso, não teriam mais mérito que um legume maior e mais
saboroso do que outro.
Dir-se-á, como certos
espiritualistas, que Deus lhes deu uma alma mais favorecida que a do comum dos
homens?
Suposição igualmente ilógica,
pois que tacharia Deus de parcial. A única solução racional do problema está na
preexistência da alma e na pluralidade das vidas. O homem de gênio é um
Espírito que tem vivido mais tempo; que, por conseguinte, adquiriu e progrediu
mais do que aqueles que estão menos adiantados. Encarnando, traz o que sabe e,
como sabe muito mais do que os outros e não precisa aprender, é chamado homem
de gênio. Mas seu saber é fruto de um trabalho anterior e não resultado de um
privilégio. Antes de renascer, era ele, pois, Espírito adiantado: reencarna
para fazer que os outros aproveitem do que já sabe, ou para adquirir mais do que
possui.
Os homens progridem
incontestavelmente por si mesmos e pelos esforços de sua inteligência; mas,
entregues às próprias forças, só muito lentamente progrediriam, se não fossem auxiliados
por outros mais adiantados, como o estudante o é pelos professores. Todos os
povos tiveram homens de gênios, surgidos em diversas épocas, para dar-lhes
impulso e tirá-los da inércia.
Desde que se admite a solicitude
de Deus para com as suas criaturas, por que não se há de admitir que Espíritos
capazes, por sua energia e superioridade de conhecimento, de fazerem que a
Humanidade avance, encarnem pela vontade de Deus, com o fim de ativarem o
progresso em determinado sentido? Por que não admitir que eles recebam missões,
como um embaixador as recebe do seu soberano? Tal o papel dos grandes gênios.
Que vêm eles fazer, senão ensinar aos homens verdades que estes ignoram e ainda
ignorariam durante largos períodos, a fim de lhes dar um ponto de apoio mediante
o qual possam elevar-se mais rapidamente? Esses gênios, que aparecem através
dos séculos como estrelas brilhantes, deixando longo traço luminoso sobre a Humanidade,
são missionários ou, se o quiserem, messias. Se só ensinassem aos homens o que
estes já soubessem, sua presença seria completamente inútil. O que de novo
ensinam aos homens, quer na ordem física, quer na ordem moral, são revelações.
Se Deus suscita reveladores para as verdades científicas, pode, com mais forte
razão, suscitá-los para as verdades morais, que constituem elementos essenciais
do progresso. Tais são os filósofos cujas ideias atravessam os séculos.
No sentido especial da fé
religiosa, os reveladores são mais particularmente designados sob o nome de
profetas ou messias.
Todas as religiões tiveram seus
reveladores e estes, embora longe estivessem de conhecer toda a verdade, tinham
uma razão de ser providencial, porque eram apropriados ao tempo e ao meio em
que viviam, ao caráter particular dos povos a quem falavam e aos quais eram relativamente
superiores. Apesar dos erros de suas doutrinas, não deixaram de agitar os
espíritos e, por isso mesmo, de semear os germes do progresso, que mais tarde
haviam de desenvolver-se, ou se desenvolverão à luz brilhante do Cristianismo.
É, pois, injusto se lhes lance
anátema em nome da ortodoxia, porque dia virá em que todas essas crenças tão
diversas na forma, mas que repousam realmente sobre um mesmo princípio fundamental
– Deus e a imortalidade da alma – se fundirão numa grande e vasta unidade, logo
que a razão triunfe dos preconceitos.
Infelizmente, as religiões hão
sido sempre instrumentos de dominação; o papel de profeta há tentado as
ambições secundárias e tem-se visto surgir uma multidão de pretensos reveladores
ou messias, que, valendo-se do prestígio deste nome, exploram a credulidade em
proveito do seu orgulho, da sua ganância, ou da sua indolência, achando mais
cômodo viver à custa dos iludidos. A religião cristã não pôde evitar esses
parasitas. A tal propósito, chamamos particularmente a atenção para o capítulo XXI
de O Evangelho segundo o Espiritismo:
“Haverá falsos cristos e falsos profetas”.
A linguagem simbólica de Jesus
favoreceu singularmente as interpretações mais contraditórias; esforçando-se em
lhe deturpar o sentido, cada um julgou aí encontrar a sanção de seus pontos de
vista pessoais, muitas vezes até a justificação das doutrinas mais
contraditórias ao espírito de caridade e de justiça, que é a sua base. Aí está
o abuso que desaparecerá pela força mesma das coisas, sob o império da razão.
Não é disto que nos vamos ocupar aqui. Apenas constatamos as duas grandes revelações
sobre as quais se apoia o Cristianismo: a de Moisés e a de Jesus, porque
tiveram uma influência decisiva na Humanidade.
O islamismo pode ser considerado
como um derivado de concepção humana do mosaísmo e do Cristianismo. Para
acreditar a religião que queria fundar, Maomé teve que se apoiar sobre uma pretensa
revelação divina.
Haverá revelações diretas de
Deus aos homens? É uma questão que não ousaríamos resolver, nem
afirmativamente, nem negativamente, de maneira absoluta. O fato não é
radicalmente impossível, porém, nada nos dá dele prova certa. O que não padece dúvida
é que os Espíritos mais próximos de Deus pela perfeição se imbuem do seu
pensamento e podem transmiti-lo. Quanto aos reveladores encarnados, segundo a
ordem hierárquica a que pertencem e o grau a que chegaram de saber, esses podem
tirar dos seus próprios conhecimentos as instruções que ministram, ou recebê-las
de Espíritos mais elevados, mesmo dos mensageiros diretos de Deus, os quais,
falando em nome de Deus, têm sido às vezes tomados pelo próprio Deus.
As comunicações deste gênero
nada têm de estranho para quem conhece os fenômenos espíritas e a maneira pela
qual se estabelecem as relações entre os encarnados e os desencarnados.
As instruções podem ser
transmitidas por diversos meios: pela simples inspiração, pela audição da
palavra, pela visibilidade dos Espíritos instrutores, nas visões e aparições,
quer em sonho, quer em estado de vigília, do que há muitos exemplos na Bíblia,
no Evangelho e nos livros sagrados de todos os povos.
É, pois, rigorosamente exato
dizer-se que quase todos os reveladores são médiuns inspirados, audientes ou
videntes. Daí, entretanto, não se deve concluir que todos os médiuns sejam reveladores,
nem, ainda menos, intermediários diretos da Divindade ou dos seus mensageiros.
Só os Espíritos puros recebem a
palavra de Deus com a missão de transmiti-la; mas, sabe-se hoje que nem todos
os Espíritos são perfeitos e que existem muitos que se apresentam sob falsas
aparências, o que levou S. João a dizer: “Não acrediteis em todos os Espíritos;
vede antes se os Espíritos são de Deus.” (Epíst. 1a, 4:4.)
Pode, pois, haver revelações
sérias e verdadeiras, como as há apócrifas e mentirosas. O caráter essencial da
revelação divina é o da eterna verdade. Toda revelação eivada de erros ou
sujeita a modificação não pode emanar de Deus, porque Deus não pode enganar
conscientemente nem se enganar. É assim que a lei do Decálogo tem todos os caracteres
de sua origem, enquanto que as outras leis mosaicas, fundamentalmente
transitórias, muitas vezes em contradição com a lei do Sinai, são obra pessoal
e política do legislador hebreu. Com o abrandamento dos costumes do povo, essas
leis por si mesmas caíram em desuso, ao passo que o Decálogo ficou sempre de
pé, como farol da Humanidade.
O Cristo fez dele a base do seu
edifício, abolindo as outras leis.
Se estas fossem obra de Deus,
seriam conservadas intactas. O Cristo e Moisés foram os dois grandes reveladores
que mudaram a face do mundo e nisso está a prova da sua missão divina. Uma obra
puramente humana careceria de tal poder.
Uma nova e importante revelação
se opera na época atual e mostra a possibilidade de nos comunicarmos com os
seres do mundo espiritual. Não é novo, sem dúvida, esse conhecimento; mas
ficara até aos nossos dias, de certo modo, como letra morta, isto é, sem
proveito para a Humanidade. A ignorância das leis que regem essas relações o
abafara sob a superstição; o homem era incapaz de tirar daí qualquer dedução
salutar; estava reservado à nossa época desembaraçá-lo dos acessórios
ridículos, compreender-lhes o alcance e fazer surgir a luz destinada a clarear o
caminho do futuro.
Não sendo os Espíritos senão as
almas dos homens, comunicando-nos com eles não saíamos fora da Humanidade, circunstância
capital a considerar-se. Os homens de gênio, que foram fachos da Humanidade,
vieram do mundo dos Espíritos e para lá voltaram, ao deixarem a Terra. Desde
que os Espíritos podem comunicar-se com os homens, esses mesmos gênios podem dar-lhes
instruções sob a forma espiritual, como o fizeram sob a forma corpórea. Podem
instruir-nos, depois de terem morrido, tal qual faziam quando vivos; apenas,
são invisíveis, ao invés de serem visíveis; essa a única diferença. Não devem
ser menores do que eram a experiência e o saber que possuem e, se a palavra
deles, como homens, tinha autoridade, não a pode ter menos, somente por estarem
no mundo dos Espíritos.
Mas, nem só os Espíritos
superiores se manifestam; fazem-no igualmente os de todas as categorias, e
preciso era que assim acontecesse, para nos iniciarmos no que respeita ao verdadeiro
caráter do mundo espiritual, apresentando-se-nos este por todas as suas faces.
Daí resulta serem mais íntimas as relações entre o mundo visível e o mundo
invisível e mais evidente a conexidade entre os dois. Vemos assim mais
claramente donde procedemos e para onde iremos. Esse o objetivo essencial das manifestações.
Todos os Espíritos, pois, qualquer que seja o grau de elevação em que se
encontrem, alguma coisa nos ensinam; cabe-nos, porém, a nós, visto que eles são
mais ou menos esclarecidos, discernir o que há de bom ou de mau no que nos
digam e tirar, do ensino que nos deem, o proveito possível. Ora, todos, quaisquer
que sejam, nos podem ensinar ou revelar coisas que ignoramos e que sem eles não
saberíamos.
Os grandes Espíritos encarnados
são, sem contradita, individualidades poderosas, mas de ação restrita e lenta
propagação.
Viesse um só dentre eles, embora
fosse Elias ou Moisés, revelar, nos tempos modernos, aos homens, as condições
do mundo espiritual, quem provaria a veracidade das suas asserções, nesta época
de cepticismo? Não o tomariam por sonhador ou utopista?
Mesmo que fosse verdade absoluta
o que dissesse, séculos se escoariam antes que as massas humanas lhe aceitassem
as ideias.
Deus, em sua sabedoria, não quis
que assim acontecesse; quis que o ensino fosse dado pelos próprios Espíritos,
não por encarnados, a fim de que aqueles convencessem da sua existência a estes
últimos e quis que isso ocorresse por toda a Terra simultaneamente, quer para
que o ensino se propagasse com maior rapidez, quer para que, coincidindo em
toda parte, constituísse uma prova da verdade, tendo assim cada um o meio de
convencer-se a si próprio. Tais o objetivo e o caráter da revelação moderna.
Os Espíritos não se manifestam
para libertar do estudo e das pesquisas o homem, nem para lhe transmitir,
inteiramente pronta, nenhuma ciência. Com relação ao que o homem pode achar por
si mesmo, eles o deixam entregue às suas próprias forças. Isso sabem-no hoje
perfeitamente os espíritas. De há muito, a experiência há demonstrado ser
errôneo atribuir-se aos Espíritos todo o saber e toda a sabedoria e supor-se
que baste a quem quer que seja dirigir-se ao primeiro Espírito que se apresente
para conhecer todas as coisas. Saídos da Humanidade, eles constituem uma de
suas faces. Assim como na Terra, no plano invisível também os há superiores e
vulgares; muitos deles, pois, científica e filosoficamente, sabem menos do que
certos homens; eles dizem o que sabem, nem mais, nem menos. Do mesmo modo que
os homens, os Espíritos mais adiantados podem instruir-nos sobre maior porção
de coisas, dar-nos opiniões mais judiciosas, do que os atrasados. Pedir o homem
conselhos aos Espíritos não é entrar em entendimento com potências
sobrenaturais; é tratar com seus iguais, com aqueles mesmos a quem ele se
dirigiria neste mundo; a seus parentes, seus amigos, ou a indivíduos mais
esclarecidos do que ele.
Disto é que importa se convençam
todos e é o que ignoram os que, não tendo estudado o Espiritismo, fazem ideia
completamente falsa da natureza do mundo dos Espíritos e das relações com o além-túmulo.
Qual, então, a utilidade dessas
manifestações, ou, se o preferirem, dessa revelação, uma vez que os Espíritos
não sabem mais do que nós, ou não nos dizem tudo o que sabem?
Primeiramente, como já o
declaramos, eles se abstêm de nos dar o que podemos adquirir pelo trabalho; em
segundo lugar, há coisas cuja revelação não lhes é permitida, porque o grau do
nosso adiantamento não as comporta. Afora isto, as condições da nova existência
em que se acham lhes dilatam o círculo das percepções: eles veem o que não viam
na Terra; libertos dos entraves da matéria, isentos dos cuidados da vida
corpórea, apreciam as coisas de um ponto de vista mais elevado e, portanto, mais
são; a perspicácia de que gozam abrange mais vasto horizonte; compreendem seus
erros, retificam suas ideias e se desembaraçam dos prejuízos humanos.
É nisto que consiste a
superioridade dos Espíritos com relação à humanidade corpórea e daí vem a
possibilidade de serem seus conselhos, segundo o grau de adiantamento que
alcançaram, mais judiciosos e desinteressados do que os dos encarnados. O meio
em que se encontram lhes permite, ao demais, iniciar-nos nas coisas que
ignoramos, relativas à vida futura e que não podemos aprender no meio em que
estamos. Até ao presente, o homem apenas formulara hipóteses sobre o seu
porvir; tal a razão por que suas crenças a esse respeito se fracionaram em tão
numerosos e divergentes sistemas, desde o niilismo até as concepções
fantásticas do inferno e do paraíso. Hoje, são as testemunhas oculares, os próprios
atores da vida de além-túmulo que nos vêm dizer em que se tornaram e só eles o
podiam fazer. Suas manifestações, conseguintemente, serviram para dar-nos a
conhecer o mundo invisível que nos rodeia e do qual nem suspeitávamos e só esse
conhecimento seria de capital importância, dado mesmo que nada mais pudessem os
Espíritos ensinar-nos.
Uma comparação vulgar fará
compreender ainda melhor a situação.
Parte para destino longínquo um
navio carregado de emigrantes. Leva homens de todas as condições, parentes e
amigos dos que ficam. Vem-se a saber que esse navio naufragou. Nenhum vestígio
resta dele, nenhuma notícia chega sobre a sua sorte.
Acredita-se que todos os
passageiros pereceram e o luto penetra em todas as suas famílias. Entretanto, a
tripulação inteira, sem faltar um único homem, foi ter a uma ilha desconhecida,
abundante e fértil, onde todos passam a viver ditosos, sob um céu clemente.
Ninguém, todavia, sabe disso.
Ora, um belo dia, outro navio aporta a essa terra e lá encontra sãos e salvos
os náufragos. A feliz nova se espalha com a rapidez do relâmpago. Exclamam
todos: “Não estão perdidos os nossos amigos!” E rendem graças a Deus. Não podem
ver-se uns aos outros, mas correspondem-se; permutam demonstrações de afeto e,
assim, a alegria substitui a tristeza.
Tal a imagem da vida terrena e
da vida de além-túmulo, antes e depois da revelação moderna. A última,
semelhante ao segundo navio, nos traz a boa-nova da sobrevivência dos que nos são
caros e a certeza de que a eles nos reuniremos um dia. Deixa de existir a
dúvida sobre a sorte deles e a nossa. O desânimo se desfaz diante da esperança.
Mas, outros resultados fecundam
essa revelação.
Achando madura a Humanidade para
penetrar o mistério do seu destino e contemplar, a sangue-frio, novas
maravilhas, permitiu Deus fosse erguido o véu que ocultava o mundo invisível ao
mundo visível. Nada têm de extra-humanas as manifestações; é a humanidade
espiritual que vem conversar com a humanidade corporal e dizer-lhe:
“Nós existimos, logo o nada não
existe; eis o que somos e o que sereis; o futuro vos pertence, como a nós.
Caminhais nas trevas, vimos clarear-vos o caminho e traçar-vos o roteiro; andais
ao acaso, vimos apontar-vos a meta. A vida terrena era, para vós, tudo, porque
nada víeis além dela; vimos dizer-vos, mostrando a vida espiritual: a vida
terrestre nada é. A vossa visão se detinha no túmulo, nós vos desvendamos, para
lá deste, um esplêndido horizonte. Não sabíeis por que sofreis na Terra; agora,
no sofrimento, vedes a justiça de Deus. O bem nenhum fruto aparente produzia
para o futuro. Doravante, ele terá uma finalidade e constituirá uma necessidade;
a fraternidade, que não passava de bela teoria, assenta agora numa lei da
Natureza. Sob o domínio da crença de que tudo acaba com a vida, a imensidade é
o vazio, o egoísmo reina soberano entre vós e a vossa palavra de ordem é: ‘Cada
um por si.’ Com a certeza do porvir, os espaços infinitos se povoam ao
infinito, em parte alguma há o vazio e a solidão; a solidariedade liga todos os
seres, aquém e além da tumba. É o reino da caridade, sob a divisa: ‘Um por
todos e todos por um.’ Enfim, ao termo da vida, dizíeis eterno adeus aos que
vos são caros; agora, dir-lhes-eis: Até breve!”
Tais, em resumo, os resultados
da revelação nova, que veio encher o vácuo que a incredulidade cavara, levantar
os ânimos abatidos pela dúvida ou pela perspectiva do nada e imprimir a todas as
coisas uma razão de ser. Carecerá de importância esse resultado, apenas porque
os Espíritos não vêm resolver os problemas da Ciência, dar saber aos ignorantes
e aos preguiçosos os meios de se enriquecerem sem trabalho? Nem só, entretanto,
à vida futura dizem respeito os frutos que o homem deve colher dela. Ele os saboreará
na Terra, pela transformação que estas novas crenças hão de necessariamente
operar no seu caráter, nos seus gostos, nas suas tendências e, por conseguinte,
nos hábitos e nas relações sociais.
Pondo fim ao reino do egoísmo,
do orgulho e da incredulidade, elas preparam o do bem, que é o reino de Deus.
Assim, a revelação tem por
objetivo pôr o homem na posse de certas verdades, que ele não podia adquirir
por si mesmo, e isto visando ativar o progresso. Essas verdades em geral se limitam
a princípios fundamentais, destinados a pô-lo no caminho das pesquisas, e não a
conduzi-lo pela mão; são balizas que lhe mostram o objetivo, cabendo-lhe a
tarefa de as estudar e lhes deduzir as aplicações. Longe de o libertar do
trabalho, são novos elementos fornecidos à sua atividade.
[1] N. do T.: Esboço do capítulo 1, de A Gênese, que Allan
Kardec preparava: Caráter da revelação espírita.
[2] Revista Espírita
– Abril/1866 – Allan Kardec
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