Allan Kardec
I
Os fluidos espirituais
representam importante papel em todos os fenômenos espíritas, ou melhor, são o
princípio mesmo desses fenômenos. Até agora nos limitamos a dizer que tal
efeito resultava de uma ação fluídica; mas esse dado geral, suficiente no
início, deixa de o ser quando se quer pesquisar os detalhes.
Sabiamente os Espíritos
limitaram seu ensinamento no princípio; mais tarde, chamaram a atenção para a
grave questão dos fluidos, e não foi num centro único que a abordaram, mas
praticamente em todos eles.
Mas os Espíritos não nos vêm
trazer esta ciência, como nenhuma outra, já pronta; eles nos põem no caminho e
nos fornecem os materiais, cabendo a nós estudá-los, observá-los, analisá-los,
coordená-los e deles nos servirmos. Foi o que fizeram para a constituição da
doutrina e agiram da mesma forma em relação aos fluidos. É do nosso
conhecimento que em milhares de locais diversos eles esboçaram seu estudo; em
toda parte encontramos alguns fatos, algumas explicações, uma teoria parcial,
uma ideia; mas em parte alguma um trabalho completo de conjunto. Por que isto?
Impossibilidade da parte deles? Não, certamente, pois o que teriam podido fazer
como homens, com mais forte razão o poderão como Espíritos. Mas, como dissemos,
é porque eles não vêm de modo algum nos libertar do trabalho da inteligência,
sem o qual nossas forças, ficando inativas, se estiolariam; acharíamos mais cômodo
que eles trabalhassem por nós.
Assim, o trabalho foi deixado ao
homem; mas sendo limitados a sua inteligência, a sua vida e o seu tempo, a
nenhum é dado elaborar tudo o que é necessário para a constituição de uma ciência.
Eis por que não há uma só que seja, em todas as suas peças, obra de um só
homem; nenhuma descoberta que o seu primeiro inventor tenha levado à perfeição.
A cada edifício intelectual, vários homens e várias gerações trouxeram seu
contingente de pesquisas e de observações.
Dá-se o mesmo com a questão que
nos ocupa, cujas diversas partes foram tratadas separadamente, depois coligidas
num corpo metódico, quando puderam ser reunidos materiais suficientes. Esta
parte da ciência espírita mostra desde já que não é uma concepção sistemática
individual, de um homem ou de um Espírito, mas o produto de múltiplas observações,
que tiram sua autoridade da concordância existente entre elas.
Pelo motivo que acabamos de
exprimir, não poderíamos pretender que esta seja a última palavra. Como temos dito,
os Espíritos graduam os seus ensinos e os proporcionam à soma e à maturidade
das ideias adquiridas. Assim, não se poderia duvidar que, mais tarde, eles
pusessem novas observações no caminho; mas desde já há elementos suficientes
para formar um corpo que, posteriormente e de modo gradual, será completado.
O encadeamento dos fatos nos
obriga a tomar nosso ponto de partida de mais alto, a fim de proceder do
conhecido para o desconhecido.
II
Tudo se liga na obra da Criação.
Outrora se consideravam os três reinos como inteiramente independentes entre
si, e teriam rido de quem pretendesse encontrar uma correlação entre o mineral
e o vegetal, entre o vegetal e o animal.
Uma observação atenta fez
desaparecer a solução de continuidade, provando que todos os corpos formam uma
cadeia ininterrupta, de tal sorte que os três reinos não subsistem, na
realidade, senão pelos caracteres gerais mais marcantes; mas nos seus limites
respectivos eles se confundem, a ponto de se hesitar em saber onde termina um e
começa o outro, e em qual deles certos seres devem ser colocados. Tais são, por
exemplo, os zoófitos, ou animais-plantas, assim chamados porque contêm, ao
mesmo tempo, elementos do animal e da planta.
Acontece a mesma coisa no que
concerne à composição dos corpos. Durante muito tempo os quatro elementos
serviram de base às ciências naturais; caíram diante das descobertas da química
moderna, que reconheceu um número indeterminado de corpos simples. A Química
nos mostra todos os corpos da Natureza formados desses elementos combinados em diversas
proporções. É da infinita variedade dessas combinações que nascem as
inumeráveis propriedades dos diferentes corpos. É assim, por exemplo, que uma
molécula de gás oxigênio e duas de gás hidrogênio, combinadas, formam a água.
Na sua transformação em água, o oxigênio e o hidrogênio perdem suas qualidades próprias;
propriamente falando, não há mais oxigênio, nem hidrogênio, mas água.
Decompondo a água, encontram-se novamente os dois gases, nas mesmas proporções.
Se, em vez de uma molécula de oxigênio, houver duas, isto é, duas de cada gás, não
será mais água, mas um líquido muito corrosivo. Bastou, pois, uma simples
mudança na proporção de um dos elementos para transformar uma substância
salutar numa substância venenosa. Por uma operação inversa, se os elementos de
uma substância deletéria, o arsênico, por exemplo, forem simplesmente
combinados em outras proporções, sem adição ou supressão de nenhuma outra substância,
ela se tornará inofensiva, ou mesmo salutar. Há mais: várias moléculas
reunidas, de um mesmo elemento, gozarão de propriedades diferentes, conforme o
modo de agregação e as condições do meio em que se encontram. O ozônio, recentemente descoberto no ar
atmosférico, é um exemplo. Reconheceu-se que essa substância mais não é que o
oxigênio, um dos principais constituintes do ar, num estado particular que lhe
dá propriedades distintas do oxigênio propriamente dito. O ar não deixa de ser formado
por oxigênio e azoto, mas suas qualidades variam conforme contenha maior ou
menor quantidade de oxigênio no estado de ozônio.
Estas observações, que parecem
estranhas ao nosso assunto, não obstante a ele se ligam de maneira direta, como
se verá mais tarde; elas são, além disso, essenciais como pontos de comparação.
Essas composições e
decomposições se obtêm artificialmente e em pequena escala nos laboratórios,
mas se operam em grande escala e espontaneamente no grande laboratório da
Natureza. Sob a influência do calor, da luz, da eletricidade, da umidade, um
corpo se decompõe, seus elementos se separam, outras combinações se operam e
novos corpos se formam. Assim, a mesma molécula de oxigênio, por exemplo, que
faz parte do nosso corpo, após a destruição deste entra na composição de um mineral,
de uma planta ou de um corpo animado. Em nosso corpo atual acham-se, portanto,
as mesmas parcelas de matéria, que foram partes constituintes de uma porção de
outros corpos.
Citemos um exemplo para tornar a
coisa mais clara.
Um pequeno grão é posto na
terra, brota, cresce e torna-se uma grande árvore que, anualmente, dá folhas,
flores e frutos. Quer dizer que esta árvore se achava inteirinha no grão?
Seguramente não, porque contém
uma quantidade de matéria muito mais considerável. Donde, pois, lhe veio essa
matéria? Dos líquidos, dos sais, dos gases que a planta extraiu da terra e do
ar, que se infiltraram em seu caule e, pouco a pouco, lhe aumentaram o volume.
Mas nem na terra nem no ar se encontram madeira, folhas, flores e frutos. É que
esses mesmos líquidos, sais e gases, no ato de absorção, se decompuseram; seus
elementos sofreram novas combinações, que os transformaram em seiva, lenho,
casca, folhas, flores, frutos, essências voláteis etc. Essas mesmas partes, por
sua vez, vão destruir-se, decompor-se; seus elementos, misturar-se de novo na
terra e no ar; recompor as substâncias necessárias à frutificação; ser
reabsorvidos, decompostos e, mais uma vez, transformados em seiva, lenho, casca
etc. Numa palavra, a matéria não sofre aumento nem diminuição; transforma-se e,
em consequência dessas transformações sucessivas, a proporção das diversas
substâncias, em quantidade, é sempre suficiente para as necessidades da
Natureza.
Suponhamos, por exemplo, que uma
dada quantidade de água seja decomposta, no fenômeno da vegetação[2],
para fornecer oxigênio e hidrogênio necessários à formação das diversas partes
da planta; é uma quantidade de água que existe a menos na massa; mas essas
partes da planta, quando de sua decomposição, vão liberar o oxigênio e o
hidrogênio que elas encerravam, e esses gases, combinando-se entre si, vão
reconstituir uma quantidade de água equivalente à que havia desaparecido.
Um fato que é oportuno assinalar
aqui, é que o homem, que pode executar artificialmente as composições e
decomposições que se operam espontaneamente na Natureza, é impotente para reconstituir
o menor corpo organizado, ainda que fosse um pé de erva ou uma folha morta.
Depois de ter decomposto um mineral, pode recompô-lo em todas as suas peças,
tal qual era antes; mas quando separou os elementos de uma parcela de matéria
vegetal ou animal, não pode reconstitui-la e, menos ainda, dar-lhe a vida. Seu poder
se detém na matéria inerte: o princípio da vida está na mão de Deus.
A maioria dos corpos simples são
chamados ponderáveis, porque lhes
podemos medir o peso, e este está na razão da soma das moléculas contidas num
dado volume. Outros são ditos imponderáveis,
porque para nós não têm peso e, seja qual for a quantidade em que se acumulem
em outro corpo, não lhe aumentam o peso. Tais são: o calórico[3],
a luz, a eletricidade, o fluido magnético ou do ímã; este último não passa de
uma variedade da eletricidade. Conquanto imponderáveis, nem por isso esses
fluidos deixam de ter um grande poder. O calórico divide os corpos mais duros,
os reduz a vapor e dá aos líquidos evaporados uma força de expansão
irresistível. O choque elétrico quebra árvores e pedras, curva barras de ferro,
funde os metais, atira ao longe enormes massas. O magnetismo dá ao ferro um poder
de atração capaz de sustentar pesos consideráveis. A luz não possui esse gênero
de força, mas exerce uma ação química sobre a maioria dos corpos; sob sua
influência operam-se incessantemente composições e decomposições. Sem a luz, os
vegetais e os animais se estiolam, os frutos não têm sabor nem coloração.
III
Todos os corpos da Natureza,
minerais, vegetais, animais, animados ou inanimados, sólidos, líquidos ou
gasosos, são, pois, formados dos mesmos elementos, combinados de maneira a produzir
a infinita variedade dos diferentes corpos. Hoje a Ciência vai mais longe; suas
investigações pouco a pouco a conduzem à grande lei da unidade. Agora é
geralmente admitido que os corpos reputados simples não passam de modificações,
de transformações de um elemento único, princípio universal designado sob os nomes
de éter, fluido cósmico ou fluido
universal, de tal sorte que, segundo o modo de agregação das moléculas
desse fluido, e sob a influência de circunstâncias particulares, adquire
propriedades especiais, que constituem os corpos simples; estes, combinados
entre si em diversas proporções, formam, como dissemos, a inumerável variedade
de corpos compostos. Segundo esta opinião, o calórico, a luz, a eletricidade e
o magnetismo também não passariam de modificações do fluido primitivo
universal. Assim esse fluido, que com toda probabilidade é imponderável, seria
ao mesmo tempo o princípio dos fluidos imponderáveis e dos corpos ponderáveis.
A Química nos faz penetrar na
constituição íntima dos corpos; mas, experimentalmente falando, não vai além
dos corpos considerados simples; seus meios de análise são impotentes para isolar
o elemento primitivo e determinar a sua essência. Ora, entre esse elemento em
sua pureza absoluta e o ponto onde pára as investigações da Ciência, o
intervalo é imenso. Raciocinando por analogia, chega-se à conclusão de que
entre esses dois pontos extremos, esse fluido deve sofrer modificações que
escapam aos nossos instrumentos e aos nossos materiais. É nesse campo novo, até
aqui vedado à exploração, que vamos tentar penetrar.
IV
Até agora só se tinham ideias
muito incompletas sobre o mundo espiritual ou invisível. Imaginavam-se os
Espíritos como seres fora da Humanidade; os anjos também eram criaturas à
parte, de uma natureza mais perfeita. Quanto ao estado das almas depois da
morte, os conhecimentos não eram mais positivos. A opinião mais geral fazia
deles seres abstratos, dispersos na imensidade e não tendo mais relações com os
vivos, a não ser que estivessem, segundo a doutrina da Igreja, nas beatitudes
do céu ou nas trevas do inferno. Além disso, como as observações da Ciência não
vão além da matéria tangível, resulta um abismo entre o mundo corporal e o
mundo espiritual, que parecia excluir toda comparação.
É este abismo que novas
observações e o estudo de fenômenos ainda pouco conhecidos vêm encher, ao menos
em parte.
O Espiritismo nos ensina, de
saída, que os Espíritos são as almas dos homens que viveram na Terra; que
progridem incessantemente, e que os anjos são essas mesmas almas ou Espíritos
chegados a um estado de perfeição que os aproxima da Divindade.
Em segundo lugar, ensina-nos que
as almas passam alternadamente do estado de encarnação ao de erraticidade; que neste
último estado elas constituem a população invisível do globo, ao qual ficam
ligadas até que tenham adquirido o desenvolvimento intelectual e moral que
comporta a natureza deste globo, depois do que o deixam, passando a um mundo
mais adiantado.
Pela morte do corpo, a
Humanidade corporal fornece almas ou Espíritos ao mundo espiritual; pelos
nascimentos, o mundo espiritual alimenta o mundo corporal; há, pois, transmutação
incessante de um no outro. Esta relação constante os torna solidários, pois são
os mesmos seres que entram no nosso mundo e que dele saem alternadamente. Eis
um primeiro traço de união, um ponto de contato, que já diminui a distância que
parecia separar o mundo visível do mundo invisível.
A natureza íntima da alma, isto
é, do princípio inteligente, fonte do pensamento, escapa completamente às
nossas investigações; mas agora se sabe que a alma é revestida de um envoltório
ou corpo fluídico, que dela faz, depois da morte do corpo material, como antes,
um ser distinto, circunscrito e individual. A alma é o princípio espiritual
considerado isoladamente; é a força atuante e pensante, que não podemos conceber
isolada da matéria senão como uma abstração. Revestida de seu envoltório
fluídico, ou perispírito, a alma constitui o ser chamado Espírito, como quando está revestida do envoltório corporal,
constitui o homem. Ora, se bem que no estado de Espírito goze de propriedades e
de faculdades especiais, não deixou de pertencer à Humanidade. Os Espíritos
são, pois, seres semelhantes a nós, já que cada um de nós se torna Espírito
após a morte do corpo, e cada Espírito se torna homem pelo nascimento.
Esse envoltório não é a alma, pois não pensa: é apenas uma
vestimenta; sem a alma, o perispírito, assim como o corpo, é uma matéria inerte
privada de vida e de sensações. Dizemos matéria,
porque, com efeito, o perispírito, embora de natureza etérea e sutil, não deixa
de ser matéria, como os fluidos imponderáveis e, além disso, matéria da mesma natureza e da mesma origem
que a mais grosseira matéria tangível, como logo veremos.
A alma não reveste o perispírito
apenas no estado de Espírito; é inseparável desse envoltório, que a segue na
encarnação, como na erraticidade. Na encarnação, é o laço que a une ao envoltório
corporal, o intermediário com cujo auxílio age sobre os órgãos e percebe as
sensações das coisas exteriores. Durante a vida, o fluido perispiritual
identifica-se com o corpo, penetrando todas as suas partes; com a morte, dele
se desprende; privado da vida o corpo se dissolve, mas o perispírito, sempre
unido à alma, isto é, ao princípio vivificante, não perece; apenas a alma, em
vez de dois envoltórios, conserva apenas um: o mais leve, o que está mais em harmonia
com o seu estado espiritual.
Embora esses princípios sejam
elementares para os espíritas, era útil lembrá-los para a compreensão das
explicações subsequentes e a ligação das ideias.
V
Algumas pessoas contestaram a
utilidade do envoltório perispiritual da alma e, em consequência, a sua existência.
A alma, dizem, não precisa de intermediário para agir sobre o corpo; e, uma vez
separada do corpo, é um acessório supérfluo.
A isto respondemos, primeiro,
que o perispírito não é uma criação imaginária, uma hipótese inventada para
chegar a uma solução; sua existência é um fato constatado pela observação.
Quanto à sua utilidade, quer
durante a vida, quer depois da morte, é preciso admitir que, desde que existe,
é que serve para alguma coisa. Os que lhe contestam a utilidade são como um
indivíduo que, não compreendendo as funções de certas engrenagens num mecanismo,
concluíssem que só servem para complicar desnecessariamente a máquina. Não vê
que se a menor peça fosse suprimida, tudo seria desorganizado. Quantas coisas,
no grande mecanismo da Natureza, parecem inúteis aos olhos do ignorante e, mesmo,
de certos cientistas, que de boa-fé acreditam que se tivessem sido encarregados
da construção do Universo, o teriam feito melhor!
O perispírito é uma das
engrenagens mais importantes da economia. A Ciência o observou em alguns de
seus efeitos e, sucessivamente, tem sido designado sob o nome de fluido vital, fluido
ou influxo nervoso, fluido magnético, eletricidade animal etc., sem se dar
conta precisa de sua natureza, de suas propriedades e, ainda menos, de sua
origem. Como envoltório do Espírito após a morte, foi suspeitado desde a mais
alta antiguidade. Todas as teogonias atribuem aos seres do mundo invisível um corpo
fluídico. São Paulo diz em termos precisos que renascemos com um corpo espiritual (1a epístola aos Coríntios,
15:35 a 44 e 50).
Dá-se o mesmo com todas as
grandes verdades baseadas nas leis da Natureza, e das quais, em todas as
épocas, os homens de gênio tiveram a intuição. É assim que, desde antes de nossa
era, hábeis filósofos tinham suspeitado a redondeza da Terra e seu movimento de
rotação, o que nada tira ao mérito de Copérnico e de Galileu, sendo mesmo de
presumir-se que estes últimos hajam aproveitado as ideias de seus
predecessores. Graças a seus trabalhos, o que não passava de uma teoria
individual, de uma teoria incompleta e sem provas, desconhecida das massas, tornou-se uma verdade científica, prática
e popular.
A doutrina do perispírito está
no mesmo caso; o Espiritismo não foi o primeiro a descobri-lo. Mas, assim como Copérnico
para o movimento da Terra, ele o estudou, demonstrou, analisou, definiu e dele
tirou fecundos resultados. Sem os estudos modernos mais completos, esta grande
verdade, como muitas outras, ainda estaria no estado de letra morta.
VI
O perispírito é o traço de união
que liga o mundo espiritual ao mundo corporal. O Espiritismo no-los mostra em relação
tão íntima e tão constante, que de um ao outro a transição é quase insensível.
Ora, assim como na Natureza o reino vegetal se liga ao reino animal por seres semivegetais e semianimais, o estado corporal se liga ao estado espiritual não só
pelo princípio inteligente, que é o mesmo, mas ainda pelo envoltório fluídico,
ao mesmo tempo semimaterial e semi-espiritual, desse mesmo princípio.
Durante a vida terrena, o ser
corporal e o ser espiritual estão confundidos e agem em acordo; a morte do
corpo apenas os separa. A ligação destes dois estados é tal, e eles reagem um sobre
o outro com tanta força, que dia virá em que será reconhecido que o estudo da
história natural do homem não poderia ser completo sem o estudo do envoltório
perispiritual, isto é, sem pôr um pé no domínio do mundo invisível.
Esse paralelo é ainda maior
quando se observa a origem, a natureza, a formação e as propriedades do
perispírito, observação que decorre naturalmente do estudo dos fluidos.
VII
É sabido que todas as matérias
animais têm como princípios constituintes o oxigênio, o hidrogênio, o azoto e o
carbono, combinados em diferentes proporções. Ora, como dissemos, esses mesmos
corpos simples têm um princípio único, que é o fluido cósmico universal. Por
suas diversas combinações eles formam todas as variedades de substâncias que
compõem o corpo humano, o único de que aqui falamos, embora seja o mesmo em
relação aos animais e às plantas. Disto resulta que o corpo humano não passa,
na realidade, de uma espécie de concentração, de uma condensação ou, se
quiserem, de uma solidificação do fluido universal, como o diamante é uma
solidificação do gás carbônico. Com efeito, suponhamos a desagregação completa
de todas as moléculas do corpo: recuperaremos o oxigênio, o hidrogênio, o azoto
e o carbono; em outros termos, o corpo será volatilizado. Esses quatro
elementos, voltando ao seu estado primitivo por uma nova e mais completa
decomposição – se os nossos meios de análise o permitissem – dariam o fluido
cósmico.
Sendo esse fluido o princípio de
toda a matéria, ele mesmo é matéria, embora num completo estado de eterização.
Passa-se um fenômeno análogo na
formação do corpo fluídico, ou perispírito: é, igualmente, uma condensação do
fluido cósmico em torno de um foco de inteligência, ou alma. Mas aqui a transformação molecular se opera diferentemente,
porque o fluido conserva sua imponderabilidade e suas qualidades etéreas. O
corpo perispiritual e o corpo humano têm, pois, sua fonte no mesmo fluido; um e
outro são matéria, conquanto em dois estados diferentes. Assim, tivemos razão
de dizer que o perispírito é da mesma natureza e da mesma origem que a mais
grosseira matéria.
Como se vê, nada há de
sobrenatural, já que o perispírito se liga, por seu princípio, às coisas da
Natureza, das quais não passa de uma variedade.
Sendo o fluido universal o
princípio de todos os corpos da Natureza, animados e inanimados e, por
conseguinte, da terra, das pedras, razão tinha Moisés quando disse: “Deus
formou o corpo do homem do limo da terra”. Isto não quer dizer que Deus tomou
terra, petrificou-a e com ela modelou o corpo do homem, como se modela uma
estátua com argila e como acreditaram os que tomam as palavras bíblicas ao pé
da letra; mas, sim, que o corpo era formado dos mesmos princípios ou elementos
que o limo da terra.
Moisés acrescenta: “E lhe deu
uma alma vivente, feita à sua semelhança.” Ele faz, assim, uma
distinção entre a alma e o corpo; indica que ela é de natureza diferente, que
não é matéria, mas espiritual e imaterial como Deus. Diz: uma alma vivente, para especificar que nela só está o princípio da vida, ao passo
que o corpo, formado da matéria, por si mesmo não vive. Estas palavras: à sua semelhança, implicam uma similitude e não uma identidade. Se Moisés houvesse
considerado a alma como uma porção da
Divindade, teria dito: Deus o anima dando-lhe uma alma tirada de sua própria substância,
como disse que o corpo tinha sido tirado da terra.
Estas reflexões são uma resposta
às pessoas que acusam o Espiritismo de materializar a alma, porque lhe dá um envoltório
semimaterial.
VIII
No estado normal, o perispírito
é invisível aos nossos olhos e
impalpável ao nosso tato, como o são uma infinidade de fluidos e de gases.
Entretanto, a invisibilidade, a impalpabilidade, e mesmo a imponderabilidade do
fluido perispiritual não são absolutas; é por isso que dizemos no estado normal. Em certos casos é
possível que ele sofra uma condensação maior, ou uma modificação molecular de
natureza especial, que o torna momentaneamente visível ou tangível; é assim que
se produzem as aparições. Sem que haja aparição, muitas pessoas sentem a impressão
fluídica dos Espíritos pela sensação do tato, o que é indício de uma natureza
material.
Seja qual for a maneira pela
qual se opera a modificação atômica do fluido, não há coesão como nos corpos
materiais; a aparência se forma e se dissipa instantaneamente, o que explica as
aparições e as desaparições súbitas. Sendo as aparições o produto de um fluido
material invisível, tornado visível em consequência de uma mudança momentânea
na sua constituição molecular, não são mais sobrenaturais do que os vapores
que, de modo alternado, fazem-se visíveis ou invisíveis pela condensação ou
pela rarefação.
Citamos o vapor como ponto de
comparação, sem pretender que haja similitude de causa e efeito.
IX
Algumas pessoas criticaram a
qualificação de semimaterial dada ao
perispírito, dizendo que uma coisa é matéria ou não o é. Admitindo que a
expressão seja imprópria, seria preciso recorrer a ela, em falta de um termo
especial para exprimir esse estado particular da matéria. Se existisse um mais
apropriado à coisa, os críticos deveriam tê-lo indicado. Filosoficamente
falando, e por sua essência íntima, o perispírito é matéria, como acabamos de
ver; ninguém poderia contestá-lo. Mas não tem as propriedades da matéria
tangível, tal como se a concebe vulgarmente; não pode ser submetido à análise
química, porquanto, embora tenha o mesmo princípio que a carne e o mármore, na
realidade nem é carne nem mármore. Por sua natureza etérea, pertence, ao mesmo tempo,
à materialidade por sua substância, e à espiritualidade por sua
impalpabilidade, de sorte que o vocábulo semimaterial
não é mais ridículo que semiduplo e
tantos outros, porque também se pode dizer que uma coisa é dupla ou não o é.
X
Como princípio elementar do
Universo, o fluido cósmico assume dois estados distintos: o de eterização ou imponderabilidade,
que se pode considerar o primitivo estado normal, e o de materialização ou
ponderabilidade, que é, de certa maneira, consecutivo àquele. O ponto
intermediário é o da transformação do fluido em matéria tangível. Mas, ainda
aí, não há transição brusca, porquanto podem considerar-se os nossos fluidos imponderáveis
como um termo médio entre os dois estados.
Cada um desses dois estados dá
lugar, naturalmente, a fenômenos especiais: ao segundo pertencem os do mundo
visível e ao primeiro os do mundo invisível. Uns, os chamados fenômenos materiais, são da alçada da
Ciência propriamente dita; os outros, qualificados de fenômenos espirituais, porque se ligam à existência dos Espíritos,
são da competência do Espiritismo. Mas há entre eles numerosos pontos de
contato, que servem para mútuo esclarecimento e, como dissemos, o estudo de uns
não poderia ser completo sem o estudo dos outros.
É à explicação desses últimos
que conduz o estudo dos fluidos, de que faremos, ulteriormente, assunto para um
trabalho especial.
[1] Revista Espírita
– Março/1866 – Allan Kardec
[2] N. do T.: No original: phénomène de la végétation.
[3] N. do T.: Allan Kardec valia-se da teoria do calor, em
voga no século XIX, segundo a qual o calórico seria o fluido responsável pelos
fenômenos térmicos.
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