terça-feira, 2 de junho de 2020

CURAS DE OBSESSÕES[1]



Allan Kardec

Escrevem-nos de Cazères, em 7 de janeiro de 1866:

Eis um segundo caso de obsessão, que levamos a bom termo durante o mês de julho passado. A obsidiada tinha vinte e dois anos e gozava de perfeita saúde. Apesar disto, de repente foi tomada por um acesso de loucura. Os pais a trataram com médicos, mas inutilmente, pois o mal, em vez de desaparecer, tornava-se cada vez mais intenso, a ponto de ser impossível contê-la durante as crises. Vendo isto, os pais, a conselho dos médicos, obtiveram sua admissão numa casa de alienados, onde seu estado não experimentou qualquer melhora. Nem eles nem a doente jamais se haviam ocupado com o Espiritismo, que nem sequer conheciam. Mas tendo ouvido falar da cura de Jeanne R. , de que vos falei, vieram procurar-nos para saber se poderíamos fazer alguma coisa por sua filha infeliz. Respondemos nada poder afirmar antes de conhecer a verdadeira causa do mal. Nossos guias, consultados na primeira sessão, disseram que a jovem era subjugada por um Espírito muito rebelde, mas que acabaríamos por reconduzi-lo ao bom caminho, e que a cura resultante nos daria a prova da verdade dessa afirmação. Em consequência, escrevi aos pais, distantes 35 km de nossa cidade, dizendo que sua filha seria curada e que a cura não demoraria muito, sem, contudo, precisar a época.
Evocamos o Espírito obsessor durante oito dias seguidos e ficamos bastante felizes por mudar suas más disposições e fazê-lo renunciar a atormentar a vítima. Com efeito, a doente ficou curada, como haviam anunciado os guias.
Os adversários do Espiritismo repetem incessantemente que a prática desta doutrina conduz ao hospício. Pois bem! Nós lhes podemos dizer, nesta circunstância, que o Espiritismo dele fez sair aqueles que lá haviam entrado.

Entre mil outros, este fato é uma nova prova da existência da loucura obsessiva, cuja causa é inteiramente distinta da loucura patológica, e ante a qual a Ciência falhará enquanto se obstinar em negar o elemento espiritual e sua influência sobre a economia. Aqui o caso é bem evidente: eis uma jovem, a tal ponto apresentando os caracteres da loucura que os médicos se enganaram, e que é curada a léguas de distância, por pessoas que jamais a viram, sem nenhum medicamento ou tratamento médico, unicamente pela moralização do Espírito obsessor.
Há, pois, Espíritos obsessores, cuja ação pode ser perniciosa à razão e à saúde. Não é certo que se a loucura tivesse sido ocasionada por uma lesão orgânica qualquer, esse meio teria sido impotente? Se se objetasse que essa cura espontânea pode ser devida a uma causa fortuita, responderíamos que se tivéssemos de citar apenas um fato, sem dúvida seria temerário daí deduzir a afirmação de um princípio tão importante; mas os exemplos de curas semelhantes são muito numerosos. Não são privilégio de um indivíduo e se repetem todos os dias em diversas regiões, sinais indubitáveis de que repousam numa lei da Natureza.
Citamos várias curas desse gênero, notadamente nos meses de fevereiro de 1864 e janeiro de 1865, que contêm duas relações completas eminentemente instrutivas. Eis outro fato, não menos característico, obtido no grupo de Marmande.
Num vilarejo a algumas léguas desta cidade, havia um camponês acometido por uma loucura de tal modo furiosa, que perseguia as pessoas a golpes de forcado, para matá-las, e que, em falta de pessoas, atacava as aves domésticas. Corria incessantemente pelos campos e não voltava mais para casa. Sua presença era perigosa; assim, foi fácil obter autorização para interná-lo na casa de alienados de Cadillac. Não foi sem vivo pesar que a família se viu obrigada a tomar esse partido. Antes de levá-lo, tendo um de seus parentes ouvido falar das curas obtidas em Marmande, em casos semelhantes, foi procurar o Sr. Dombre e lhe disse:

Senhor, disseram-me que curais os loucos; por isso vim vos procurar.

Depois contou-lhe de que se tratava, acrescentando:

Como vedes, dá tanta pena separar-nos desse pobre J..., que antes quis ver se não havia um meio de o impedir.
Meu bravo homem, disse-lhe o Sr. Dombre, não sei quem me dá esta reputação; é verdade que algumas vezes consegui recuperar a razão de pobres insensatos, mas isto depende da causa da loucura. Embora não vos conheça, verei se vos posso ser útil.

Tendo ido imediatamente com o indivíduo à casa do seu médium habitual, obteve de seu guia a certeza de que se tratava de grave obsessão, mas que com perseverança ela chegaria a bom termo.
Então disse ao camponês:

Esperai ainda alguns dias antes de levar o vosso parente a Cadillac; vamos ocupar-nos do caso; voltai de dois em dois dias para dizer-nos como ele se acha.

Nesse mesmo dia puseram-se em ação. Inicialmente, como em casos semelhantes, o Espírito mostrou-se pouco tratável; pouco a pouco acabou por se humanizar e, finalmente, renunciou a atormentar aquele infeliz. Um fato muito particular é que declarou não ter qualquer motivo de ódio contra aquele homem; que, atormentado pela necessidade de fazer o mal, havia-se ligado a ele como a qualquer outro; que agora reconhecia estar errado e pedia perdão a Deus. O camponês voltou dois dias depois, e disse que o parente estava mais calmo, mas ainda não tinha voltado para casa e se ocultava nas sebes. Na visita seguinte, ele tinha voltado, mas estava sombrio e se mantinha afastado; já não procurava bater em ninguém. Alguns dias depois, ia à feira e fazia seus negócios habituais. Assim, bastaram oito dias para o trazer ao estado normal, e isto sem nenhum tratamento físico. É mais que provável que se o tivessem encerrado com loucos, ele teria perdido a razão completamente.
Os casos de obsessão são tão frequentes que não há nenhum exagero em dizer que nos hospícios de alienados, mais da metade só têm da loucura a aparência e que, por isto mesmo, a medicação vulgar é impotente.
O Espiritismo nos mostra na obsessão uma das causas perturbadoras da economia e, ao mesmo tempo, dá-nos o meio de a remediar: eis um de seus benefícios. Mas como foi reconhecida essa causa, senão pelas evocações? Assim, as evocações servem para alguma coisa, digam o que disserem os seus detratores.
É evidente que os que não admitem a alma individual, nem a sua sobrevivência, ou que, admitindo-a, não se dão conta do estado do Espírito após a morte, devem olhar a intervenção de seres invisíveis, em tais circunstâncias, como uma quimera; mas o fato brutal do mal e das curas lá está. Não poderiam ser levadas à conta da imaginação as curas operadas a distância, em pessoas que jamais foram vistas, sem o emprego de nenhum agente material. A doença não pode ser atribuída à prática do Espiritismo, desde que atinge até os que nele não acreditam, e também a crianças, que dele não fazem qualquer ideia. Contudo, aqui nada há de maravilhoso, mas efeitos naturais, que existiram em todos os tempos, que então não eram compreendidos, e que se explicam do modo mais simples, agora que se conhecem as leis em virtude das quais se produzem.
Não se veem, entre os vivos, seres maus atormentando outros mais fracos, até os deixar doentes e mesmo matá-los, e isto sem outro motivo senão o desejo de fazer o mal? Há dois meios de restituir a paz à vítima: subtraí-la à autoridade de sua brutalidade, ou neles desenvolver o sentimento do bem. O conhecimento que agora temos do mundo invisível no-lo mostra povoado dos mesmos seres que viveram na Terra, uns bons, outros maus. Entre estes últimos, uns há que ainda se comprazem no mal, em consequência de sua inferioridade moral, e que ainda não se despojaram de seus instintos perversos; estão em meio a nós, como quando vivos, com a única diferença que, em vez de ter um corpo material visível, tem-no fluídico invisível; mas não deixam de ser os mesmos homens, com o senso moral pouco desenvolvido, buscando sempre ocasiões de fazer o mal, encarniçando-se sobre as vítimas que conseguem submeter à sua influência. De obsessores encarnados que eram, tornam-se obsessores desencarnados, tanto mais perigosos porque agem sem ser vistos. Afastá-los pela força não é coisa fácil, visto que não se lhes pode apreender o corpo. O único meio de os dominar é o ascendente moral, com cuja ajuda, pelo raciocínio e sábios conselhos, consegue-se torná-los melhores, ao que são mais acessíveis no estado de Espírito que no estado corporal. Desde o instante em que são levados a renunciar voluntariamente aos tormentos que provocam, o mal desaparece, quando causado pela obsessão. Ora, compreende-se que nem são as duchas, nem os remédios administrados ao doente que podem agir sobre o Espírito obsessor. Eis todo o segredo dessas curas, para as quais não há palavras sacramentais, nem fórmulas cabalísticas: conversa-se com o Espírito desencarnado, moralizasse-o, educasse-o, como se teria feito quando ele estava encarnado. A habilidade consiste em se saber tomá-lo pelo seu caráter, em dirigir com tato as instruções que lhe são dadas, como o faria um instrutor experimentado. Toda a questão se reduz a isto: Há ou não Espíritos obsessores? A resposta está no que dissemos acima: Os fatos materiais lá estão.
Por vezes perguntam por que permite Deus que os Espíritos maus atormentem os vivos. Com tanto mais razão poder-se-ia perguntar por que permite que os vivos se atormentem entre si. Perdem-se muito de vista a analogia, as relações e a conexão existentes entre o mundo corporal e o mundo espiritual, que se compõem dos mesmos seres em dois estados diferentes. Aí está a chave de todos esses problemas reputados sobrenaturais.
Não nos devemos admirar mais das obsessões do que das doenças e de outros males que afligem a Humanidade; fazem parte das provas e das misérias devidas à inferioridade do meio, onde nossas imperfeições nos condenam a viver, até que estejamos suficientemente melhorados para merecer dele sair. Os homens sofrem aqui as consequências de suas imperfeições, porquanto, se fossem mais perfeitos, aqui não estariam.




[1] Revista Espírita – Fevereiro/1866 – Allan Kardec

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