Jorge Hessen
Segundo ONGs de proteção à
mulher, a violência contra a mulher aumentou durante quarentena da Covid-19 na
China. Denúncias das vítimas aumentaram três vezes desde o início da contenção
social. A ativista chinesa Guo Jing narrou à BBC que mais mulheres estão
noticiando casos de violência que sofreram. Feng Yuan, da ONG de defesa à
mulher Weiping, afirma que sua organização municiou três vezes mais consultas
às vítimas do que antes das quarentenas. A hashtag
#AntiDomesticViolenceDuringEpidemic (#ContraViolênciaDomésticaDuranteEpidemia)
foi usada mais de 3 mil vezes na rede social chinesa Sina Weibo com relatos de
vítimas denunciando violência doméstica[2].
Há muito tempo a família vem-se
arruinando, acompanhando as mudanças econômicas, socioculturais e religiosas do
contexto em que se encontram culturalmente inseridas. Hoje em dia paira grande
ameaça sobre a estabilidade familiar, e quando a família é ameaçada, por
qualquer razão, a sociedade inteira perde a direção da paz. O materialismo, a
ambição econômica, os modernos conceitos e promoções sensualistas, têm
investido contra a organização familiar, dilacerando a estrutura da família
tradicional. Não será um vírus avassalador que transformará essa realidade de
imediato.
Emmanuel esclarece que “de todas
as associações existentes na Terra, excetuando, naturalmente, a Humanidade –
nenhuma delas, talvez, é mais importante, em sua função educadora e
regenerativa, do que a constituição da família[3]”.
Para o Mentor de Chico Xavier, “através
do casal, estabelecido na família, funciona o princípio da reencarnação,
consoante as Leis Divinas, possibilitando o trabalho executivo dos mais
elevados programas de ação do Mundo Espiritual[4]”.
Independemente da atual forçosa
limitação da mobilidade social (quarentena), a rigor, as relações familiais
deveriam ser, acima de tudo, de ordem ética. Mas, observa-se nelas uma
deterioração emocional profunda e uma complexa malha de desestabilidades
morais. A violência contra a mulher chinesa infelizmente não é caso avulso. Em
realidade, a violência tem as suas raízes profundas e vigorosas na selva. O homo brutalis (de qualquer cultura) tem
as suas atávicas leis: subjugar, humilhar, torturar e matar a mulher.
O pragmatismo das sociedades
contemporâneas robotizou o homem, o que vale dizer que o esvaziou no plano
moral. Vejamos: O mesmo indivíduo que se prostra diante das imagens frias dos
altares, nos templos suntuosos, volta ao seu posto de autoridade doméstica para
ordenar torturas canibalescas. O homem contemporâneo vive atormentado pelo
medo, com o tal inóxio coronavírus que o assombra, uma vez submetido às
contingências da vida atual, de insegurança e de incertezas, resultando em
transtornos graves da mente, pela angústia dissolvente da própria
individualidade.
Pior que o COVID-19, a
selvajaria familiar tem eclipsado, assombrosamente, o logradouro para Deus. Há
os que condenam a violência alheia, mas, no entanto, no dia-a-dia, ao invés de
agirem de forma pacífica e fraterna, são quais fantoches, revidando com a mesma
moeda as agressividades sofridas. Existem aqueles casais que dizem viver um
amor recíproco e, no entanto, quando há qualquer improviso e ou desentendimento
entre eles, são extremamente agressivos um com o outro.
Há os que veem no cônjuge um
verdadeiro teste de paciência, pois os seus “santos” não se “cruzam”. Mais
ainda, quando o assunto são os filhos, há pais que dizem adorar todos eles, mas
os consideram espíritos imaturos, que dão muito trabalho e, não raro,
desgostos. A vida em família para muitos, nessas condições de quarentena,
transforma-se em verdadeiro tormento.
Na verdade, se não nos
tolerarmos hoje em plena quarentena, como será o amanhã? As leis da vida
exigem, segundo nos ensinou Jesus, que nos entendamos com os nossos irmãos de
penosa convivência enquanto estivermos a caminho com eles. A fuga aos deveres
atuais será amortizada mais tarde com os juros devidos.
Há um tipo de violência que
muitos não damos atenção: é a que está fincada dentro de cada um de nós.
Violência íntima, que alguns alimentam, diariamente, concedendo que ela se
torne animal voraz. É o ato de indiferença que um elege para apunhalar o outro
no relacionamento doméstico, estabelecendo silêncios macabros às interrogações
afetuosas. São os cônjuges que, entre si, pactuam com a mudez, como símbolo do
desconforto por viverem, um ao lado do outro, como algemados sem remissão.
A violência de fora pode nos
alcançar, ferir-nos e, até mesmo, magoar-nos profundamente, mas, a violência do
coração (interna), silenciosa, que certas pessoas aplicam todos os dias, em
seus relacionamentos, é muito mais perniciosa e destruidora. A paz do mundo
começa sob o teto a que nos albergamos. “Se não aprendemos a viver em paz,
entre quatro paredes, como aguardar a harmonia das nações[5]”?
O Espiritismo explica que “os que encarnam numa família, podem ser Espíritos
simpáticos, ligados por anteriores relações, que se expressam por uma afeição
recíproca na vida terrena. Mas, também pode acontecer sejam completamente
estranhos uns aos outros esses Espíritos, afastados entre si por antipatias
igualmente anteriores, que se traduzem na Terra por um mútuo antagonismo, que
aí lhes serve de provação[6]”.
A família, para determinadas
religiões e sociedades, é algo indissolúvel. Tempos atrás, a manutenção dessas
famílias era, somente, para manter aparências de respeito e felicidade. Hoje,
observam-se famílias se desfazendo por trivialidades. O que é o ideal? A
família de “porta-retratos” ou a família que se dissolve na primeira
“tempestade moral”?
Cremos que o Centro Espírita
pode dimensionar os serviços de suporte à família atual, mas não de forma
isolada. Precisa a Casa Espírita integrar suas ações com outras instituições,
tanto de caráter religioso como social, na busca da melhor qualidade do
atendimento individual e coletivo, naturalmente, sem perder sua identidade
doutrinária, mas, objetivando o resgate da ordem moral, que deve alicerçar a
família como espaço de convivência.
Notemos que “o estudo do
Evangelho no lar” é uma forma de reunir a família em torno de um objetivo
comum. “A comunhão familiar, onde todos conversam, trocam ideias, falam de seus
problemas, comentam suas atividades à luz dos ensinamentos de Jesus, representa
o mais eficiente estímulo para o estreitamento das ligações afetivas,
transformando o lar em porto de segurança e paz, com garantia de equilíbrio e
alegria para todos[7]”.
É imprescindível praticarmos os
Ensinos de Jesus no lar, contribuindo com a parcela de mansidão para
pacificá-lo. O homem moderno ainda não percebeu que somente a experiência do
Evangelho pode estabelecer as bases da concórdia, da fraternidade e constituir
os antídotos eficazes para minimizar a violência que, ainda, avassala o ninho
doméstico e deságua na sociedade.
Portanto, mesmo num ambiente
familiar momentaneamente conturbado pelo confinamento, onde existe a evidente
reunião de Espíritos não afinados, se for instituído o estudo de Evangelho
nesse lar, esse “(…) produzá sinais evidentes de paz, e aqueles que antes
experimentavam repulsa pelo ajuntamento doméstico descobrem sintomas de
identificação, necessidade de auxílio mútuo[8]”
Pensemos nisso.
Fonte: A Luz na Mente
[2] Disponível em https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2020/03/violencia-contra-mulher-aumentou-durante-quarentena-da-covid-19-na-china.html
acesso 05 de abril de 2020.
[3] XAVIER, Francisco Cândido. Vida e Sexo, ditado pelo
espírito Emmanuel, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1972.
[4] XAVIER, Francisco Cândido. Vida e Sexo, ditado pelo
espírito Emmanuel, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1972.
[5] XAVIER, Francisco Cândido. Jesus No Lar ditado pelo
Espírito Néio Lucio, Rio de Janeiro: FEB, 2001.
[6] KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, Rio
de Janeiro: Ed. FEB, 2001, cap. XIV.
[8] FRANCO, Divaldo Pereira. Florações Evangélicas, ditado
pelo Espírito Joanna de Angelis, Salvador: Ed. LEAL, 1987, cap.3.
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