terça-feira, 22 de outubro de 2019

ESTUDO SOBRE A MEDIUNIDADE[1]


(Sociedade de Paris, 7 de abril de 1865 – Médium: Sr. Costel)

Não se devem erigir em sistemas os ditados mal concebidos e mal expressos, que desnaturam totalmente a inspiração mediúnica, se é que esta tenha existido. Deixo a outros o cuidado de explicar a teoria do progresso, porque é inútil que todos os médiuns tratem do mesmo assunto. Vou ocupar-me da mediunidade, esse tema inesgotável de pesquisas e estudos.
A mediunidade é uma faculdade inerente à natureza do homem; nem é uma exceção, nem um favor, e faz parte do grande conjunto humano. Como tal está sujeita às variações físicas e às desigualdades morais; sofre o temível dualismo do instinto e da inteligência. Possui seus gênios, sua multidão e suas anomalias.
Jamais se devem atribuir aos Espíritos – e por estes eu me refiro aos que são elevados – esses ditados sem fundo e sem forma, que aliam à sua nulidade o ridículo de serem assinados por nomes ilustres. A mediunidade séria só investe em cérebros providos de uma instrução suficiente ou, pelo menos, provados pelas lutas passionais. Os melhores médiuns são os únicos a receber o afluxo espiritual; os outros sofrem tão-somente o impulso fluídico material, que lhes movimenta as mãos, sem fazer que sua inteligência produza algo que já não disponha em estado latente. É preciso encorajá-los a trabalhar, mas não iniciar o público em suas elucubrações.
As manifestações espíritas devem ser feitas com a maior reserva; se for indispensável acumular, para a dignidade pessoal, todas as provas de uma perfeita boa-fé em torno das experiências físicas, pelo menos importa preservar as comunicações espirituais do ridículo, que muito facilmente se prendem às ideias e aos sistemas assinados irrisoriamente por nomes célebres, que são e continuarão sempre estranhos a essas produções. Não ponho em dúvida a lealdade das pessoas que, recebendo o choque elétrico, o confundem com a inspiração mediúnica. A Ciência tem seus pseudosábios, a mediunidade os seus falsos médiuns, na ordem espiritual, bem entendido.
Tento estabelecer aqui a diferença que existe entre os médiuns inspirados pelos fluidos espirituais e os que não agem senão pelo impulso fluídico corporal, isto é, os que vibram intelectualmente e aqueles cuja ressonância física só leva à produção confusa e inconsciente de suas próprias ideias, ou de ideias vulgares e sem alcance.
Existe, pois, uma linha de demarcação muito nítida entre os médiuns escreventes: uns obedecendo à influência espiritual, que só os leva a escrever coisas úteis e elevadas; outros, sofrendo a influência fluídica material que age sobre seus órgãos cerebrais, como os fluidos físicos agem sobre a matéria inerte. Esta primeira classificação é absoluta, mas admite uma porção de variedades intermediárias. Aqui indico os principais traços de um estudo importante, que outros Espíritos completarão. Somos os pioneiros do progresso terrestre, e solidários uns com os outros.
Na falange espírita formamos o núcleo do futuro.
Georges

Observação – A frase na qual o Espírito diz que deixa a outros o cuidado de explicar a teoria do progresso, é motivada por diversas perguntas que tinham sido propostas sobre o assunto na sessão. Quando diz que a mediunidade é um tema inesgotável de pesquisas e estudos, está perfeitamente certo.
Embora o estudo desta parte integrante do Espiritismo esteja longe de ser completa, já estamos longe do tempo em que se acreditava que bastasse receber um impulso mecânico para se dizer médium e se julgar apto a receber comunicações de todos os Espíritos. Isto equivaleria a pensar que o primeiro que tocasse uma pequena ária ao piano devesse ser necessariamente um excelente músico. O progresso da ciência espírita, que diariamente se enriquece com novas observações, mostra-nos a quantas causas diferentes e influências delicadas, que não se suspeitava, são submetidas as relações inteligentes com o mundo espiritual. Os Espíritos não podiam ensinar tudo ao mesmo tempo; mas, como hábeis professores, à medida que as ideias se desenvolvem, entram em maiores detalhes e desdobram os princípios que, dados prematuramente, não teriam sido compreendidos e teriam confundido o nosso pensamento.
A mediunidade exige, pois, um estudo sério da parte de quem quer que veja no Espiritismo uma coisa séria. À medida que os verdadeiros mecanismos desta faculdade forem mais bem conhecidos, estaremos menos expostos às decepções, porque saberemos o que ela pode dar e em que condições poderá fazê-lo.
Quanto mais houver pessoas esclarecidas sobre este ponto, menos vítimas haverá do charlatanismo.




[1] Revista Espírita – Maio/1865 – Allan Kardec

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