terça-feira, 24 de setembro de 2019

PODER CURATIVO DO MAGNETISMO ESPIRITUAL[1]




Em nosso artigo do mês anterior sobre o Dr. Demeure[2], prestamos uma justa homenagem às suas eminentes qualidades como homem e como Espírito. O fato seguinte é uma nova prova de sua benevolência, constatando, ao mesmo tempo, o poder curativo da magnetização espiritual.
Escrevem-nos de Montauban:
Vindo aumentar o número de nossos amigos invisíveis, que nos cuidam da moral e do físico, quis o Espírito do bom pai Demeure manifestar-se desde os primeiros dias por um benefício.
A notícia de sua morte ainda não era conhecida dos nossos irmãos de Montauban, quando empreendeu espontânea e diretamente a cura de um deles por meio do magnetismo espiritual, apenas pela ação fluídica. Vedes que ele não perdia tempo e, como Espírito, continuava, como dizeis, sua obra de alívio da Humanidade sofredora. Entretanto, há aqui uma importante distinção a fazer.
Certos Espíritos continuam a dedicar-se às suas ocupações terrenas, sem terem consciência de seu estado, sempre se julgando vivos; é próprio dos Espíritos pouco adiantados, ao passo que o Sr. Demeure se reconheceu imediatamente e age voluntariamente como Espírito com a consciência de, neste estado, ter maior força.
Tínhamos ocultado à Sra. G..., médium vidente e sonâmbula muito lúcida, a morte do Sr. Demeure, para poupar sua extrema sensibilidade, e o bom doutor, por certo nos penetrando o pensamento, tinha evitado manifestar-se a ela. No dia 10 de fevereiro último, estávamos reunidos a convite de nossos guias que, diziam, queriam aliviar a Sra. G... de uma entorse de que sofria cruelmente desde a véspera. Não sabíamos mais que isto, e estávamos longe de aguardar a surpresa que nos reservavam. Tão logo caiu em sonambulismo, a dama soltou gritos lancinantes, mostrando o pé. Eis o que se passava:
A Sra. G... via um Espírito curvado sobre sua perna, mas sua fisionomia ficava oculta; realizava fricções e massagens, exercendo de vez em quando uma tração longitudinal sobre a parte doente, absolutamente como teria feito um médico. A manobra era tão dolorosa que a paciente por vezes vociferava e fazia movimentos desordenados. Mas a crise não durou muito; ao cabo de dez minutos toda a marca de entorse havia desaparecido, não mais edema, o pé havia recobrado sua aparência normal. A Sra. G... estava curada.

Quando se pensa que para curar completamente uma afecção desse gênero, os mais dotados magnetizadores e os mais experientes, sem falar da medicina oficial, que ainda não chegou a uma solução, é necessário um tratamento cuja duração nunca é inferior a trinta e seis horas, consagrando três sessões por dia, com uma hora de duração cada uma, esta cura em dez minutos, pelo fluido espiritual, pode bem ser considerada como instantânea, com tanto mais razão, como diz o próprio Espírito numa comunicação que encontrareis a seguir, quanto era de sua parte uma primeira experiência feita com vistas a uma aplicação posterior, em caso de êxito.
Entretanto, o Espírito ficava sempre desconhecido do médium, persistindo em não mostrar suas feições; dava mesmo a impressão de querer fugir, quando, de um salto só, nossa doente, que minutos antes não podia dar um passo, se lança no meio do quarto para pegar e apertar a mão de seu médico espiritual. Dessa vez o Espírito virou-se para ela, deixando sua mão na dela. Neste momento a Sra. G... solta um grito e cai desfalecida no parquete: acabava de reconhecer o Sr. Demeure no Espírito curador. Durante a síncope recebeu os cuidados diligentes de vários Espíritos simpáticos. Enfim, readquirida a lucidez sonambúlica, conversou com os Espíritos, trocando com eles calorosos apertos de mão, notadamente com o Espírito do doutor, que respondia a seus testemunhos de afeição penetrando-a de um fluido reparador.
Não é uma cena impressionante e dramática? Dir-se-ia que todas as personagens representavam seu papel na vida humana.
Não é uma prova entre mil de que os Espíritos são seres perfeitamente reais, tendo um corpo e agindo como faziam na Terra? Estávamos felizes por encontrar nosso amigo espiritualizado, com seu excelente coração e sua delicada solicitude.
Durante a vida ele tinha sido médico da médium; conhecia sua extrema sensibilidade e a tinha conduzido como se fora sua própria filha. Esta prova de identidade, dada àqueles a quem o Espírito amava, não é admirável e capaz de fazer encarar a vida futura sob seu aspecto mais consolador?

Eis a comunicação recebida do Sr. Demeure, no dia seguinte a esta sessão:
Meus bons amigos, estou ao vosso lado e vos amo sempre, como no passado. Que felicidade poder comunicar-me com os que me são caros! Como fui feliz, ontem à noite, por me tornar útil e aliviar nosso caro médium vidente! É uma experiência que me servirá e que porei em prática no futuro, toda vez que se apresentar uma ocasião favorável. Hoje seu filho está muito doente, mas espero que logo o curaremos; tudo isto lhe dará coragem para perseverar no estudo do desenvolvimento de sua faculdade. (Com efeito, o filho da Sra. G... foi curado de uma angina diftérica, com medicação homeopática prescrita pelo Espírito).
Daqui a algum tempo poderemos dar-vos ocasião de testemunhar fenômenos que ainda não conheceis, e que serão de grande utilidade para a ciência espírita. Serei feliz em poder contribuir para essas manifestações, que me teriam dado tanto prazer de ver quando vivo; mas, graças a Deus, hoje as assisto de maneira muito particular e que me prova evidentemente a verdade do que se passa entre vós. Crede, meus bons amigos, sinto sempre um verdadeiro prazer em tornar-me útil aos semelhantes, ajudando-os a propagar estas belas verdades, que devem mudar o mundo, trazendo-o a melhores sentimentos. Adeus, meus amigos, até logo.
Antoine Demeure

Não é curioso ver um Espírito, já instruído na Terra, fazer como Espírito estudos e experiências para adquirir mais habilidade no alívio de seus semelhantes? Há nesta confissão uma louvável modéstia que denota o verdadeiro mérito, ao passo que os Espíritos pseudossábios geralmente são presunçosos.
O último número da Revista cita uma comunicação do Sr. Demeure, como tendo sido dada em Montauban em 1º de fevereiro; foi em 26 de janeiro que ele a ditou. Em minha opinião esta data tem uma certa importância, porque foi o dia seguinte ao de sua morte. No segundo parágrafo ele diz: “Gozo de rara lucidez entre os Espíritos desprendidos da matéria há tão pouco tempo”.
Realmente, essa lucidez prova um rápido desprendimento, só compatível com os Espíritos moralmente muito adiantados.
Observação – A cura reportada acima é um exemplo da ação do magnetismo espiritual puro, sem qualquer mescla com o magnetismo humano. Por vezes os Espíritos se servem de médiuns especiais, como condutores de seu fluido. São esses os médiuns curadores propriamente ditos, cuja faculdade apresenta graus muito diversos de energia, conforme sua aptidão pessoal e a natureza dos Espíritos que os assistem. Conhecemos em Paris uma pessoa acometida a oito meses de exostoses no quadril e no joelho, que lhe causam grandes sofrimentos e a obrigam a ficar acamada. Um de seus amigos, rapaz dotado desta preciosa faculdade, prodigalizou-lhe cuidados pela simples imposição das mãos sobre a cabeça, durante alguns minutos, e pela prece, que o doente acompanhava com fervor edificante. No momento este último apresentava uma crise muito dolorosa, análoga à que sentia a Sra. G..., logo seguida de uma calma perfeita. Então ele sentia a impressão de várias mãos, que massageavam e estiravam a perna, que se via alongar-se de 10 a 12 centímetros. Nele já há uma melhora muito sensível, pois começa a andar; mas a antiguidade e a gravidade do mal necessariamente tornam a cura mais difícil e mais demorada que a de uma simples entorse.
Faremos observar que a mediunidade curadora ainda não se apresentou, ao que saibamos, com caracteres de generalidade e de universalidade, mas, ao contrário, restrita como aplicação, isto é, o médium tem uma ação mais poderosa sobre certos indivíduos do que sobre outros, e não cura todas as doenças. Compreende-se que assim deva ser, quando se conhece o papel capital que representam as afinidades fluídicas em todos os fenômenos mediúnicos. Algumas pessoas somente o gozam acidentalmente e para um determinado caso. Seria, pois, um erro acreditar que, pelo fato de se ter obtido uma cura, mesmo difícil, podem ser obtidas todas, em virtude de o fluido próprio de certos doentes ser refratário ao fluido do médium; a cura é tanto mais fácil quanto mais naturalmente se opera a assimilação dos fluidos. Também é surpreendente ver algumas pessoas, frágeis e delicadas, exercerem uma ação poderosa sobre indivíduos fortes e robustos. É que, então, essas pessoas são bons condutores do fluido espiritual, ao passo que homens vigorosos podem ser péssimos condutores. Têm apenas o seu fluido pessoal, fluido humano, que jamais tem a pureza e o poder reparador do fluido depurado dos Espíritos bons.
De acordo com isto, compreendem-se as causas maiores que se opõem a que a mediunidade curadora se torne uma profissão. Para que isso ocorra, seria preciso ser dotado de uma faculdade universal. Ora, só os Espíritos encarnados da mais elevada ordem poderiam possuí-la nesse grau. Ter essa presunção, mesmo exercendo-a com desinteresse e por pura filantropia, seria uma prova de orgulho que, por si só, seria um sinal de inferioridade moral. A verdadeira superioridade é modesta; faz o bem sem ostentação e apaga-se, em vez de procurar o brilho; o famoso vai buscá-la e a descobre, ao passo que o presunçoso corre atrás da fama que muitas vezes lhe escapa. Jesus dizia aos que havia curado: “Ide, dai graças a Deus e não faleis disto a ninguém”. É uma grande lição para os médiuns curadores.
Lembraremos aqui que a mediunidade curadora está exclusivamente na ação fluídica mais ou menos instantânea; que não se deve confundi-la nem com o magnetismo humano, nem com a faculdade que têm certos médiuns de receber dos Espíritos a indicação de remédios. Estes últimos são apenas médiuns receitistas[3], como outros são médiuns poetas ou desenhistas.




[1] Revista Espírita – Abril/1865 – Allan Kardec
[2] Revista Espírita – Março/1865 – Allan Kardec
[3] N. do T.: No original: médiuns médicaux.

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