ANDRÉ PEZZANI, Advogado na Corte Imperial de Lyon
Esta obra, anunciada há algum
tempo e esperada com impaciência, acaba de aparecer na livraria dos Srs. Didier
& Cie[2].
Todos os que conhecem o autor,
sua vasta erudição, seu espírito judicioso de análise e de investigação, não
duvidam que esta grave questão da pluralidade das existências fosse por ele
tratada de acordo com a sua importância. Sentimo-nos felizes ao dizer que ele não
falhou em sua tarefa. Entretanto, não se empenhou bastante em demonstrar, pelo
seu próprio raciocínio, essa grande lei da Humanidade, embora se devotando a
ela. Por mais douto que seja, é modesto, muito modesto mesmo, o que raramente é
corolário do saber; diz que sua opinião pessoal pouco pesaria na balança, razão
que o levou a apoiar-se mais nas dos outros que na sua. Ele quis demonstrar que
esse princípio tinha sido entrevisto pelos maiores gênios de todos os tempos;
que é encontrado em todas as religiões, por vezes clara e categoricamente
formulado, muitas vezes velado sob a alegoria; que, implicitamente, é a fonte
primeira de uma imensidade de dogmas. Prova, por documentos autênticos, que a teoria
da imortalidade e da progressão da alma fazia parte do ensino secreto só
reservado aos iniciados nos mistérios. Nesses tempos recuados ele poderia ter
utilidade, como o demonstra, ao ocultar do vulgo certas verdades que as massas
não estavam maduras para compreender, e que as teriam deslumbrado, sem as esclarecer.
Sua obra é, pois, rica em citações, desde os livros sagrados dos hindus, dos
persas, dos judeus, dos cristãos; os filósofos gregos, os neoplatônicos, as
doutrinas druídicas, até os escritores modernos: Charles Bonnet, Ballanche,
Fourier, Pierre Leroux, Jean Raynaud, Henri Martin etc.; e, como conclusão e última
expressão, os livros espíritas.
Nesse vasto panorama, ele passa
em revista todas as opiniões, as diversas teorias sobre a origem e os destinos
da alma.
A doutrina da metempsicose
animal é aí tratada largamente e de maneira nova. Demonstra que a da
pluralidade das existências humanas a precedeu e que a transmigração em corpos
de animais não passa de uma derivação alterada, e não o princípio. Era a crença
reservada ao vulgo, incapaz de compreender as altas verdades abstratas, e como
freio às paixões. A encarnação nos animais era uma punição, uma espécie de
inferno visível, atual, que devia impressionar mais que o temor de um castigo
moral num mundo espiritual. Eis o que a respeito diz Timeu de Locres, que
Cícero garante ter sido o mestre de Platão:
Se alguém é vicioso
e viola as regras do Estado, é preciso que seja punido pelas leis e pelas
censuras; deve-se, ainda, apavorá-lo com o medo do inferno, pelo temor das
penas contínuas, dos castigos, e pelos terrores e punições inevitáveis, que são
reservadas aos infelizes criminosos no interior da Terra.
Louvo muito o poeta
jônico (Homero) por haver tornado os homens religiosos por fábulas antigas e
úteis. Porque, assim como curamos os corpos com remédios mais drásticos, se não
cedem a remédios mais suaves, assim reprimimos as almas por discursos falsos,
se não se deixarem levar pelos verdadeiros. É pela mesma razão que se devem
estabelecer penas passageiras, baseadas na crença da transmigração das almas.
De sorte que as almas dos homens tímidos passem, depois da morte, por corpos de
mulheres expostas ao desprezo e às injúrias; as almas dos assassinos, por corpos
de animais ferozes, para aí receber sua punição; as dos impudicos pelo corpo
dos porcos e javalis; as dos inconstantes e dos levianos pelos dos pássaros que
voam nos ares; as dos preguiçosos, dos indolentes, dos ignorantes e dos loucos
pela forma dos animais aquáticos. É a deusa Nêmesis quem julga todas essas
coisas, no segundo período, isto é, no círculo da segunda região em torno da
Terra, com os demônios, vingadores dos crimes, que são os inquisidores terrenos
das ações humanas, e a quem o Deus condutor de todas as coisas conferiu a
administração do mundo cheio de deuses, de homens e de outros animais que foram
produzidos segundo a imagem excelente da forma improduzida e eterna.
Ressalta daí e de vários outros
documentos que a maioria dos filósofos professava ostensivamente a metempsicose
animal, como um meio, já que eles próprios não criam, e tinham uma doutrina
secreta, mais racional sobre a vida futura. Tal parece ter sido, também, o
sentimento de Pitágoras que, como se sabe, não é o autor da metempsicose; foi
apenas o seu propagador na Grécia, depois de a ter encontrado entre os hindus.
Aliás, a encarnação na animalidade não passava de uma punição temporária de
alguns milhares de anos, mais ou menos conforme a culpabilidade, uma espécie de
prisão da qual a alma, ao sair, entrava na humanidade. A encarnação animal não
era, pois, uma condição absoluta, aliando-se, como se vê, à reencarnação
humana. Era uma sorte de espantalho para os simples, muito mais que um artigo
de fé entre os filósofos.
Assim como se diz às crianças:
“Se fordes más, o lobo vos comerá”, os Antigos diziam aos criminosos:
“Tornar-vos-eis lobos”.
A doutrina da pluralidade das
existências, emancipada das fábulas e dos erros dos tempos de ignorância, tende
hoje, de maneira evidente, a entrar na filosofia moderna, abstração feita do Espiritismo
moderno, porque os pensadores sérios aí encontram a única solução possível dos
maiores problemas da moral e da vida humana. A obra do Sr. Pezzani vem, pois,
muito a propósito, projetar a luz da História sobre essa importante questão;
ela poupará pesquisas laboriosas, difíceis e muitas vezes impossíveis a muita
gente. O autor não a escreveu do ponto de vista do Espiritismo, que nela só
figura de maneira acessória e como ensinamento; escreveu-a do ponto de vista
filosófico, de maneira a abrir as portas que lhe teriam sido fechadas, se
tivesse imprimido a essa obra a etiqueta de uma crença nova. É o complemento da
“Pluralidade dos mundos habitados”, do Sr. Flammarion, que, por seu lado,
vulgarizou um dos grandes princípios de nossa doutrina, sem dela falar
expressamente.
Voltaremos à obra do Sr.
Pezzani, servindo-nos de várias de suas citações.
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