No Brasil existem centros
espíritas que dão cursos práticos de mediunidade de cura com aulas sobre física
quântica. Noutros centros, apostilas mostram a coreografia correta para se
aplicar um passe. Médiuns psicografam livros detalhando planos de dominação das
trevas, e lideranças se dedicam a traduzir a Bíblia. Instituições impõem
liturgias, proibições e dogmas e consideram o trabalho de Kardec uma revelação
divina, seus livros como lei escrita em pedra. E tudo isso é denominado
unicamente de espiritismo, apesar das profundas contradições.
Além disso, vivemos num momento
histórico de grandes contradições sociais e retrocessos políticos. E muitos
espíritas como nós não estão satisfeitos com o conservadorismo predominante em
nosso movimento.
Para tentar organizar essa
cacofonia, iluminando o que é essência e o que é incoerência, lançamos hoje
esse manifesto, que ficará on-line. Nele também mostramos que o espiritismo é
um pensamento livre e progressista e deve estar a postos para mudar a
sociedade. Nos próximos meses vamos aprofundar as ideias do manifesto aqui no
blog da ABPE. Quem quiser assinar (os nomes serão incluídos no site da ABPE),
envie nome, cidade e estado ou país para o e-mail: abpe@pedagogiaespirita.org.br
Preâmbulo
O espiritismo no século XXI é um
fenômeno multifacetado e complexo. Diferentes correntes que praticam a
mediunidade se autodeclaram espíritas; outras, apenas espiritualistas. Todas
elas merecem nosso respeito e solidariedade.
Entretanto, esse manifesto se
refere à tradição específica de Kardec e quando nos declaramos espíritas aqui,
estamos tratando desse legado.
No Brasil, porém, o país com maior número de
espíritas no mundo, criou-se uma forma de espiritismo institucional,
hegemônico, que, para nós, não representa a maneira como entendemos o
espiritismo fundado por Kardec.
Lançamos assim um manifesto de
um movimento espírita kardecista livre, para demarcar o que nos une (e
convidamos aqui o próprio movimento institucional) e o que desejamos como
vivência e prática de uma filosofia livre, emancipadora e progressista como é a
filosofia proposta por Kardec.
Esse manifesto tem a intenção de
unir, sem homogeneizar; declarar princípios, sem dogmatismo; propor diálogo sem
dissensão.
É uma iniciativa da Associação
Brasileira de Pedagogia Espírita, mas apoiado por todos os signatários (pessoas
físicas ou instituições) que manifestam a mesma visão que nós.
Manifesto
1) Aceitamos como princípios espíritas a existência de
Deus, a existência dos Espíritos e comunicação com estes e a reencarnação, numa
perspectiva de evolução individual e coletiva.
2) Consideramos Allan Kardec a referência fundamental do
espiritismo, entendendo que há diversas leituras sobre suas obras e que essas
diferenças devem ser respeitadas e debatidas fraternalmente.
3) Vemos o espiritismo como uma filosofia progressista,
que não perde a sua identidade e especificidade de espiritualidade racional,
quando em diálogo com outras filosofias e com a cultura de cada época
histórica.
4) Compreendemos que o espiritismo está em permanente
construção, em diálogo com a pesquisa científica, a reflexão filosófica e a
comunicação dos Espíritos, desde que se mantenham de Kardec o espírito crítico,
a observação empírica e o princípio ético do desinteresse.
5) Entendemos que a ética espírita – que é a do amor
universal, inspirada na ética de Jesus – deve orientar nossas ações individuais
e coletivas, em prol da transformação social; portanto, devemos marcar posição
contra a violência de qualquer espécie, trabalhando pela dignidade humana, pela
justiça e combatendo o abuso e a sujeição de pessoas, de qualquer idade ou
condição.
6) Consideramos que as manifestações de médiuns,
lideranças e dirigentes espíritas são livres e podem e devem ser analisadas e
discutidas de forma respeitosa e racional. O exercício da mediunidade e os
postos de liderança não conferem autoridade incontestável em nenhum assunto.
7) Rejeitamos a ideia de que o espiritismo seja uma
religião institucional. Entendemos que ele propõe uma espiritualidade livre e
aberta, com a possibilidade de diálogo com outras tradições espirituais.
8) Rejeitamos qualquer tutela institucional sobre o
pensamento espírita: a prática, o estudo, as produções e a representação do
espiritismo são livres e não são monopólio de nenhuma instituição nacional ou
internacional.
9) Consideramos que o diálogo entre todos os espíritas
deve ser aberto, empático e construtivo, sem a perda da criticidade e da
liberdade de consciência e expressão.
10) Entendemos o espiritismo como uma proposta pedagógica,
que trabalha por uma educação emancipatória de todas e todos para a convivência
pacífica, para a justiça e equidade e para a prática de uma espiritualidade
amorosa e crítica.
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