Alexandre Mota e Mauricio Zanolini
Quando se acompanha por algum
tempo comentários de páginas e grupos dedicados ao Espiritismo, é possível
classificar os argumentos apresentados pelos participantes ante qualquer tema
proposto, em duas categorias principais: a CARTEIRADA e a SUBMISSÃO.
Os simpatizantes da carteirada
geralmente são avessos à institucionalização do espiritismo, porém colocam todo
peso e medida na letra de Kardec, conforme suas interpretações. Os submissos se
colocam a partir da visão de algum vulto do espiritismo, ou algum espírito, ou
até mesmo de ambos.
Mas o que é exatamente a
carteirada? São argumentos que têm como objetivo encerrar a discussão
apresentando uma explicação definitiva, atemporal, mesmo que essa explicação
seja incoerente. Um exemplo disso é dizer, diante de um tema social, cultural
ou político dos nossos tempos, que “não há uma palavra sequer em Kardec sobre
isso!” (nos seus escritos do século XIX). Dá-se um peso de autoridade
inquestionável ao que Kardec disse e não disse, e se usa essa “autoridade” para
pôr fim a qualquer questionamento.
E o que é a submissão? É a
postura passiva de se colocar numa posição de incapacidade / ignorância perante
a palavra de médiuns e espíritos. Essa postura usa argumentos como a
necessidade do indivíduo passar por uma comissão de dirigentes que vai avaliar
se ele está equilibrado o suficiente, afinal o espiritismo deve ser defendido
das trevas e de mentes doentes. Qualquer frase de um médium destacado (mesmo
que claramente preconceituosa, rasa ou falsa) deve ser entendida como verdade,
já que ele é “assessorado pelos espíritos superiores”, que não permitiriam que
o tal médium falasse algo pernicioso.
No fundo, essas duas posturas
são um espelhamento uma da outra. As duas se ancoram na dualidade entre
submissão e autoridade. De um lado entendem que somos caídos, crianças
espirituais (compreendendo criança aqui com incapaz), cegos que precisam dos
espíritos superiores para nos guiar para fora de nossas próprias sombras. De
outro, mostramos nossa evolução e nos diferenciamos da massa ignóbil ao
adotarmos o espiritismo, e por isso defendemos a letra de Kardec, como se ela
estivesse escrita em pedra.
Para começarmos a desconstruir
essas duas posturas, precisamos entender que o espiritismo não é uma obra dos
espíritos, mas sim uma obra com a participação dos espíritos, elaborada e
executada por Kardec e voltada para que os encarnados de antes e de agora
possam vencer o peso da matéria e ver mais longe, entendendo a lógica da
evolução e do fim de cada um, como criatura provinda de Deus.
Por que será que houve um
trabalho como o de Kardec? Atribuir a seus escritos o rótulo de Terceira
Revelação, como é praxe no movimento espírita, é um argumento que não se
sustenta já que não é possível comprová-lo fora do campo da fé. Se olharmos
para a doutrina sem os pesos da submissão e da autoridade, entendemos que ela
foi o resultado de um contexto histórico, em que a razão permitiu colocar certo
método nas comunicações entre vivos e mortos. Uma vez colocado o método, a dita
ciência, vem a filosofia pela análise dos resultados da aplicação do método, e
como isso surgiram os assuntos ligados à moral e à existência de um Deus.
Com esse olhar fica claro que a
investigação de Kardec serve para ampliarmos a percepção da realidade que nos
cerca. Ela mostra que o mundo invisível interage com o visível e que os
fantasmas são tão reais quanto nós, abrindo a possibilidade de filosofarmos
sobre a nossa sorte além do túmulo, nos dando subsídios sobre como melhor viver
aqui na matéria. Essa realidade ampliada é revolucionária. Nesse novo mundo de
imortalidade da alma, de sucessivas vidas, de infinitas oportunidades e eternos
aprendizados, as convenções da sociedade material perdem totalmente o sentido.
As divisões de classe, os privilégios, as castas, tudo se dissolve, virá pó.
Trazer para dentro do espiritismo (através de seu movimento institucional) as
divisões entre os que assistem e os que são assistidos, os que educam e os que
precisam ser educados, os que são santos e seus meros seguidores, é fechar as
portas que Kardec nos abriu. Um mundo de regras rígidas e simplistas é a
inversão completa do espiritismo.
Por tudo isso o Manifesto por um
Espiritismo Kardecista Livre[2]
enfatiza que o espiritismo está em permanente construção, em diálogo com a
pesquisa científica, a reflexão filosófica e a comunicação dos Espíritos, desde
que se mantenham de Kardec o espírito crítico, a observação empírica e o
princípio ético do desinteresse.
Avançar nos dias atuais no
espiritismo é manter o método de Kardec vivo. Uma postura crítica e combativa é
necessária para que a essência libertadora dessa visão ampliada da realidade
seja recuperada e possa nos conduzir na construção de um futuro fraterno e
igualitário. Por que afinal somos todos espíritos em permanente evolução.
Fonte: Associação Brasileira de Pedagogia Espírita (ABPE)
Nenhum comentário:
Postar um comentário