terça-feira, 18 de junho de 2019

François-Simon Louvet, do Havre[1], [2]




             A seguinte comunicação foi dada espontaneamente, em uma reunião espírita no Havre, em 12 de fevereiro de 1863:
Tereis piedade de um pobre miserável que passa há muito por cruéis torturas? Oh! O vácuo... O espaço... Despenho-me... Caio...! Acudam-me! Meu Deus, eu tive uma existência tão miserável! Pobre diabo, sofri fome muitas vezes na velhice; e foi por isso que me habituei a beber, a ter vergonha e desgosto de tudo... Quis morrer e atirei-me... Oh! Meu Deus, que momento! E para que tal desejo, quando o termo estava tão próximo? Orai! Para que eu não veja incessantemente este vácuo debaixo de mim... Vou despedaçar-me de encontro a essas pedras!
Eu vo-lo suplico, a vós que conheceis as misérias dos que não pertencem a esse mundo. Não me conheceis, mas eu sofro tanto...
Para que mais provas? Sofro! Não será isso o bastante? Se eu tivera fome, em vez deste sofrimento mais terrível e, aliás, imperceptível para vós, não vacilaríeis em aliviar-me com uma migalha de pão.
Pois eu vos peço que oreis por mim. Não posso permanecer por mais tempo neste estado. Perguntai a qualquer desses felizes que aqui estão, e sabereis quem fui. Orai por mim.
François-Simon Louvet

Logo depois o Espírito protetor do médium disse:
Esse que acaba de se dirigir a ti, minha filha, foi um pobre infeliz que teve na Terra a prova da miséria; vencido pelo desgosto, faltou-lhe a coragem, e o desventurado, em vez de olhar para o céu como devia, entregou-se à embriaguez; desceu aos extremos últimos do desespero, pondo termo à sua triste provação: atirou-se da torre Francisco I, no dia 22 de julho de 1857. Tende piedade de sua pobre alma, que não é adiantada, mas que lobriga da vida futura o bastante para sofrer e desejar uma reparação. Rogai a Deus lhe conceda essa graça, e com isso tereis feito obra meritória. Estou feliz por vos ver reunidos, meus caros filhos; estou convosco quando vos reunis assim. Estou sempre pronto a vos dar os meus ensinamentos. Se um Espírito bom não pudesse comunicar-se convosco por falta de condições físicas, eu seria seu intermediário; mas estais cercados de Espíritos bons e eu deixo que vos instruam.
Perseverai nos caminhos do Senhor e sereis abençoados. Tende paciência nas provas, não vos recuseis a fazer o bem pela ingratidão dos homens. Em breve os homens serão melhores e os tempos estão próximos. Adeus, meus bem-amados; eu vos acompanho nas vossas tristezas como nas vossas alegrias. A paz esteja convosco.
Teu Espírito protetor

Buscando-se informes a respeito, encontrou-se no Journal du Havre, de 23 de julho de 1857, a seguinte notícia local:
 “Ontem, às 4 horas da tarde, os transeuntes do cais foram dolorosamente impressionados por um horrível acidente:
– um homem atirou-se da torre, vindo despedaçar-se sobre as pedras. Era um velho puxador de sirga, cujo pendor à embriaguez o arrastara ao suicídio. Chamava-se François-Victor-Simon Louvet.
O corpo foi transportado para casa de uma das suas filhas, na rua da Corderie. Tinha 67 anos de idade”.

Observação – Um incrédulo, a quem foi relatado o fato mediúnico, como prova das comunicações de além-túmulo, respondeu: Mas quem sabe se o médium não tinha conhecimento do Journal du Havre e se não construiu o romance com a notícia?
Como se vê, a trapaça é sempre o último reduto dos negadores, quando não se podem dar conta de um fato cuja evidência material não deve ser posta em dúvida. Com eles nem mesmo basta mostrar que não se tem nada nas mãos nem nos bolsos, porque, dizem, os escamoteadores fazem o mesmo e, entretanto, desafiam a argúcia do observador.
A isto perguntamos, por nossa vez, que interesse teria o médium em representar a comédia? Aqui nem se pode supor um interesse de amor-próprio numa coisa que se passa na intimidade da família, quando não se enganaria a si mesmo e aos seus. Aliás, quando a gente quer divertir-se, não se escolhem assuntos desta natureza, pouco recreativos, e não é admissível que uma moça piedosa misture o nome de Deus a uma brincadeira grosseira. O desinteresse absoluto e a honorabilidade da pessoa são as melhores garantias de sinceridade e a resposta mais peremptória a dar em casos que tais.
Além disso, faremos notar o castigo infligido ao suicida.
Morto há seis anos, ele se vê sempre caindo da torre e indo quebrar-se nas pedras; espanta-se com o vazio que há em sua frente; e isto há seis anos! Quanto tempo durará? Ele não o sabe e a incerteza lhe aumenta a angústia. Isto não equivale ao inferno e suas labaredas? Quem nos revelou tais castigos? Nós os inventamos? São os próprios que os sofrem que no-los vêm descrever, como outros descrevem as suas alegrias.




[1] Revista Espírita – Março/1863 – Allan Kardec
[2] N. do T.: Vide O Céu e o Inferno, 2ª parte, capítulo V.

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