Sarah Keating - Da BBC Future - 17 novembro 2017
"Quanto eu tinha mais ou
menos uma semana de idade eu lembro de estar enrolada em um cobertor rosa de algodão",
lembra Rebecca Sharrock. "Por algum motivo, eu sempre sabia quando era a
minha mãe que estava me pegando no colo, eu sempre soube instintivamente disso
e ela era minha pessoa preferida".
Considerando que a memória da
maioria das pessoas não é capaz de gravar acontecimentos anteriores aos quatro
anos de idade, pode ser fácil pensar que a descrição de Sharrock seja um sonho
nostálgico em vez de uma memória real. Mas a mulher australiana de 27 anos não
tem uma memória comum ‒ ela foi diagnosticada com uma síndrome rara chamada
"Memória Autobiográfica Altamente Superior", ou HSAM na sigla em
inglês, também conhecida como Hipertimesia ou Síndrome da Supermemória. Essa
condição neurológica única significa que Sharrock consegue lembrar de absolutamente
tudo que ela fez em qualquer data.
Pessoas com essa síndrome podem
se lembrar instantaneamente e sem esforço algum de qualquer coisa que fizeram,
o que vestiram ou onde estavam em qualquer momento da vida. Elas podem lembrar
de notícias e acontecimentos pessoais com tantos detalhes e com uma exatidão
tão perfeita que são comparáveis a uma gravação.
Ao crescer, Sharrock pensava que
todos lembravam das coisas como ela. Até que um dia seus pais a chamaram para
ver uma reportagem na TV sobre pessoas com HSAM. "Era 23 de janeiro de
2011", lembra ela. "Quando aquelas pessoas começaram a lembrar de
suas memórias, os repórteres diziam 'é incrível'. Eu disse aos meus pais 'por
que eles dizem que isso é incrível, não é normal?'". Seus pais explicaram
a ela que não era normal e que achavam que ela tinha a mesma síndrome.
Memória de infância
Depois de entrar em contato com
os especialistas citados na matéria, Sharrock foi examinada e então
diagnosticada em 2013. A HSAM só foi descoberta por volta do ano 2000 e na
época sabia-se que apenas 60 pessoas no mundo tinham a síndrome.
Por que algumas pessoas nascem
com a Supermemória? As pesquisas ainda estão em andamento, já que existem tão
poucas pessoas com a síndrome no mundo e a área ainda é relativamente nova. Mas
alguns estudos indicam que o lobo temporal (que ajuda no processamento de
memória) é maior nos cérebros das pessoas com HSAM, assim como o núcleo
caudado, que ajuda no aprendizado mas também pode influenciar na síndrome
obsessivo-compulsiva.
Ter uma supermemória significa
que as memórias são gravadas em detalhes vívidos, o que é fascinante em termos
científicos, mas pode ser uma praga para quem tem a síndrome.
Algumas pessoas com HSAM dizem
que suas memórias são muito organizadas, mas Sharrock (que também foi diagnosticado
com transtorno autista) descreve seu cérebro como "entupido" e diz
que reviver memórias lhe dá dor de cabeça e insônia.
Também há um lado obscuro, já
que Sharrock sofreu de depressão e ansiedade por causa disso. Sua memória
extraordinária faz com que ela se sinta em uma máquina do tempo emocional.
"Se eu estou lembrando de algo que aconteceu quando eu tinha três anos,
minha resposta emocional à situação é semelhante à de uma criança de três anos,
mesmo que minha mente e consciência sejam de adulta", diz ela. Essa
disparidade entre cabeça e coração faz com que ela se sinta confusa e ansiosa.
Apesar disso, Sharrock aprendeu a
tentar usar memórias positivas para superar as negativas:
"No começo de todo
mês, eu escolho todas as melhores memórias que tive naquele mês em outros
anos". Reviver acontecimentos positivos facilita na hora de lidar com as
"memórias invasivas" que a fazem se sentir mal.
A supermemória também pode
nos dar uma percepção sem precedentes sobre como bebês e crianças veem o mundo.
Sharrock descreve o que lhe chamou atenção quando era um bebê, assim como
quando aprendeu a caminhar. "Eu estava no meu berço, virei a cabeça e vi
coisas ao meu redor, como o ventilador. Fiquei fascinada por aquilo. Só quando
eu tinha um ano e meio que me antenei, 'por que não me levanto e vou explorar o
que deve ser aquilo?'"
Outro aspecto dessa habilidade é
como ela pode afetar o sono de pessoas com HSAM. Sharrock diz que agora, como
adulta, "eu posso controlar meus sonhos e raramente tenho pesadelos porque
eu penso que se alguma coisa assustadora acontecer eu posso mudar a
sequência".
Mas não foi assim quando era
bebê, já que quando começou a sonhar, por volta dos 18 meses, ela não sabia
diferenciar sonho de realidade. "É por isso que eu chorava à noite",
explica, "mas eu não conseguia verbalizar". Talvez as pessoas com
HSAM tenham uma habilidade maior de viver sonhos lúcidos.
Agora, Sharrock participa de
dois projetos de pesquisa da Universidade de Queensland e da Universidade da
Califórnia em Irvine e espera que as descobertas ajudem as pessoas que sofrem
com o mal de Alzheimer. Apesar de ter memórias claras de tudo que lhe acontece,
só há um acontecimento que ela não lembra ‒ seu nascimento.
"É o único aniversário que
eu não lembro", diz ela. "Eu não tenho memórias do útero ou de estar
saindo da minha mãe, nada disso. Mas eu não acho que gostaria de lembrar
disso".
Apesar de sua mente ser como um
CD no modo repeat, Sharrock diz que
não mudaria nada. "Devido ao meu autismo, eu não gosto de mudar nada. Eu
quero continuar pensando e sentindo da maneira que faço porque é como eu sempre
pensei e senti, eu só gostaria de achar formas de lidar com isso", diz
ela. "É a pessoa que eu sempre fui...Quero me manter assim".
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