Marcelo Teixeira
A tragédia ocorrida na cidade
mineira de Brumadinho (janeiro de 2019) me compele a escrever sobre resgate de
vidas passadas, tema que, a meu ver, precisa ser mais bem explicitado.
No programa “Encontro com a
Fátima” (TV Globo) de 31 de janeiro de 2019, o jornalista e ambientalista André
Trigueiro traçou um vasto e lamentável painel da situação. Segundo ele, “a
gente não deve cometer a imprudência de chamar de acidente. Foi crime. Existe
uma relação promíscua de certos setores que representam o povo – setor público
– com certos empresários inescrupulosos ligados à mineração”.
Ainda de acordo com o
jornalista, há formas bem mais modernas e seguras de armazenar rejeitos de
minérios, como praticado em países como Chile e Costa Rica. Há muito eles
deixaram para trás as barragens, sistema de baixo custo de implantação e
manutenção e ao mesmo tempo de alto impacto em casos de acidente, como
infelizmente temos atestado.
A questão torna-se ainda mais
grave pelo fato de, conforme afirmado pelo André, haver no Brasil 24 mil
barragens. Dessas, 46% não possuem licença ou autorização para existir.
Clandestinas, portanto. Além disso, 3,5 milhões de brasileiros vivem no entorno
de barragens sobre as quais há suspeição no tocante à segurança. Para
completar, o número de fiscais é deveras insuficiente e preocupante.
Trigueiro aprofunda a questão.
Nosso país “está ostentando dois recordes muito ruins. Mariana (outra cidade
mineira vítima de desastre semelhante, em 2015) é a maior tragédia ambiental
envolvendo rejeito de minério. Destroçou uma bacia hidrográfica inteira – a do
Rio Doce –, bem como o litoral do Espírito Santo. Brumadinho caminha (se é que
já não chegou) para ser a de maior em número de vítimas fatais”. E salienta: “A
mineração é o terceiro setor mais importante da economia. Cinco por cento do
PIB (Produto Interno Bruto) vêm dela. Vinte bilhões de dólares de minérios
exportados em 2018. Como não somos top em segurança?”
Entrando nessa lamentável conta,
temos a questão ambiental. Houve uma perda referente a 400 campos de futebol
num local que é área de proteção permanente. Isso engloba também fauna, flora e
nascentes de rios. Uma área, inclusive, que vinha perdendo turistas e fazendo o
setor hoteleiro local lamentar o fato de a natureza outrora exuberante estar se
transformando em barro revirado.
André Trigueiro – e também
Fátima Bernardes, jornalista e apresentadora do programa – relembraram, então,
outras tragédias ocorridas por descaso e incompetência. Entre elas, a da boate
Kiss (janeiro de 2013) na cidade de Santa Maria (RS). Na ocasião, um material
inflamável foi imprudentemente aceso por um dos integrantes da banda Gurizada
Fandangueira, que se apresentava no local. O resultado foi um incêndio que se
alastrou rapidamente e que teve acentuado número de mortos (241) pelo fato de o
estabelecimento não ter alvará do Corpo de Bombeiros para funcionar, extintores
de incêndio acessíveis e rotas de fuga bem sinalizadas. André, inclusive, chama
atenção para o fato de que, hoje, não seria difícil encontrar casas noturnas
funcionando nas mesmas condições precárias da Kiss. O mesmo descaso se dá
quando nos vêm à mente, conforme observado por Fátima, derramamentos de óleo
ocorridos na Baía de Guanabara e o incêndio do Museu Nacional da Quinta da Boa
Vista (RJ). Por minha conta, incluo os recorrentes deslizamentos de encostas e
transbordamentos de rios, que ceifam vidas constantemente no Brasil.
Onde que o resgate de débitos
cometidos em vidas passadas entra nesses tristes episódios? Explico. Por
ocasião da tragédia em Brumadinho, ouvi alguns espíritas, entre conhecidos e
anônimos, dizerem que as vítimas decerto estão resgatando um débito grave de
vidas passadas. Em algum ponto do passado, foram responsáveis por um evento
trágico que gerou muitas mortes. Por isso, foram atraídas magneticamente a
Brumadinho a fim de resgatarem esse débito.
A literatura espírita mostra
inúmeras tragédias que, de fato, serviram para que espíritos endividados
coletivamente resgatassem dívidas oriundas de vidas passadas. No entanto, acho
imprudente e leviano afirmarmos que toda e qualquer tragédia ocorre por causa
disso.
Sou um espírito imortal
temporariamente abrigado num corpo de carne. Por mais que eu tenha ciência de
minha personalidade, virtudes, vícios, tendências etc., não sei o que está
programado para mim a ponto de afirmar que um eventual acidente de carro que eu
sofra tenha a ver com um resgate de algo que fiz em vidas passadas. Ele pode
ocorrer simplesmente por imprudência minha ou do outro motorista envolvido. Em
suma: eu não tenho acesso ao meu, digamos, dossiê reencarnatório. E se eu não
tenho acesso a ele, ao dos outros é que eu não vou ter mesmo! Como posso,
então, afirmar categoricamente que as vítimas de Brumadinho foram reunidas
naquele local para resgatarem débitos de vidas passadas? Isso é reduzir o
pensamento espírita a um lugar comum que nos acomoda no marasmo das
generalizações e foge à abordagem filosófica da Doutrina Espírita. Afinal,
filosofia propõe questionar e analisar, à luz da razão, todo e qualquer fato
sem cair em generalizações apressadas.
Como podemos ter certeza de que
incêndios, enchentes, naufrágios etc. acontecem para que os culpados de séculos
atrás resgatem eventuais débitos? Não podemos. E precisamos aprender a conviver
com essa limitação. O fato de sermos espíritas não nos dá livre acesso às
deliberações do lado de lá. Seria muita pretensão nossa acharmos que o
conhecimento à luz da imortalidade da alma nos autoriza a isso.
Houve resgates de encarnações
pretéritas em Brumadinho, Santa Maria, no voo que matou o time de futebol da
Chapecoense etc.? Talvez. Mas não nos compete avaliar, muito menos afirmar
categoricamente.
Certa vez, ouvi do expositor
espírita Geraldo Guimarães algo muito interessante em relação a uniões felizes:
– Quem disse que o cônjuge que ora nos faz tão feliz é um amor de vidas
passadas que reencontramos nessa encarnação? E se for alguém que simplesmente
cruzou o nosso caminho na atual existência e, por afinidade de ideais e temperamento,
hoje está conosco sob os auspícios da Providência Divina, que viu com bons
olhos a aproximação e concluiu que seria uma boa experiência para ambos? Um
grande amor, portanto, não precisa estar vinculado a compromissos passados.
Pode estar começando agora.
Dá-se o mesmo em relação a
tragédias como as de Brumadinho. Pode ser que tenha sido algo relacionado a
resgates pretéritos. Ou então, a tragédia simplesmente aconteceu por
incompetência, descaso, ganância e, aí sim, gerou um débito que os responsáveis
resgatarão futuramente e que não temos como avaliar quando e como será.
Remetamos às desgraças pelas
quais a humanidade já passou. Escravidão, Cruzadas, Santa Inquisição, I e II
Guerra Mundial. Será que todas tinham de acontecer para as vítimas saldarem
dívidas de vidas passadas? Ou aconteceram porque o ser humano ainda é essa
coisa tosca que se pauta no desamor para construir a História com fatos
lamentáveis?
Se tivermos uma atitude mais cidadã e combativa, se votarmos
melhor e nos pautarmos pelo amor e o respeito ao próximo, esse mundo será um
lugar bom para todos. Isso inclui mais segurança em barragens, rios dragados,
boates sinalizadas e equipadas, profissionais mais bem pagos e treinados,
justiça ágil e eficiente para todos, crescimento ecologicamente sustentável,
política livre de vícios morais, saúde e educação de qualidade para todos etc.
E também solidariedade e empatia quando o assunto é lidar com a dor do próximo.
Tragédias acontecem. Não estamos livres delas. No entanto,
acho preferível que elas ocorram sem a colaboração da irresponsabilidade de
certos indivíduos. E quando acontecerem, enfatizo, não compete aos espíritas
avaliar se houve ou não resgate coletivo. Compete-nos, sim, entre outras
coisas, lutarmos para que fatos como os de Brumadinho não mais advenham. Isso
significa amor ao planeta que nos abriga, ao país e ao próximo, algo que Jesus
pregou há mais de 2.000 anos e que o Espiritismo tão bem resgata.
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