Ademir Xavier
A maior parte das pessoas
frequentemente emprega as mesmas palavras para designar coisas diferentes. As
pessoas têm mais intuição do fenômeno da polissemia do que uma compreensão
racional imediata dele. Tomemos como exemplo a palavra "amor". Pode-se
compor um dicionário inteiro com diferentes significados dessa palavra,
claramente polissêmica. E esse fenômeno ocorre em muitos outros idiomas. Porém,
no caso de "amor", não parece existir divergências quanto ao seu uso,
já que o significado é dado pelo contexto em que a palavra é empregada. O que
"amor" realmente significa é tão fácil de ser apreendido pelo
contexto que mais informações são desnecessárias.
Coisa bem diferente ocorre
quando a palavra é pouco usada ou está inserida em um contexto pouco usual (por
exemplo, científico). Podem então surgir confusões consideráveis. Isso é o que
acontece com o significado do termo "magnetismo", principalmente se
usado sem cuidado ou na mistura entre Espiritismo e outros assuntos. Alguns
comentários elucidativos são abordados neste post.
Origens da palavra
Frequentemente, a multiplicidade
de significados está ligada à origem das palavras. No caso de
"magnetismo", é importante conhecer sua origem. Segundo a monumental
obra de Wittaker (1),
Os antigos estavam cientes
das propriedades curiosas de dois minerais, o âmbar (ηλεκτρον) e o minério de
ferro (η λιτθος Μαγητισ). O primeiro, quando atritado, atraia corpos leves; o
último tinha o poder de atrair o ferro.
A referência (1) também cita o
conhecimento chinês muito antigo da propriedade de atração dos magnetos. Em (2)
encontramos indicações sobre a origem da palavra propriamente dita:
Na Grécia, Aristóteles
reportou que Tales de Mileto (625 a.C. - 547 a.C.) conhecia a pedra-ímã, e
Onomácrito nos forneceu o mais antigo nome que se refere a ele, o magnetes que evoluiu para magnitis, de onde se deriva o termo
moderno magnetita. Sófocles (495 a.C. - 406 a. C.) chama a pedra-ímã de
"rocha Lidiana", enquanto que Platão (427 a.C.- 347 a.C.) no
"Timeu" a denomina "rocha Heraclitiana". Esses vários nomes
sugerem que, na antiguidade Greco-Romana, os primeiros magnetos eram feitos de
minérios encontrados em Sípilo, próximo a uma cidade da Ásia menor chamada
"Magnesia ad Sipylum". Essa
cidade é a origem da palavra "magnetismo" e "magnetita".
(grifo meu)
Outra referência à
"Magnesia de Sípilo" (atual Manisa na Turquia) pode ser encontrada em
(3). Essa mesma fonte diz que o próprio nome Magnesia "deriva da tribo dos
magnetes, que imigraram para a região vindos de Magnésia, na Tessália". Para complicar ainda mais, existe uma
outra Magnésia próxima a Manisa, chamada "Magnesita de Meandro" (3).
De qualquer forma, o significado físico de magnetismo é
anterior ao que foi dado no Século XIX para o magnetismo animal, o que, portanto, difere daquele que aparece
citado em várias obras de Kardec (6). Ainda segundo (1), William Guilbert
(1540-1603):
...fez a descoberta capital
sobre a razão porque magnetos se orientam de forma definida com respeito à
Terra; que é, do fato de a Terra ser ela mesma um grande magneto, tendo um dos
polos nas latitudes mais ao norte e outro nas mais ao sul. Assim foi a
propriedade da bússola descrita pelo mesmo princípio, de que o polo que busca o
norte de todo magneto é atraído pelo polo que busca o sul de outro magneto, e é
repelido pelo que busca o norte deste último. Gilbert foi além e conjecturou
que as forças magnéticas seriam capazes de explicar a gravidade da Terra e o
movimento dos planetas.
Modernamente, magnetismo é
descrito como:
Uma classe de fenômenos
físicos que são mediados por campos magnéticos (4);
Fenômeno associado a campos
magnéticos que surge do movimento de cargas elétricas. Esse movimento ocorre de
várias formas. Pode ser uma corrente elétrica em um condutor ou uma partícula
carregada movendo-se no espaço, ou o movimento de um elétron em um orbital
atômico. O magnetismo está associado a partículas elementares tais como o
elétron que tem uma propriedade chamada spin. (5)
Entra o conceito de
"ação a distância"
A ação do magneto fornece uma
imagem viva da atuação do que parece ser uma força invisível, que atua a
distância. Se hoje nos maravilhamos com esse fenômeno, não menos assombrados
ficaram os antigos. De acordo com (1):
Agora, um dos problemas da
filosofia natural era resolver o problema da ação transmitida entre corpos que
não estavam em contato um com o outro, tal como aqueles indicados pela ação dos
magnetos ou pela conexão entre a posição da lua de um lado e o fluxo das marés
de outro.
Para os antigos gregos, não
poderia haver força se não fosse por ação da pressão ou do contato. Logo,
deveria haver a intervenção de um meio que causasse o fenômeno. Essa ideia foi
incorporada na física de Descartes, que surgiu quase que ao mesmo tempo de
Newton e que defendia a existência de uma substância sutil a permear todo o
espaço. Essa substância seria responsável pela força de atração e repulsão nos
fenômenos do magnetismo (físico), eletricidade e gravitação (1):
Descartes tentou explicar
os fenômenos magnéticos por sua teoria dos vórtices. Adotando a sugestão de
Gilbert, ele postulou um vórtex de matéria fluídica ao redor de cada magneto, a
matéria do vórtex entrava em um polo e saia pelo outro: assumia-se que essa
matéria atuava sobre o ferro e o aço em virtude de uma resistência especial ao
seu movimento garantida pelas moléculas dessas substâncias.
Identificamos nos vórtices de
Descartes a ideia antiga de um fluido a impregnar todo o espaço, o famoso éter, que foi usado para explicar a ação
a distância e a propagação da luz. Entretanto, a teoria dos vórtices de
Descartes foi abandonada diante do triunfo de Newton e seus seguidores com a
teoria da gravitação, que dispensava qualquer mecanismo tangível responsável
por sua força. A teoria de Newton era eminentemente pragmática, sua proposta
representou acima de tudo um rompimento com a filosofia e sua busca por causa
mais profundas dos fenômenos. Para os adeptos de Newton, isso não era
necessário porque a teoria já permitia medir e calcular tudo o que fosse de
fato possível saber sobre o fenômeno (7):
Não fui capaz de descobrir
a razão para essas propriedades da gravidade a partir dos fenômenos e não faço
hipóteses. Pois, o que quer que não seja dedutível dos fenômenos precisa ser
chamado de hipótese; e hipóteses, sejam elas metafísicas ou físicas, baseadas
em qualidades ocultas ou mecânicas, não tem lugar na filosofia experimental.
Nessa filosofia, proposições particulares são inferidas a partir dos fenômenos
e, depois, generalizadas por meio da indução.
A cisão introduzida por Newton
perdura até hoje. A maior parte das teorias da Física, entretanto, substituiu
esse agente sutil por outros responsáveis pela força.
Ação de um fluido
Ainda que a física Newtoniana
tivesse dispensado o uso de uma substância intermediária responsável pela força
de ação a distância, seu uso como agente explanativo continuou a ser feito por
cientistas por boa parte dos Séculos XVIII e XIX. Isso pode ser lido na
diversas referências históricas nos desenvolvimentos das teorias da
eletricidade (1):
Um interesse em
experimentos elétricos parece ter sido passado por du Fay para outros membros
da corte de Luís XV; e, de 1745 em diante, as Memórias da Academia contêm uma série de trabalhos sobre esse tema
de autoria de Abbé Jean-Antoine Nollet (1700-1770), que foi nomeado preceptor
em Filosofia Natural da família real. Nollet explicou os fenômenos elétricos
como devidos ao movimento de duas correntes de fluido 'muito sutis e
inflamáveis' em direções opostas, que ele supunha estarem impregnados em todos
os corpos em iguais circunstâncias. Quando um corpo do tipo 'elétrico' é
excitado por fricção, parte desse fluido escapa de seus poros formando uma corrente efluente. Sua perda é
contrabalançada por uma corrente afluente
desse mesmo fluido que entra no corpo do outro lado.
...
A ideia de dois tipos de fluidos
elétricos, um 'positivo' e outro 'negativo' deu origem mais tarde à noção de
'corrente elétrica' em experimentos de eletricidade dinâmica. Ela foi usado de
forma fértil por grande parte dos "eletricistas" como uma heurística
orientadora de experimentos e pesquisas. E, a partir das explicações criadas
para a eletricidade estática, algo parecido foi aventado para o magnetismo (1):
A promulgação da teoria do
fluido elétrico único na eletricidade, em meados do Século XVIII, naturalmente
resultou em tentativas semelhantes com o magnetismo; o que foi efetivado em
1759 por Aepinus, que supôs serem os 'polos' dos imãs lugares impregnados de fluido magnético em quantidade excedente
ou em falta em relação às condições normais.
A teoria do fluido magnético foi
adotada pelo ilustre físico eletricista francês Charles A. de Coulomb
(1736-1806), cujo sobrenome deu origem à unidade de carga elétrica. Para ele, o
magnetismo se devia a decomposição de um fluido neutro em dois fluidos
magnéticos (1). Na física, o uso de teorias envolvendo tipos diferentes de
fluidos magnéticos foi abandonado por volta de 1850, com a descoberta de outros
tipos de magnetismo, como o paramagnetismo e o diamagnetismo. Isso deu origem à
teorias moleculares para explicar o magnetismo e a necessidade de se ter um
fluido magnético foi descartada nas mesmas bases da teoria de Newton.
Corpos celestes que sofrem ação
invisível de objetos distantes e que compõem a imagem do Universo em grande
escala. Objetos ferrosos que são atraídos por algumas pedras especiais, sob
quaisquer condições e mesmo embaixo d'água. Fluidos imponderáveis e invisíveis,
supostamente trocados entre outros tipos de objetos após fricção no ar seco.
Eletricidade vítrea e ambárica causadas pela emissão de eflúvios sutis. Esse
era o "ambiente teórico" da física no final do Século XVIII e que
serviu de palco para o surgimento do magnetismo animal, conforme veremos no
próximo post.
Referências
(1) Whittaker E (1951). A History of the Theories of Aether and
Electricity. "The Classical Theories",vol. 1, London: Thomas Nelson
and Sons Ltd.
(2) du Trémolet de
Lacheisserie E, Gignoux D & M. Schlenker (2002). Magnetism I, Fundamentals.
Dordrecht, NE: Kluwer Academic Publishers Group.
(5) Enciclopédia Britânica:
https://global.britannica.com/science/magnetism
(6) "O Livro dos
Espíritos", IV Parte: Das Esperanças e Consolações, "Conclusão".
Versão www.ipeak.com.br
(7) Isaac Newton (1726). Philosophiae Naturalis Principia Mathematica,
General Scholium. Third edition, page 943 of I. Bernard Cohen and Anne
Whitman's 1999 translation, University of California Press ISBN 0-520-08817-4,
974 pages.
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