Ademir Xavier
É vaidade imaginar que se pode introduzir
uma nova filosofia ao refutar um ou outro autor.
Primeiro, é necessário ensinar a reforma do espírito humano,
e torná-lo capaz de distinguir a verdade da falsidade...o que só Deus
pode fazer!
Galileu Galilei
É importante que o espírita,
principalmente aquele que se dedica à argumentação nos tempos conturbados das
opiniões democráticas das redes sociais, preste atenção antes de tudo à
natureza do argumento espírita. Como bem demonstrou Schopenhauer[2],
para se vencer um embate argumentativo não é necessário estar certo. A vitória
demonstrada por Schopenhauer depende do grau de sugestibilidade da plateia, em
sua facilidade de convencimento por argumentos psicologicamente fortes, mas não
necessariamente certos. Disso vem que o embate muitas vezes é aparentemente
vencido por quem tem melhores predicados retóricos e não conhecimentos
filosóficos ou científicos.
Como entendemos que o primeiro
compromisso do espírita deve ser com a verdade, recomenda-se meditar
profundamente sobre o tipo de argumento ou contra-argumento apresentado em
qualquer discussão. Com relação aos embates que envolvem o Espiritismo ‒
conforme apresentada por A. Kardec e os Espíritos ‒ são escassas as chances de
falha se o objetivo for defender a verdade e promover o progresso e não
simplesmente ganhar uma discussão. Em
síntese: mais vale sair certo porém
vencido em uma discussão do que vitorioso na mentira.
Em que pese a divisão bastante
didática, apresentada por Kardec, do Espiritismo como religião, ciência e
filosofia, convém não se esquecer de que as bases sobre as quais se fundamenta
todo esse alicerce é de natureza empírica. Não foi se não por meio de uma
cadeia de raciocínios lógicos que Kardec chegou à conclusão de que seria
possível questionar os Espíritos, que eram apenas as almas dos falecidos e não,
como supunham as religiões dogmáticas, almas penadas ou demônios, iniciando uma
revolução ainda não totalmente compreendida pelo pensamento humano. A
sobrevivência da alma é um fator chave para a revolução desse pensamento, algo
que não poderia se basear tão somente em uma assunção mantida pela afirmação de
uma crença. Ela teria que ser demonstrada experimentalmente, de onde se extrai
toda sua força.
A comunicabilidade (base
empírica) levaria imediatamente à conclusão da sobrevivência (conhecimento)
como corolário da interação entre humanos e desencarnados. Então, assim como é
possível perguntar a um povo indígena recém-descoberto sobre seus costumes e
crenças, também seria possível perguntar aos Espíritos sobre sua condição de
vida no além-túmulo. Eis ai a pedra de toque de Kardec: diante dela caem todos
os argumentos daqueles que pretendem destruir o espiritismo filosófico fora do
contexto "experimental" da sobrevivência. Essa é a razão também para
se concluir, como fez Kardec, que o argumento espírita jamais terá natureza
dogmática.
Dogmas são desnecessários quando
se explicam as coisas em conformidade com as leis da Natureza[3].
Em suma, de que adianta
contrapor milênios de crenças fundamentados em tradições, em conclusões
aparentemente justas, mas baseadas em premissas imaginadas, se basta uma
simples entrevista com um desencarnado para se conhecer o estado de ventura ou
sofrimento a que a alma está sujeita conforme foram suas ações durante a vida?
Por mais respeitáveis e bem apresentadas que sejam, tradição e cultura
religiosas ou argumentação cética, sejam elas oportunistas ou sinceras, de nada
servem frente à manifestação de leis naturais que sempre existiram, mas que os
homens, por ignorância, deixaram de valorizar porque suporam que jamais seria
possível conhecer cientificamente tais assuntos.
Assim, o Espiritismo representa
verdadeiramente avanço no conhecimento humano tanto quanto foi um avanço
perceber que seria possível usar as forças da Natureza (eletricidade,
magnetismo, calor) em benefício da suavização do trabalho humano e do progresso
material pela multiplicação dos meios de produção. À evolução do progresso
material, o Espiritismo acrescentou a possibilidade da aceleração do progresso
moral pelo conhecimento e bom aproveitamento das leis que regem as recompensas
ou reparações em conformidade com as ações durante a vida. O Espiritismo
forneceu assim as bases para a justificativa científica das máxima evangélicas,
não como imposições de um Deus vingativo em que se acredita, mas como
consequências lógicas da ação de leis automáticas de evolução incessante, que
operam no âmago da consciência de cada indivíduo.
Entretanto, parece pequeno o
contingente de espíritas que conhecem a força do eixo empírico dado por Kardec
a toda argumentação espírita. Ela torna quase que inabaláveis as deduções
filosóficas e morais do Espiritismo. Uma prova dessa força se encontra na
malícia de alguns inimigos do Espiritismo. Essa foi a razão para o surgimento
de tantos "padres parapsicólogos" que passaram a desconstruir
aparentemente a descoberta espírita, disseminando teorias ridículas,
fantásticas ou aparentemente em "acordo" com a ciência, sendo que
essa última nunca teve interesse em pesquisar seriamente a sobrevivência. Sabiam eles que, destruídas as possibilidades
de comunicação, a defesa de suas próprias concepções religiosas poderia ter
alguma chance de triunfo. Tratava-se, porém, de uma velha tática sem sucesso,
que já fora usada muitas vezes contra os próprios avanços da ciência material.
Entendemos a importância de
muitos argumentos que têm por fundamento bases filosóficas e religiosas exclusivamente.
Porém, tal como ocorreu nas ciências, o peso das descobertas sobre como
realmente funciona a Natureza (do ser, da vida maior, da relação entre espírito
e corpo etc.) ainda terá que ser melhor valorizado pelos que gostam de debates
sem levar em conta esses fundamentos. Uma vez convencidos de sua importância,
nossa visão se aclara e reconhecemos os erros do passado e a pretensão dos que
seguem as escuras sem as luzes providas pela evidências sobre como as coisas de
fato acontecem no Universo. Além disso, os argumentos com base natural reforçam
todos os outros dele derivados (seja filosóficos ou religiosos), provendo uma
base ainda mais sólida para a crença, ou seja, uma base que não poderá ser
abalada por qualquer descoberta científica, visto que ela mesma se baseia
nessas descobertas.
[1] http://eradoespirito.blogspot.com/2018/11/a-natureza-do-argumento-espirita.html
[2] A. Schoepenhauer (2003). Como vencer um debate sem ter razão. Ed. Topbooks. 1ª Ed. Trad. O.
de Carvalho.
[3] Disso segue também que dogmatismo nas ciências não tem
sentido: é mais fruto da ignorância humana e do mau uso que faz do
conhecimento. Quando a criatura é vaidosa ou arrogante, ela faz do pouco que
sabe sua arma de autoafirmação. Com isso passa a defender de forma dogmática
esse saber (ou o que ela aparenta saber de forma precária) como se a sua vida
(na verdade, sua reputação) dependesse dele para existir.
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