Abaixo relato de Albert de
Rochas com relação ao desenvolvimento e a manifestação da mediunidade de
Eusápia Paladino.
As primeiras manifestações
mediúnicas coincidiram com a idade da puberdade, aos treze ou quatorze anos.
É uma coincidência encontrada em
quase todos os casos em que observamos a singular propriedade da produção dos
movimentos à distância.
Nessa época de sua vida, notamos
que as sessões espíritas às quais era convidada tinham muito mais sucesso
quando ela sentava-se à mesa. Mas elas cansavam-na e aborreciam-na, e ela
absteve-se de participar delas durante oito ou nove anos.
Foi somente aos vinte e dois ou vinte
e três anos que a cultura espírita de Eusápia teve início, orientada por um
espírita, o senhor Damiani[2]. Foi
então que apareceu a personalidade de John King, que a possuía quando ela
entrava em estado de transe[3]. Esse
John dizia ser o irmão de Katie King[4]
de Crookes, e ter sido o pai de Eusápia em outra existência. Era John
quem falava quando Eusápia estava em transe. Ele falava dela, chamando-a de
"minha filha" e dava conselhos sobre a maneira como ela devia ser
tratada. O senhor Ochorowicz pensava que esse John era uma personalidade criada
na mente de Eusápia pela reunião de certa quantidade de impressões recolhidas
nos diferentes meios aos quais sua vida foi ligada. Essa seria quase a mesma
explicação para as personalidades sugeridas pelos hipnotistas e para as personalidades
observadas pelos senhores Azam, Bourru[5]·, Burot[6]
etc. Pensamos ter notado que Eusápia se preparava, consciente ou
inconscientemente, para a sessão, diminuindo sua respiração que permanecia
regular; ao mesmo tempo, o pulso acelerava-se gradualmente de oitenta e oito para
cento e vinte pulsações por minuto e tomava-se extremamente vigoroso. Seria uma
prática análoga à utilizada pelos faquires da Índia, ou um simples efeito da emoção
que, antes de cada sessão, Eusápia sentia - pois fazia muita questão de
convencer os espectadores, mas nunca tinha certeza da produção dos fenômenos?
Eusápia não era hipnotizada. Ela
entrava sozinha em transe quando participava da corrente de mãos.
Começava a suspirar muito
profundamente, depois começava a bocejar, soluçar. Seu rosto passava, a seguir,
por uma série de expressões diferentes. Ora ele assumia uma expressão demoníaca,
acompanhada de um riso entrecortado idêntico ao que Gounod dá a Mefistófeles na
ópera Fausto e que sempre precedia um fenômeno importante. Ora ele
enrubescia; os olhos tornavam-se brilhantes, úmidos e muito abertos; o sorriso
e os movimentos caracterizavam o êxtase erótico; ela dizia "mio caro"
(meu querido), apoiava-se no ombro do seu vizinho e quando o achava simpático,
procurava carícias. Era então que se produziam os fenômenos, cujo sucesso lhe
provocava arrepios agradáveis, até voluptuosos. Durante esse tempo, as pernas e
os braços encontravam-se em um estado de grande tensão, quase de rigidez, ou,
então, tinham contrações convulsivas, às vezes uma trepidação, que se estendia
pelo corpo inteiro.
A esses estados de
superatividade nervosa sucedia um período de depressão, caracterizado pela
palidez quase cadavérica do rosto, que muitas vezes se cobria de suor, e pela
inércia quase completa dos seus membros. Se levantássemos sua mão, ela caía
pelo seu próprio peso.
Durante o transe, os olhos
reviravam-se para cima e só o branco era visível. A presença de espírito e a
consciência geral eram diminuídos ou mesmo abolidos: diante das questões, não
havia resposta ou a resposta era retardada. Assim, a lembrança do que aconteceu
durante as sessões não existia para Eusápia, a não ser quanto aos estados muito
próximos ao seu estado normal e, consequentemente, eles eram geralmente
relativos somente aos fenômenos de pouca intensidade.
Frequentemente, para ajudar as manifestações,
ela pedia que lhe déssemos força, colocando uma pessoa a mais na corrente.
Várias vezes, acontecia-lhe de chamar um participante simpático, segurar-lhe os
dedos e apertá-los como para deles extrair alguma coisa e, a seguir, rejeitá-los
bruscamente, dizendo que ela já tinha força suficiente.
À medida que o transe se
acentuava, a sensibilidade à luz aumentava. Uma luz súbita causava-lhe
dificuldade de respirar, aceleração dos batimentos cardíacos, sensação de bola
histérica[7],
irritação geral dos nervos, dor de cabeça e nos olhos, tremores no corpo
inteiro e convulsões, exceto quando ela própria pedia luz (o que acontecia com frequência
quando havia constatações interessantes que deviam ser feitas a respeito dos
objetos deslocados), pois, então, sua atenção estava voltada para outras
coisas.
Ela se movia constantemente
durante o período ativo das sessões: poderíamos atribuir esses movimentos às
crises de histeria que então a acometiam; mas eles pareciam ser necessários à
produção dos fenômenos. Todas as vezes que um movimento devia se produzir à
distância, ela o simulava, seja com as mãos, seja com os pés, e desenvolvendo
uma força bem mais considerável do que seria necessário para a produção do
movimento com contato.
Eis o que ela própria conta de
suas impressões quando quer produzir um movimento à distância:
Primeiramente, ela deseja ardentemente executar o
fenômeno; depois ela sente entorpecimento e arrepios nos dedos. Essas sensações
aumentam sempre e, ao mesmo tempo, ela sente na região inferior da coluna
vertebral uma espécie de corrente que se estende rapidamente para os braços até
os cotovelos, onde para suavemente. É então que o fenômeno acontece.
Durante e após a levitação das
mesas, ela sentia dor nos joelhos; durante e após a realização dos outros
fenômenos, sentia dor nos cotovelos e nos braços inteiros.
[2] Giovanni Damiani, italiano, professor e estudioso do
espiritismo.
[3] Demos o nome de transe (os ingleses escrevem trance)
ao estado especial no qual entram os médiuns quando eles perdem a consciência
do meio ambiente. É uma espécie de sono sonambúlico.
[4] Katie King era o suposto espírito que se manifestou em
fins do século XIX através da médium Florence Cook, uma jovem de quinze anos.
[5] Henri Bourru, médico francês.
[6] Prosper Ferdinand Burot, médico francês.
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