quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Fotomedicina: O futuro da medicina é brilhante[1]



Dr. Álvaro Antonio Alencar de Queiroz[2]


“Porventura compreendeis a expansão da Terra... o caminho da Morada da Luz... ou o local da escuridão...?” (Livro de Jó)


Quando tudo corre suavemente em nossas vidas, a maioria de nós tende a pensar que a sociedade na qual vivemos é “natural” e que nossas ideias sobre o mundo são inquestionavelmente verdadeiras. É difícil imaginar como outras pessoas, em outras eras e lugares, viveram do modo como viveram ou que acreditaram em certas coisas. E é assim que aconteceu com as teorias sobre a luz.
Diversas teorias sobre a natureza da luz e como ela se comporta foram propostas desde os tempos dos filósofos gregos, através de suas observações pura e simples da natureza.
Os antigos filósofos gregos acreditavam que o olho humano teria a capacidade da visão porque a deusa Afrodite incluiu o fogo na sua composição[3].                                         
A luz que percorre o universo é resultante de processos complexos que se passam a nível estelar. A ciência nos mostra que a luz vagou através dos tempos como as ondas, ora batendo em praias de liberdade, ora em praias de escravidão; ora caindo na escuridão da inquisição medieval, ora renascendo e trazendo de volta os valores humanos. Assim acreditava o físico holandês Christian Huygens (1629-1695), que a luz se propagava no espaço como uma onda, como as ondas de um oceano.
Discordâncias a parte, pois o físico inglês Isaac Newton (1643-1727) argumentava em favor de uma teoria corpuscular para a luz; são as descobertas do século XIX sobre a fotografia, ótica e sobre o funcionamento da visão que possibilitaram a exploração de novos parâmetros e concepções de jovens pintores preocupados com uma nova forma de expressar a luz em seus quadros. A luz, objeto de pesquisa científica, tornou-se o assunto da época e invade as artes aguçando os sentidos e o prazer sensorial. Nascia assim, numa tarde fria de abril de 1874, na cidade de Paris, no ateliê do fotógrafo Maurice Nada, o Impressionismo. No Impressionismo, após a decomposição do real, a luz é utilizada como o elemento de construção da matéria. Os impressionistas não pintam as coisas, mas as luzes refletidas por elas. Semelhantemente aos gregos, os artistas impressionistas também não faziam discernimento entre a luz e a visão uma vez que o contorno do desenho tem um caráter indeterminado porque não se deixa discernir.
O impressionismo de Claude Monet (A Ponte de Argenteuil - 1874). Monet pintava ao ar livre e era um incansável pesquisador das técnicas de pintar o reflexo da luz solar, principalmente quando refletida nos seres humanos e/ou na natureza. Para obter os efeitos desejados, Monet pintava o efeito das luzes com rápidas pinceladas. Sua obra é clara, limpa e cheia de cores, onde até mesmo as sombras são luminosas e coloridas[4].
Através das tecnologias desenvolvidas nos séculos XIX e XX tornou-se possível decodificar as informações transportadas pela luz e isso levou a uma compreensão significativamente maior do universo que nos envolve. Moléculas diferentes e elementos químicos absorvem frequências ou cores diferentes de luz, algumas vezes visíveis e outras vezes em qualquer outra parte do espectro eletromagnético invisível ao olho humano. Tornou-se, então, possível a investigação da composição química da Terra ou de planetas e estrelas distantes. Descobriu-se quão vastas são as diversidades de fenômenos da Natureza e quão ricas são as informações escondidas na luz.  
A luz carrega informações importantes e pode ser utilizada para examinar não só a composição química de nosso planeta, mas também a de planetas distantes[5] e da estrela responsável pela vida na Terra, o nosso Sol[6]. No caso da Terra, o espectro do Sol é de emissão, isto é, as linhas de emissão dos elementos químicos são correspondentes às linhas negras do espectro solar.
Os séculos XX-XXI marcam uma forte sinergia entre os criadores da tecnologia (engenharia) e as ciências da Natureza (química, biologia, física). Os processos sinérgicos operam há muito tempo em vários níveis hierárquicos da Natureza e muitas vezes escapam à percepção comum. Na ciência e tecnologia isto não é diferente, particularmente dentro do campo das ciências e tecnologias aplicadas à saúde humana.
Foi graças à sinergia que, há aproximadamente quatro décadas, surge uma nova área na medicina utilizando a luz para o tratamento do câncer: a fotomedicina. Trata-se de uma área da medicina que emprega a luz como ferramenta essencial em procedimentos de diagnóstico e terapia de enfermidades, particularmente o câncer.
A fotomedicina apresenta um crescimento quase exponencial no desenvolvimento de novas tecnologias para a área da saúde, estimando-se para o ano de 2019 um faturamento de cerca de 754 milhões de dólares resultantes do desenvolvimento de novas técnicas de tratamento e diagnóstico sendo projetado um crescimento aproximado de 4,1% ao ano a partir de 2014.
Uma fonte de luz amplamente utilizada na fotomedicina é o laser de baixa intensidade baseados em diodos emissores de luz ou LED (Light Emitting Diode), laser de CO2 (de maior potência) para cirurgias de grande porte e laser de fibras óticas.
Laser manual de diodo semicondutor (LED) de Arseneto de Gálio e Alumínio (GaAlAs), laser de CO2 (maior potência relativamente ao manual) e laser de fibra ótica, atualmente utilizado em procedimentos da acupuntura ou cirurgias invasivas[7].
Atualmente pesquisadores do Laboratório de Biomateriais da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI) têm concentrado esforços em busca do desenvolvimento de materiais avançados para a fotomedicina. As pesquisas concentram-se especialmente no campo da nanotecnologia envolvendo a aplicação da luz laser e nanotubos de dióxido de titânio (TiO2) revestidos com sulfeto de zinco (ZnS) no diagnóstico e tratamento do câncer. Ao mesmo tempo os nanotubos de TiO2/ZnS são carregados com o agente quimioterápico, o 5-fluorouracil (5-FU), fármaco comumente utilizado no tratamento de alguns tipos de câncer.
Os nanotubos de TiO2/ZnS absorvem a energia luminosa da luz laser e transfere essa energia para o oxigênio presente nas células tumorais formando espécies de oxigênio no estado excitado. As células tumorais são normalmente mais oxigenadas que as células sadias. Logo, o oxigênio excitado produzido pela transferência de energia dos nanotubos de TiO2/ZnS à célula tumoral induz várias reações em cadeia com os componentes moleculares presentes no tumor tais como DNA, proteínas, fosfolipídios da membrana celular, mitocôndrias entre outras estruturas, tendo como resultado a morte da célula e consequentemente do tumor.
Uma das características mais marcantes da geração de dispositivo médico TiO2/ZnS voltado para aplicações na fotomedicina é o seu acúmulo seletivo em massas tumorais com maior eficiência na destruição do tumor, com um efeito colateral mínimo nas células normais, vizinhas às células neoplásicas.
Os estudos experimentais de fitotoxicidade no Laboratório de Biomateriais da UNIFEI com células de plantas (sycamore) indicaram que os nanotubos de TiO2 /ZnS apresentam adequadas características biocompatíveis além do sistema possuir propriedade de liberação controlada de 5-FU na dose terapêutica desejada. O estudo preliminar da fitotoxicidade se constitui em um modelo alternativo de investigação da biocompatibilidade e sua utilização na triagem inicial de materiais sintéticos candidatos a biomateriais poderá contribuir significativamente para a substituição/utilização parcimoniosa de animais em experimentação atendendo plenamente ao princípio dos 3 R´s da experimentação animal (Redução, Reposição e Refinamento).
Devido à sua propriedade biocompatível e de liberação do fármaco 5-FU, o potencial de aplicação dos nanotubos de TiO2/ZnS na fotomedicina é muito promissora, principalmente na área de oncologia. Entretanto, o mecanismo de atuação ao nível celular do sistema TiO2/ZnS ainda está sob estudo do grupo de investigadores do Laboratório de Biomateriais da UNIFEI.
O entendimento do processo básico de atuação ao nível celular, o controle de sua vetorização às células tumorais e da liberação do quimioterápico 5-FU levará a uma nova geração de sistemas fotônicos sinérgicos para o tratamento do câncer, que combinam as propriedades peculiares dos nanotubos de TiO2/ZnS com sua capacidade de reconhecimento molecular de células tumorais.
Os resultados da pesquisa com TiO2/ZnS são decorrentes de financiamentos dos órgãos de fomento à pesquisa FINEP, CNPq e FAPEMIG sob a coordenação do Prof. Dr. Álvaro Antonio Alencar de Queiroz. Atualmente os nanotubos TiO2/ZnS estão sendo revestidos com materiais magnéticos. O intuito da inovação destes materiais é fazer com que os nanotubos de TiO2/ZnS sejam guiados por campos magnéticos até a região tumoral e proporcione aquecimento local ou seja, hipertermia magnética. A hipertermia magnética é um tratamento alternativo que se baseia no aquecimento da região tumoral, levando à morte células malignas.
De certa forma, todo o progresso da ciência nos dois últimos séculos tem sido uma viagem ininterrupta a dimensões de Natureza estranha.
A simplicidade baseada de que a vida surgiu do acaso revelou-se uma ilusão. Em vez disso, descobriu-se que a complexidade que reside na célula biológica humana é espantosa. E ainda há muitas dimensões escondidas que a mente humana desconhece.
Os resultados experimentais e teóricos apontam que a vida parece ter sido planejada por uma Inteligência Suprema o que é um choque para o ser humano que se acostumou a pensar na vida como um resultado de leis naturais simples, um resultado do acaso. Os gregos também tiveram um choque ao descobrirem a verdadeira natureza da luz. A humanidade também se chocou quando Einstein reinventou o espaço, o tempo e a luz.
Outros séculos por vir também terão seus choques e não há razão para pensar que deveríamos escapar deles. Na medida em que a vida se expande e na proporção em que o universo se mostra mortal, avanços revolucionários na medicina transformarão ficção em realidade. Entretanto, a esperança da evolução humana reside essencialmente como um estado de espírito e não como um estado de mundo. A oportunidade de trabalharmos juntos para o bem comum é esplendorosa e devemos aproveitá-la, pois haverá evolução e sabedoria sem precedentes. Seremos o próprio universo conduzindo a experiência de conhecer a nós mesmos.




[2] Dr. Álvaro Antonio Alencar de Queiroz, Professor do Instituto de Física e Química e Pesquisador Associado do Centro de Estudos e Inovação em Materiais Biofuncionais e Biotecnologia da Universidade Federal de Itajubá.
[5] Cotton, D.V., Bailey, J., Crisp, D., Meadows, V.S., 2012, "The Distribution of Carbon Monoxide in the Lower Atmosphere of Venus", Icarus, 217, 570-584.
[6]  Cotton, D.V., Bailey, J., Crisp, D., Meadows, V.S., 2012, "The Distribution of Carbon Monoxide in the Lower Atmosphere of Venus", Icarus, 217, 570-584 e http://astro.u-strasbg.fr/~koppen/discharge/  (Adaptado).

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