terça-feira, 11 de setembro de 2018

A CASTIDADE[1]



Grupo de Orléans – Médium: Sr. de Monvel 

De todas as virtudes de que o Cristo nos deixou o adorável exemplo, nenhuma foi mais indignamente esquecida pela triste Humanidade do que a castidade. E não falo apenas da castidade do corpo, de que certamente ainda se encontrariam na Terra numerosos exemplos, mas dessa castidade da alma, que jamais concebeu um pensamento, deixou escapar uma palavra susceptível de manchar a pureza da virgem ou da criança que a escuta.
O mal é tão universal, as ocasiões de perigo tão multiplicadas, que os pais, mesmo os verdadeiramente castos em seus atos e em suas palavras, não podem escapar à dolorosa certeza de que seus filhos não poderão, façam o que fizerem, subtrair-se ao funesto contágio. É-lhes necessário, por maior que seja a repugnância que apresentem, resignarem-se eles mesmos a abrir os olhos dessas inocentes criaturas, ao menos para preservá-las do perigo físico, já que é absolutamente impossível preservá-las do perigo moral; e, muitas vezes ainda, quando julgavam ter evitado o perigo, aparece algum escolho, cuja existência não haviam suspeitado e sobre o qual vem encalhar a pobre e inocente criança, que seu amor não pôde preservar da sujeira do vício.
Quantas palavras imprudentes, mesmo na mais seleta sociedade; quantas imagens e descrições, mesmo nos mais sérios livros, não vêm, sem que os pais o saibam, despertar, excitar ou mesmo satisfazer completamente essa curiosidade ávida, tão temível, da criança que não tem a menor consciência do perigo! Se o mal é difícil de evitar, mesmo nas classes mais esclarecidas da sociedade, que dizer das classes inferiores? E supondo que uma criança tenha tido a felicidade de escapar a isso no teto paterno, como protegê-la desse inevitável contato com os vícios que a oprimem diariamente?
Eis uma chaga muito profunda, muito perigosa, da qual todo homem, que conservou o senso moral no fundo do coração, deve sentir a mais imperiosa necessidade de expurgar da sociedade.
O mal está arraigado em nossos corações, e muito tempo se escoará ainda antes que cada um de nós se tenha tornado bastante puro para apenas lhe suspeitar a gravidade. Um tal pensaria cometer falta séria se, ante uma criança, se permitisse a mínima palavra ambígua; no entanto, rodeado de pessoas maduras, sentirá prazer em contar piadas obscenas ou triviais que, diz ele, não fazem mal a ninguém. Não vê que a obscenidade é um mal tão imoral que mancha tudo quanto toca, mesmo o ar, cujas vibrações levarão longe o contágio. Diz-se que as paredes têm ouvidos e esta imagem nunca foi tão verdadeira quanto em semelhante matéria. A pura e santa castidade só estabelecerá definitivamente o seu reino na Terra quando toda criatura que pensa e fala tiver compreendido que jamais deve, em qualquer circunstância, nem escrever nem pronunciar uma palavra que a virgem mais pura não possa ouvir sem corar.
Direis que não tendes filhos e que não há uma só criança em vossa casa e, assim, não tendes nenhuma razão, no vosso entender, para vos constrangerdes. Mas se vós mesmos fôsseis puros, não vos sentiríeis constrangidos; e não tendes amigos que vos escutam, que o vosso exemplo excita e que talvez perderão, ante os filhos que não conheceis, a reserva que um resto de pudor lhes havia feito observar até então? Depois, é quase sempre às refeições que vosso espírito se deixa arrastar em ditos espirituosos que provocam o riso dos convivas; mas não vedes os serviçais que vos rodeiam, e vosso vizinho tem filhos! Não conheceis esse vizinho, nem seus filhos, e jamais sabereis o mal do qual fostes a causa; mas o mal – ficai certos – venha de onde vier, será sempre punido. Não só as paredes têm ouvidos: no ar que respirais há coisas que ainda não conheceis ou que não quereis conhecer.
Ninguém tem o direito de exigir de seus subalternos uma virtude que não pratica nem possui.
Basta uma única palavra impura para alterar a pureza de uma criança; basta uma única criança impura introduzida numa casa de educação pública para gangrenar toda uma geração de crianças que, mais tarde, se tornarão homens. Haverá um só homem sensato que ponha em dúvida a verdade patente e dolorosa deste fato? Ninguém duvida, ninguém ignora toda a extensão do mal que uma única palavra pode acarretar e, contudo, ninguém se julga obrigado a essa castidade da alma, que revolta todo pensamento obsceno, por mais disfarçado que seja e, mesmo, em certas circunstâncias, ninguém olha como estrita obrigação moral abster-se de pilhérias que deviam fazê-lo corar, se não se orgulhasse em não corar. Triste e vergonhoso orgulho!
Não é só a castidade que deveríamos respeitar nas crianças, mas, também, essa delicada candura a quem toda ideia de falsidade faz corar o rosto; e essa virtude é também muito rara. Mas quando se observa como é elevada a imensa maioria de nossos filhos, não nos devemos admirar muito. Para a maioria dos pais, os filhos, sobretudo em tenra idade, não passam de pequenas bonecas, com as quais se divertem, como se fossem um brinquedo. E o que as torna tão divertidas é que sua ingênua credulidade permite que se abuse de sua paciência, de manhã à noite, com pequenas mentiras, julgadas inocentes porque são feitas sem qualquer maldade e unicamente, como se diz, para rir. Ora, em sua verdadeira acepção, a palavra inocente significa: que não prejudica.
Mas, ao contrário, que há de mais nocivo à candura de uma criança que esses pequenos e contínuos abusos de confiança, dos quais ela é inocente por um instante, mas só por um instante, para depois rir e se divertir, achando o maior prazer em imitar logo que pode?
Disso resulta muitas vezes que a criança mais cândida aprende a enganar tão depressa quanto aprende a falar e que, ao cabo de pouco tempo, é capaz de dar lições aos seus mestres.
Quase não se suspeita, sobretudo nessa idade, que muitas vezes uma causa insignificante possa mais tarde provocar deploráveis resultados. Os órgãos da inteligência, nas crianças muito jovens, são qual cera mole, apta a receber o molde do mais fraco objeto que a toca e, mesmo, deformá-lo, ainda que por um instante. E quando esta cera, a princípio tão fluida, vier a endurecer, a impressão ficará inapagável. É um erro crer-se que ela possa ser coberta por outras: só a marca primitiva ficará indelével; ao contrário, as impressões ulteriores é que deixarão apenas um traço fugaz, sob o qual a primeira aparecerá sempre.
Eis o que bem poucos jovens pais são capazes de sentir com bastante força para disso fazerem uma regra de conduta com seus filhos, sendo necessário que se lhes repita continuamente.


Cécile Monvel




[1] Revista Espírita – Setembro/1863 – Allan Kardec

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