Richard Simonetti
José Brê faleceu em 1840. Dois
anos depois, numa reunião mediúnica, em Bordéus, foi evocado por sua neta, em
manifestação registrada no livro O Céu e
o Inferno, de Allan Kardec. O diálogo entre ambos é um repositório marcante
de ensinamentos que merecem nossa reflexão.
Caro avô, o senhor pode dizer-me como vos encontrais no
mundo dos Espíritos e dar-me quaisquer pormenores úteis ao meu progresso?
– Tudo o que quiser,
querida filha. Eu expio a minha descrença, porém grande é a bondade de Deus,
que atende às circunstâncias. Sofro, mas não como poderias imaginar. É o
desgosto de não ter melhor aproveitado o tempo aí na Terra.
Como não o empregou? Pois o senhor não viveu sempre
honestamente?
– Sim, no juízo dos
homens; mas há um abismo entre a honestidade perante os homens e a honestidade
perante Deus.
O Espírito coloca o dedo na
ferida, porquanto o grande problema no estágio em que nos encontramos é
harmonizar a honestidade perante os homens com a honestidade perante Deus.
O rico empresário que explora seus
funcionários, pagando-lhes salário irrisório para ampliar os lucros. O
investidor que se vangloria de ter comprado imóvel por fração de seu valor,
porque o proprietário estava com a corda no pescoço. O funcionário que aciona a
empresa de onde foi demitido, reivindicando benefícios imerecidos. O médico que
mantém o paciente terminal numa UTI, prolongando sua agonia para engordar sua
remuneração. O governante que, para conquistar adesões, nomeia para cargos de
confiança pessoas sem qualificação profissional…
Atuam todos estritamente dentro
das leis humanas, mas infringem leis divinas, enquadrados em hipocrisia, um dos
delitos mais veementemente condenados por Jesus.
Diz o Espírito:
Não é difícil ter
epitáfio de honestidade perante os homens, pagando as contas em dia, não
emitindo cheque sem fundos, não tendo o nome sujo na praça...
José Brê explica o que é não
transgredir as leis divinas:
Honesto aos olhos de
Deus será aquele que, possuído de abnegação e amor, consagre a existência ao
bem, ao progresso dos semelhantes.
Aquele que, animado de um zelo
sem limites, for ativo no cumprimento dos deveres materiais, ensinando e
exemplificando aos outros o amor ao trabalho. Ativo nas boas ações sem esquecer
a condição do servo ao qual o Senhor pedirá contas um dia do emprego do seu
tempo. Ativo finalmente na prática do amor de Deus e do próximo.
Assim, o homem honesto, perante
Deus, deve evitar cuidadosamente as palavras mordazes, veneno escondido nas
flores, que destrói reputações e acabrunha o homem, muitas vezes cobrindo-o de
ridículo.
O homem honesto, segundo Deus,
deve ter sempre cerrado o coração a quaisquer germes de orgulho, de inveja, de
ambição. Deve ser paciente e benévolo para com aqueles que o agredirem. Deve
perdoar do fundo d’alma, sem esforços e sobretudo sem ostentação, a quem quer
que o ofenda.
– Estou perdido! – espantava-se
um amigo, após a leitura desse trecho da comunicação – Acabo de descobrir que sou extremamente desonesto no contexto das
leis divinas.
Forçoso reconhecer, entretanto,
que raros podem dizer que cumprem integralmente preceitos dessa natureza e,
sobretudo, a regra áurea de Jesus, no exercício do amor.
José Brê tinha a seu favor o
fato de desconhecer a vida espiritual, o que nos espera na grande transição, e
o que é, legitimamente, ser honesto aos olhos de Deus.
Dessa vantagem não desfrutamos
nós, espíritas, não desfrutará você, caro leitor, após ler essa mensagem tão
significativa que anula para nós o benefício da ignorância.
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