Em populosa cidade do Brasil, os
três amigos, Ribeiro, Pires e Martins, inspirados no Espiritismo consolador,
fundaram prestigioso núcleo doutrinário, exclusivamente consagrado a estudos da
caridade cristã.
Expressivo número de
companheiros se lhes agregaram ao ideal e entidades amigas, através de médiuns
devotados à Causa, se revelaram simpáticas, ao trabalho que se propunham
desenvolver, colaborando brilhantemente para que a melhor compreensão do Evangelho
reinasse no grupo; dentre elas, salientava-se a benfeitora Custódia, que tomou
a si o encargo maternal de orientar os três companheiros que haviam entrelaçado
esperanças e aspirações, em torno da redentora virtude.
Irmã Custódia ensaiava as mais
belas tarefas verbais, na condição de iluminada instrutora; e Ribeiro, Pires e
Martins completavam-lhe a obra, proferindo comentários luminosos, junto à comunidade
acolhedora.
Livros edificantes eram
interpretados com inimitável brilho.
A protetora invisível aos trabalhadores
encarnados rejubilava-se, feliz. Explicava-nos, exultante, que encontrara,
finalmente, uma sementeira promissora, que lhe dava direito à mais ampla
expectativa. A caridade, ali, seria, a breve tempo, árvore abençoada e
frondosa, resultando em fonte para sedentos, mesa farta aos famintos e refúgio
calmo aos sofredores.
Conferências evangélicas
multiplicavam-se em admiráveis torneios oratórios.
Convertera-se a casa num
florilégio precioso.
Cada irmão na fé, amparando-se,
sobretudo, nas convicções dos três fundadores, incansáveis nas preleções
reconfortantes, era portador de observações fraternas e convincentes.
Inúmeros estudiosos visitaram,
com enlevo, aquele reduto iluminativo e, ao se despedirem, quase sempre tinham
lágrimas copiosas, ante a emoção recolhida nos discursos sublimes.
Autores quais Richet, Delanne e
Crookes, inclinados às perquirições cientificas, quando lidos em semelhante
parlamento de amor, soavam estranhamente, porque, no fundo, a instituição era
um templo exclusivamente dedicado ao evangelismo salvador.
Avizinhando-se o décimo
aniversário da instalação, Custódia, a benfeitora, pediu que fizessem orações
comemorativas, especiais.
As irradiações da caridade do
Alto visitariam os três pilares humanos daquela obra divina e, por isso,
convidava o trio a solenizar o acontecimento com palavras de louvor ao Mestre
dos mestres.
Ribeiro, Pires e Martins
exultaram de contentamento.
Combinaram pronunciar três
palestras diferentes, no dia indicado. Um deles falaria sobre o tema “Caridade
e Humanidade”, o segundo discorreria sobre “Caridade e Iluminação” e o último
sobre “Caridade e Harmonia”.
Chegada a noite de paz e luz, no
templo ornado de flores, a trindade orientadora encantou os ouvintes com as
suas dissertações renovadoras e inspiradas.
Houve preces tocantes, de
mistura com lágrimas insofreáveis.
A mentora espiritual da casa
comunicou-se, através de conceitos construtivos e comoventes, esclarecendo que,
por haver reservado pequena tarefa para si mesma, durante as horas próximas, tornaria
ao agrupamento na semana seguinte, de maneira a apreciar os júbilos da efeméride
com a desejável amplitude.
E a notável sessão foi encerrada
com indisfarçáveis sensações de ventura no espírito coletivo.
Ribeiro, Pires e Martins, não
cabendo em si de contentes, evitaram o bonde, para melhor se entregarem à
conversação íntima e longa, no retorno ao ambiente domestico.
Não haviam caminhado um
quilômetro, quando foram defrontados por uma senhora de humilde expressão. Não
se lhe viam os traços fisionômicos, com suficiente nitidez, mas os pés calçados
pobremente, a roupa modesta e limpa e o chale escuro infundiam-lhe dignidade venerável.
Abordou-os, franca e reverente:
– Senhores! Ajudem-me, em nome da caridade! Estou sozinha e é mais de
meia-noite... Tenho trabalho urgente em arrabalde próximo, entretanto, na
posição em que me vejo, sou desconhecida na cidade.
E, em tom súplice, acentuou:
– Qual dos três me concederá um abrigo até manhãzinha? Somente até o
nascer do Sol...
Os cavalheiros entreolharam-se,
assustadiços.
Ribeiro, constrangido,
manifestou-se, hesitante:
– Infelizmente, não posso. Minha mulher não compreenderia.
Pires, encorajado, ajuntou:
– Eu também sinto dificuldade. Sem dúvida, estou pronto a praticar o
bem; contudo, a senhora, apesar de credora de todo o meu respeito, é mulher, e
meus vizinhos não me perdoariam, notando-lhe a presença, junto de mim...
Martins, por último, falou
firme:
– Por minha vez, nada posso fazer. Realmente não sou um homem sem lar.
Minha família, entretanto, não entenderia a concessão que a senhora está
pedindo. Aliás, não é mesmo razoável o que solicita a uma hora destas... Não
posso arriscar...
Enorme silêncio abateu-se, ali,
sobre os quatro, mas Ribeiro lembrou que se cotizassem, oferecendo-se-lhe um
leito, por algumas horas, num hotel barato. Cada qual ofereceu cinco cruzeiros
e a senhora afastou-se, com palavras de agradecimento.
Acontece, no entanto, que nem
Ribeiro, nem Pires, nem Martins conseguiram repousar.
Preocupados com o incidente, ergueram-se,
antes do amanhecer, e encontraram-se, infinitamente surpreendidos, à porta da
pensão modesta que haviam indicado à forasteira.
Algo lhes feria a consciência e
o coração. Desejavam saber como havia passado a senhora que lhes dirigira a
palavra com tão grande confiança e intimidade. Não conseguiram, porém, a mínima
notícia, até que, na reunião da semana seguinte, consoante a promessa que formulara,
Custódia apareceu e, muito bem humorada, através do médium, explicou ao trio assombrado:
– Sim, meus amigos, aquela senhora era eu mesma. Com a graça de Jesus, materializei-me, em
plena rua, a fim de examinar-lhes o progresso em matéria de caridade. Reparei
que para vocês ainda é muito difícil abrir a porta do lar. Mas, se com dez anos
de estudo, puderam desatar a bolsa e ceder quinze cruzeiros, sentir-me-ei muito
feliz se conseguirem abrir o coração ao verdadeiro amor fraterno, daqui a cem
anos...
Sorriu, expressivamente, embora
um tanto desapontada, e rematou:
– O essencial, porém, é não interromperem, de nenhum modo, o estudo e o
trabalho na direção do Alto... Não há motivo para desânimo! Vamos continuar.
[1] Contos e
Apólogos – Irmão X / Francisco C.
Xavier
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