Por que, em nossas conversas com os Espíritos das pessoas que nos foram
muito queridas, sentimos um embaraço, uma frieza mesmo, que jamais teríamos
sentido quando elas eram vivas?
Resposta:
Porque sois materiais e nós não
mais o somos.
Vou fazer uma comparação que,
como todas as comparações, não será absolutamente exata; contudo, o será
bastante para o que quero dizer.
Suponho que experimentes por uma
mulher uma dessas paixões que só os romancistas imaginam entre vós e que considerais
exageradas, enquanto para nós parecem pouco diferir, pelo menos das que
conhecemos na vastidão infinita.
Continuo supondo. Depois de ter
tido, por algum tempo, a felicidade inefável de falar diariamente com essa
mulher e de a contemplar tanto quanto possível, uma circunstância qualquer faz
com que não mais a possas ver e que deves contentar-te apenas em ouvi-la.
Crês que teu amor resistiria sem
nenhuma brecha a uma situação desse gênero, prolongada indefinidamente?
Confessa que ele sofreria alguma modificação, ou aquilo que chamaríamos uma diminuição.
Vamos mais longe. Não só não
poderás mais ver esta bela amiga, mas nem mesmo poderás ouvi-la. Não deixam que
te aproximes dela. Prolonga essa situação durante alguns anos e vê o que
acontecerá.
Agora, mais um passo. A mulher
que amas está morta; há muito tempo encontra-se sepultada nas trevas do
sepulcro.
Nova mudança em ti. Não quero
dizer que a paixão esteja morta com o seu objeto, mas sustento que, pelo menos,
transformou-se.
E de tal modo que, se por um
favor celeste, a mulher que tanto lamentas e por quem sempre choras viesse
apresentar-se à tua frente, não na odiosa realidade do esqueleto que repousa no
cemitério, mas sob a forma que amavas e adoravas até o êxtase, estás bem seguro
de que o primeiro efeito da aparição imprevista não seria um sentimento de
profundo terror?
Como vês, meu amigo, as paixões,
as afeições vivas não são possíveis em toda a sua plenitude senão entre pessoas
da mesma natureza, entre mundanos e mundanos, entre Espíritos e Espíritos. Com
isto não pretendo dizer que toda afeição deva apagar-se com a morte, mas que
muda de natureza e toma outro caráter. Numa palavra, quero dizer que em vossa
Terra conservais uma boa lembrança daqueles a quem amastes, mas que a matéria, no
meio da qual viveis, só vos permite compreender e praticar amores materiais;
que, sendo tal gênero necessariamente impossível entre vós e nós, sois tão
desajeitados e frios nas vossas relações conosco. Se queres convencer-te, relê
algumas conversas espíritas entre parentes, amigos ou conhecidos; nelas
encontrarás tanto gelo que fará com que os habitantes dos polos sintam frio[2].
Não o queremos, nem nos
entristecemos por isso, desde que sejamos suficientemente elevados na
hierarquia dos Espíritos para perceber e compreender; mas, naturalmente, isto
não deixa de ter alguma influência sobre a nossa maneira de ser para convosco.
Lembra-te da história de Hanifa
que, podendo entrar em comunicação com a filha querida, que tanto pranteava,
faz-lhe esta primeira pergunta: Há um tesouro oculto nesta casa? Só obteve como
resposta uma bela mistificação, que ela mesma provocou!
Penso, meu amigo, ter dito o
bastante para que bem sintas a causa do mal-estar que necessariamente existe
entre vós e nós. Poderia ter dito mais. Por exemplo, que vemos todas as vossas imperfeições
e impurezas do corpo e da alma e que, do vosso lado, tendes a consciência de
que o vemos. Confessa que é embaraçoso para ambos os lados. Coloca dois amantes
apaixonadíssimos nessa caixa de vidro onde tudo aparece, tanto no moral como no
físico e pergunta a ti mesmo o que acontecerá.
Quanto a nós, animados por um
sentimento de caridade que não podeis compreender, somos, em relação a vós, como
a boa mãe, a quem as enfermidades e as traquinadas do filho chorão que lhe tira
o sono não a fazem esquecer, nem mesmo por um instante, os sublimes instintos
da maternidade. Nós vos vemos fracos, feios, maus e, contudo, vos amamos,
porque nos esforçamos por melhorar-vos. Mas não nos fazeis justiça, temendo-nos
mais do que nos amando.
Désiré Léglise
Poeta argelino, morto em 1851
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