sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

SOMOS DESCARTÁVEIS?[1]



Ângela Maria Telles


“Não ajuntem riquezas aqui na Terra, onde as traças e a ferrugem destroem e onde os ladrões arrombam e roubam. Pelo contrário, ajuntem riquezas no Céu, onde as traças e a ferrugem não podem destruí-las, e os ladrões não podem arrombar e roubá-las. Pois onde estiverem as suas riquezas, aí estará o coração de vocês[2]”.
O sinal mais característico da imperfeição é o interesse pessoal, sendo notório de inferioridade o apego às coisas materiais[3].
Quando o nosso ego domina nossas ações temos atitudes egoísticas de somente satisfazer nossos desejos e vontades, sem medir as consequências por essa escolha.
Aprendemos que é necessário nos desapegarmos, para tanto se faz necessário mantermos a nossa alma livre das coisas exteriores, procurando nos libertar das paixões, do ódio e de todos os impulsos que o geram.
Precisamos praticar a abnegação e o desprendimento de nós mesmos. Desapegar-nos da ideia, da imagem que os outros têm de nós.
A felicidade consiste em desapegar-nos das situações e sentimentos que impedem que fechemos ciclos, com o objetivo de iniciar etapas novas. É importante assegurar de que tenhamos o cuidado de não ficarmos magoados e, principalmente, não deixarmos mágoas nos outros.
Não significa que devemos amar menos ou nos descuidarmos, ao contrário, enquanto o amor liberta e cuida, o apego aprisiona e sufoca.
O verdadeiro amor é aquele que liberta, rompendo as algemas do egoísmo, do orgulho e do ressentimento.
A libertação pelo amor, como afirma o Espírito Joanna de Ângelis, é o luminoso caminho para encontrarmos a plenitude e praticarmos a caridade. As atitudes de caridade moral, representadas pelo perdão, pelo sorriso generoso, pela doação de ternura e pela renúncia aos embustes do nosso ego, são as expressões mais elevadas da caridade[4].
Numa hora como esta, em que vivemos com tanta violência, desagregação e conflito, que o amor luarize a nossa saudade! Que o amor pacifique a nossa ansiedade! Que o amor, à semelhança de um punhal, penetre-nos a alma, rasgando-nos a treva interior e deixando brilhar a luz da esperança, a fim de que a felicidade seja como uma legítima fada, cantando um hino de paz dentro de nossas vidas4.
 No mundo informatizado em que vivemos, na atualidade, estamos transferindo o desapego para pessoas. Vivemos um modelo descartável de relacionamentos. Basta um clique e adicionamos mais um amigo a uma lista cada vez mais interminável, lista essa que alimenta um ego cada vez mais poderoso, sustentando curtidas e visualizações.
E nesse mundo condicionado a cliques, imagens, emoticons, somos cada vez mais visualizados e aplaudidos, desde que digamos, postemos, fotografemos o nosso lado luz, tal quais as luzes de um teatro que ao levantar as cortinas dá-se inicio ao show das ilusões, do efêmero.
Não temos paciência para os desagradáveis, para aqueles que questionam. Aproximamo-nos e tão rapidamente nos afastamos, porque é o momento do desapego, do descartável. A estes respondemos com um novo clique e com a agilidade de dedos de um ilusionista e apagamos o enfadonho amigo.
 “Pertencemos à geração do descartável, ‘desinventamos’ o duradouro”.
Resistência e boa qualidade tornaram-se palavras sem sentido, o máximo que admitimos é a obsolescência planejada. Tudo tem prazo de validade, precisa mudar.
Esse “descartismo” contaminou os sentimentos. Os sentimentos não mudaram, mas agindo como se eles fossem descartáveis magoamos e oferecemos sofrimento.
Os relacionamentos estão sendo como conexões, facilmente se ligam e se desligam. Vivemos na cultura da substituição.
 “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas [5]”.  Cativar significa fazer o outro gostar de você e implica uma responsabilidade.
Se criamos laços com as pessoas é para que elas gostem de nós, por isso somos bonzinhos, educados e amáveis. Usamos esses argumentos para cativar. Sem pensar na responsabilidade que é o outro gostar de nós e a consequência disso. A consequência de ter uma pessoa que investiu em você, investiu em sentimentos.
As coisas que vivemos aqui passam, mas o bem que praticarmos aqui é o que vai embora, que vai conosco, que nos leva a evoluir. Construímos laços, exatamente, para realizarmos as provas que vivemos aqui.
Não pensamos muito nas responsabilidades, porque responsabilidade sufoca. Preferimos viver na superficialidade dos relacionamentos e não criarmos vínculos.
Às vezes, estamos diante de uma fonte generosa e continuamos sedentos, porque nos negamos a beber a água pura[6].
Precisamos aprender a amar com desapego, ampliar o número de nossos afetos, sem a ilusão da posse. Se formos chamados a nos ausentar, pela desencarnação, continuemos a valorizá-los, respeitando-os e ajudando-os. Estaremos no caminho do desapego, mas continuaremos a amá-los, da mesma forma[7].
Que a paz de Jesus esteja com todos.

 

Fonte: Agenda Espírita Brasil




[2] Mateus 6:19-21
[3] O Livro dos Espíritos – Questão 895
[4] Sexo e Consciência. 1ª ed./ Divaldo Pereira Franco; Lopes, Luiz Fernando (org.). Salvador, BA: Livraria Espírita Alvorada, 2013.
[5] O Pequeno Príncipe/ Antoine de Saint-Exupéry, (2001.p.74).
[6] O Despertar do Espírito/ pelo Espírito Joanna de Ângelis; psicografado por Divaldo Pereira Franco. Salvador, BA; Livraria Espírita Alvorada, 2000. Cap.7 (Relacionamentos Humanos)
[7] O Voo da Gaivota, cap. Colóquio Interessante, Espírito Patrícia – psicografia de Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário