Na noite de sexta-feira para
sábado do dia 30 de julho, tive um sonho que pode ser classificado entre as
minhas mais interessantes e estranhas visitas ao Além.
Acordei por volta das cinco
horas e anotei imediatamente essa vivência.
Encontrava-me ao ar livre,
diante de uma larga entrada de um subterrâneo que num declive semelhante ao de
uma garagem, conduzia às profundezas do antro.
Uma estranha luz verde amarelada
irradiava-se do alto do céu que era, ao mesmo tempo, escuro e claro. Na entrada
trabalhavam muitas pessoas amáveis, alargando e aplainando o caminho a ser percorrido
pelos mortos, que embora estivessem vivos, não podiam, durante longo tempo,
abandonar a ideia de que haviam morrido.
Acompanham-me pessoas gentis,
que espontaneamente me orientam sobre as condições de existência no Além.
O esquisito é que em cada nova
mudança de sensação a situação se transforma bruscamente. De repente,
encontro-me — e isto sem qualquer transição — em um local muito amplo, que
constantemente se alarga, aparentando uma combinação esdrúxula de gare de
estrada de ferro, igreja ou balneário termal. Por ali se estendem numerosas
salas de espera, cabinas, toaletes públicas, nichos com chuveiros e salas de
banho comuns.
Entro numa sala maior, iluminada
por uma luz dourada e morna, proveniente de uma luminosa fonte invisível, e
logo percebi que ali deveria ocorrer algo de extraordinário e importante.
Contemplo admirado esse estranho
local, que lembrava ora uma câmara mortuária ornamentada, ora uma capela de
cemitério e ao mesmo tempo ocultava ainda algo totalmente diferente e de suma
significação.
Há por ali muitas pessoas que,
em pequenos grupos, conversam à meia voz, numa atitude alegre e um pouco
solene. A maioria delas sorri com tranquila satisfação, e todos irradiam a
mesma certeza: tudo está consumado, vencido!
Imperceptivelmente, vão chegando
outras pessoas e, súbito, tudo se me torna claro: esse lugar é uma passagem,
uma porta por onde passam os mortos depois de um sepultamento religioso.
Ocorre outra vez uma
transformação de ambiente. Encontro alguns artistas, escultores e um diretor do
Museu de Estocolmo muito conhecido. Contam-me que nos andares superiores
existem numerosos ateliers, que podem ser utilizados por todos os artistas. Não
obstante, a maioria prefere colaborar aqui embaixo, no trabalho coletivo, onde
se processa uma readaptação e reeducação.
Torna-se cada vez mais claro que
estou num plano de existência interpenetrado por paixões humanas, que não
apenas pela força de nossas emoções, pode realizar mudanças de ambiente, mas
também é capaz de refletir, de modo totalmente plástico e visível, todas as
nossas íntimas emoções.
Aqui, portanto, nada se pode
ocultar, pois justamente nisso consiste a natureza e finalidade dessa zona de
existência, onde é possível extravasar visivelmente todos os impulsos
reprimidos, ocultos, incompreensíveis e desviados, amenizando suas reações, e
isto não somente até o esgotamento da energia sensória, mas principalmente até
a total compreensão do papel que representam na vida humana.
Encontro três mulheres sentadas
de frente uma para a outra, que se ocupavam em manifestar sentimentos bem
estranhos. Essas mulheres mudavam visivelmente a forma de seus corpos.
Evidentemente elas rivalizavam entre si, esforçando-se, por meio da grotesca
transformação superdimensional de suas curvas femininas, para ultrapassar os
patentes atrativos de certas estrelas de cinema. Esse ridículo espetáculo
provoca repulsa, mas revela a premente necessidade de desfazer um complexo
existente. Talvez essas mulheres tenham sido feias, solitárias e deformadas na
sua vida terrestre.
Logo a seguir, encontro-me no
centro de uma sala de recepção muito iluminada, ligada por uma passagem larga e
aberta a uma capela mística de um mausoléu.
Um homem está diante de mim, e
fala insistentemente comigo. Vejo perfeitamente sua estatura, mas não chego a
perceber os traços do seu rosto, que estão de algum modo dissolvidos, apagados.
“Chamo-me Hugo F., e na juventude fui oficial de cavalaria”, apresentou-se ele.
Fiquei um pouco admirado, pois
não sabia que o meu amigo Hugo F. tivesse um parente homônimo. O homem me
conduz a uma espécie de monumento, ornamentado com um emblema metálico. “Esse é
o brasão de nossa família”, disse ele com ênfase. Contemplo essa estranha
insígnia, que lembra uma grinalda de latão, e procuro em vão compreender o seu
simbolismo.
Mas, no momento seguinte, muda a
cena outra vez. Caminho por uma extensa ala de aposentos, corredores e
galerias, que por sua estranha aparência, me prende a atenção. Aproximo-me da
plataforma, semelhante a uma gare de estrada de ferro, mas provida de inúmeras
portas.
Paro diante de um grande
depósito. Sinto um cheiro insípido de flores murchas, agulhas de abeto e
palmas. É o odor típico de capelas de cemitério, pois também dali se evola um
odor de cadáveres. O depósito está repleto de relíquias e utensílios
funerários: coroas com flores frescas e meio murchas, ramalhetes, crepes, malas
e outros objetos. Todas essas coisas representam as homenagens dedicadas aos
mortos. Decerto são cópias etéricas de objetos que impressionaram fortemente o
morto e o acompanharam no Além, isto é, trata-se de reproduções astrais e
contrapartes de coisas físicas que, à semelhança do corpo sutil do morto,
continuam a existir na quarta dimensão. Havia inúmeros objetos desse tipo
espalhados no depósito.
Mas quem os retiraria daqui e
qual o sentido de tudo isso? Essa pergunta me preocupou por longo tempo e só
mais tarde encontrei uma resposta.
Até agora compreendi que, na
totalidade, existem três espécies de dissolução física:
1. O enterro comum.
2. A incineração.
3. A destruição do corpo em
consequência de acidente como, por exemplo, afogamento, massacres, explosões de
várias espécies e outros semelhantes.
(Naquele tempo isto ainda não se
tomara bem claro).
Podemos perguntar a nós mesmos:
Se estar morto significa a morte, que importância tem a maneira pela qual o
corpo foi desagregado? — Mas este argumento somente corresponde em parte,
porque na realidade a passagem para outro plano de existência, é coordenada
pela natureza da desenlace do corpo. Esta hipótese é certa porque, em parte,
realmente, a passagem para outro plano de existência é determinada pela espécie
de dissolubilidade do corpo. Aqui atuam certas leis pelas quais os mortos terão
de passar por processos de purificação totalmente diferentes, embora as
ocorrências se realizem durante o sono profundo.
Tornou-se também bastante claro
que determinadas moléstias fatais, como tumores malignos, supurações lepra
etc., afetam de algum modo o corpo astral do morto, ou seja, persistem em sua
imaginação. Em todo o caso, essas lesões precisam ser tratadas e desfeitas
totalmente. Para esse fim existem no Além balneários especiais, nichos com
chuveiros semicirculares, estranhos salões de massagens e cosméticos, assim
como salas para tratamentos diversos, onde os mortos se livram dos vestígios de
suas enfermidades.
Esses ambientes têm cheiro
desagradável não sei se criado pela ideia fixa dos mortos, ou trazido por eles
automaticamente. De qualquer forma, abandonei logo esse malcheiroso
departamento de purificação e me dirigi a uma grande sala de banho contíguo,
lugar que, de todas as vivências dessa viagem astral, me deixou indubitavelmente
a mais profunda impressão.
Na realidade, não era apenas um
balneário, mas uma galeria de banheiros que se perdiam à distância. A luz era
de um vermelho amarelado bem amortecido, como a suave iluminação de velas, cuja
fonte não podia perceber. No chão, espalhavam-se centenas ou talvez milhares de
banheiras alongadas e quadrangulares.
Ao aproximar-me das banheiras,
avistei dentro delas corpos de pessoas carbonizadas, completamente negros e
bastante deformados; só se podiam distinguir os contornos da cabeça, dos ombros
e do peito, que emergiam de um líquido escuro para mim desconhecido. Aqui
também exalava o odor de flores e cadáveres.
No vestíbulo, encontravam-se umas
enfermeiras de grande altura, que se assemelhavam a diaconisas. Estranhamente,
elas conduziam pequenos cães negros, cujo pelo desgrenhado lembrava o dos
terrier escoceses. E o mais estranho era que os cachorrinhos “sorriam”
amavelmente para mim e abanavam a cauda. As enfermeiras conversavam à meia voz,
e pareciam alegres e bondosas.
Nos apontamentos desse sonho,
anotei, nesta parte, “mortos normais”.
Infelizmente, não posso recordar
o verdadeiro sentido de tal anotação. Só me lembro de que a maioria dos mortos
tinha de se submeter a essa cura de águas.
Ao aproximar-me mais ainda dos
“banhistas”, observei que, sob a crosta negra carbonizada dos corpos,
brilhavam, aqui e ali, partes de uma pele nacarada e suave como a de uma
criança. Alguns rostos já haviam recuperado a cor normal da epiderme. Pude
compreender que alguns mortos passavam por uma espécie de processo purificador
pelo fogo e eram submetidos a um banho de limpeza. Todos eles dormiam, isto é,
achavam-se inconscientes.
Noutro lugar claro, espaçoso e
alegre, viam-se centenas de criaturas esperando tranquilamente. O ambiente aqui
era religioso e solene. Informaram-me que essas criaturas, após a incineração,
aguardavam uma transferência. Nesse caso, o mais importante era que os mortos tinham
de abandonar muitos hábitos de raciocínio e sensações, depois do que se
realizava, gradativamente, a transferência para outro plano de existência
astral. Isto só se aplicava aos que tivessem tido morte natural.
Por ali ainda havia outros
caminhos que conduziam a locais que, naquela ocasião, ainda me eram
desconhecidos.
Acordei com a clara sensação de
ter tomado conhecimento de uma bem determinada esfera do Além, talvez uma
espécie de posto central de acolhimento, que deve ser percorrido pela maioria dos
mortos.
[1] Telefone para
o Além - Friedrich Jüergenson - 1967 – Civilização Brasileira, Rio de
Janeiro, RJ
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