Ana Carolina Leonardi
Redes neurais artificiais
analisaram obras do médium, morto há exatos 15 anos. E concluíram: fé à parte,
Chico era um fenômeno mesmo.
Francisco Cândido Xavier morreu a
15 anos, deixando para trás mais de 412 livros escritos. Mas ele sempre
rejeitou a autoria de todos: a obra seria inteira psicografada, ditada
diretamente de espíritos que falavam ao médium.
Com o aniversário de falecimento
do líder espírita, uma empresa brasileira resolveu investigar a obra de Chico
usando inteligência artificial. Ao longo da vida, ele psicografou livros de
vários autores diferentes. A ideia era usar todo o poder de computação para
responder duas perguntas: esses autores têm cada um seu estilo próprio? Eles
são suficientemente diferentes entre si?
A Stilingue, uma empresa que
trabalha com análise de textos via inteligência artificial para “resumir a
internet”, encontrando tendências nas redes sociais, resolveu testar como as
obras psicografadas seriam analisadas por uma técnica de aprendizado de
máquinas chamada Deep Learning.
A partir de grandes quantidades
de dados, o computador aprende a criar relações entre eles, sem precisar
aprender, por exemplo, o que é um verbo, um adjetivo, um substantivo. Se fosse
reconstruir a Bíblia, o computador logo ia aprender que precisa colocar um
número antes de cada frase, porque o livro é estruturado em versículos.
A mesma técnica também já foi
usada para recriar Shakespeare. Depois de ler milhões de caracteres do
dramaturgo, o computador era capaz de escrever sozinho “imitando” o estilo do
inglês, sem nunca ter passado por uma aula de literatura. Nem sempre as frases
fazem total sentido, mas os tempos verbais e a mania de criar palavras novas
mudando o final delas ficam reproduzidos, igualzinho.
No caso de Chico Xavier, o
estudo da Stilingue selecionou três dos principais autores psicografados pelo
médium: Emmanuel, André Luiz e Humberto de Campos.
Para “alimentar” a rede neural
artificial, eles selecionaram três livros de cada autor – que precisam ser
enormes, porque a técnica Deep Learning exige, no mínimo, um milhão de
caracteres por autor conseguir aprender com sucesso. “No caso de Humberto de
Campos, sentimos um pouco de falta de mais material. Ele é um autor mais
desafiador porque escrevia diferentes tipos de texto [contos, anedotas e
poesias]”, explica Milton Stiilpen Jr., fundador da Stilingue.
Devidamente treinado, o
computador começou a reproduzir os textos. André Luiz, por exemplo, tinha o
hábito de colocar falas espaçadas entre blocos de texto maiores, ao invés de
criar longos blocos de diálogos.
André Luiz: entidade
espírita vs. bot
Este primeiro texto foi psicografado por Chico Xavier
Os encarnados presentes
viam tão-somente o corpo de Otávia, dominado pelo sacerdote que lhes era
invisível, quase a rebentar-se de soluços atrozes, mas nós víamos além. A nobre
senhora desencarnada postou-se ao lado do filho e começou a beijá-lo, em
lágrimas de reconhecimento e amor. Pranto copioso identificava-os. Cobrando
forças novas, a genitora continuou:
– Perdoe-me, filho querido,
se noutra época induzi o seu coração à responsabilidade eclesiástica,
modificando o curso de suas tendências. Suas lutas de agora me atingem a alma
angustiada. Seja forte, Marinho, e ajude-me! Desvencilhe-se dos maus companheiros!
Não vale rebelar-se. Nunca fugiremos à lei do Eterno! Onde você estiver, a voz
divina se fará ouvir no imo da consciência…
Nesse momento, observei que
o sacerdote recordou instintivamente os amigos, tocado de profundo receio.
Agora que reencontrava a mãezinha carinhosa e devotada a Deus, que sentia a
vibração confortadora do ambiente de fraternidade e fé, sentia medo de
regressar ao convívio dos colegas endurecidos no mal.
Já este foi criação
da inteligência artificial
A primeira vez mais
providencial de serviço de sua consciência, a senhora Laura encontrava-se com a
presença de alguns, com a sua consciência espiritual e a medicina de amor,
acrescentou:
– O controlador de serviço
está disposto a escapar com as mesmas expressões de alegria.
A primeira vez mais forte
de algum tempo, a senhora de Alexandre prosseguiu a companheira de serviço e
considerando a alegria da conversação despediu-se:
– Neste momento, a maioria
dos companheiros encarnados está através de construções destruidoras e
desencarnadas. A consciência tem sempre a construção do coração.
Depois de criar três bots capazes de imitar os
autores com uma precisão considerável (erro de 22% para André Luiz, 5% para
Emmanuel e 32% para o Humberto de Campos), dá para dizer que cada autor tem um
estilo razoavelmente marcante e uniforme.
Agora, dá para dizer que eles
são diferentes entre si? Ou será que o estilo delata que teriam sido escritos
por uma só pessoa? Para fazer o teste, eles decidiram confundir a máquina.
Misturaram os textos de diferentes autores. Mandaram o bot do Emmanuel escrever
com base na obra do Humberto, o do Humberto imitar o André e assim por diante.
Deu errado: a taxa de erro disparou. Os modelos eram incapazes de encontrar os
mesmos padrões de estilo de uma entidade espírita nos livros da outra. Os
autores são, sim, marcadamente diferentes.
A questão que resta é: há outras
formas de explicar o resultado?
Misturar textos de diferentes
temas e épocas de um mesmo autor já é suficiente para aumentar a taxa de erro.
Mas não tanto assim. Fizemos um teste com o Paulo Coelho justamente para testar
um único autor com diferentes livros e muitos textos. A taxa de erro aumenta –
mas mesmo assim continua baixa”, explica Milton. O teste com Paulo Coelho
retornou uma taxa de apenas 10%.
Outra possibilidade cética seria
a criação consciente e deliberada de Chico Xavier de diferentes personas, uma
para cada autor – coisa parecida com o que o escritor Fernando Pessoa fez, com
seis heterônimos marcadamente diferentes.
Milton também tinha uma resposta
para isso: eles fizeram o teste de Deep Learning também com Fernando Pessoa.
“Faltou quantidade de dados suficiente para atender essa técnica”, responde
Stiilpen. A Stilingue não conseguiu acesso fácil e digitalizado à quantidade
necessária de material de cada heterônimo de Pessoa. Relembrando, o mínimo
necessário para a análise usando Deep Learning é de 1 milhão de caracteres o
que significa, nesse caso, 6 milhões para uma análise de todos os “autores” em
questão. E isso só para aquecer.
Graças a esses resultados, a
análise textual deve virar um projeto de pesquisa oficial que vai, inclusive,
selecionar outras técnicas mais adequadas a autores como Fernando Pessoa e
Nelson Rodrigues. Mas, de tudo isso, qual foi o veredito do estudo sobre Chico
Xavier?
A psicografia segue como uma
questão de fé. Mas se o estudo atesta algo, é a genialidade do médium. Escrever
o volume de texto que ele escreveu, com personas comprovadamente distintas, mas
uniformes entre si, não precisa nem ser sobrenatural para ser absolutamente
impressionante. Ou, como colocou Monteiro Lobato, “Se Chico Xavier produziu
tudo aquilo por conta própria, então ele merece ocupar quantas cadeiras quiser
na Academia Brasileira de Letras”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário