terça-feira, 6 de junho de 2017

Maria de Agreda - Fenômeno de bicorporeidade[1]


 
Num compêndio histórico que acaba de ser publicado sobre a vida de Maria de Jesus de Agreda, encontramos um fato extraordinário de bicorporeidade, que prova que tais fenômenos são perfeitamente aceitos pela religião. É verdade que, para certas pessoas, as crenças religiosas não têm mais autoridades do que as crenças espíritas. Mas quando essas crenças se apoiarem sobre as demonstrações dadas pelo Espiritismo, sobre as provas patentes que ele fornece, por uma teoria pessoal, de sua possibilidade, sem derrogar as leis da Natureza, e de sua realidade por exemplos análogos e autênticos, será forçoso render-se à evidência e reconhecer, fora das leis conhecidas, a existência de outras que ainda pertencem aos segredos de Deus.
Maria de Jesus nasceu em Agreda, cidade da Castela, em 2 de abril de 1602, de pais nobres e de virtude exemplar. Muito jovem ainda tornou-se superiora do mosteiro da Imaculada Conceição de Maria, onde morreu em estado de perfeição espiritual. Eis o relato que se acha em sua biografia:
“Por maior que seja a nossa vontade de resumir, não podemos deixar de falar aqui do papel absolutamente excepcional de missionária e de apostolado que Maria de Agreda exerceu no Novo México. O fato que vamos narrar, cujas provas incontestáveis provariam, por si só, quão elevados eram os dons sobrenaturais com que Deus havia enriquecido sua humilde serva, e quão ardente o zelo que ela nutria no coração pela salvação do próximo. Nas suas relações íntimas e extraordinárias com Deus, ela recebia uma viva luz, com a ajuda da qual descobria o mundo inteiro, a multidão dos homens que o habitavam, entre os quais os que ainda não haviam entrado no seio da Igreja e estavam em evidente perigo de perder-se para a eternidade.
À vista da perda de tantas almas, Maria de Agreda sentia o coração partido e, em sua dor, multiplicava preces fervorosas. Deus a fez saber que os povos do Novo México apresentavam menos obstáculos para a sua conversão que o resto dos homens, e era especialmente sobre eles que a divina misericórdia queria derramar-se. Esse conhecimento foi um novo aguilhão para o coração caridoso de Maria de Agreda que, do mais profundo de sua alma, implorou a clemência divina em favor desse pobre povo. O próprio Deus lhe ordenou que orasse e trabalhasse para tal fim. E ela o fez de maneira tão eficaz que o Senhor, cujas razões são impenetráveis, operou nela e por ela uma das maiores maravilhas que a História pode relatar.
Certo dia, tendo-a o Senhor arrebatado em êxtase, no momento em que orava insistentemente pela salvação daquelas almas, Maria de Agreda sentiu-se de repente transportada para uma região longínqua e desconhecida, sem saber como. Achou-se, então, num ambiente que não era o da Castela e experimentou os raios de um sol mais ardente que de costume. Homens de uma raça que jamais tinha encontrado estavam diante dela, e Deus lhe ordenava que satisfizesse seus caridosos desejos e pregasse a lei e a fé santa àquele povo. A extática de Agreda obedecia à ordem.
Pregava a esses índios em sua língua espanhola, e os infiéis entendiam como se ela lhes falasse em sua língua materna.
Seguiram-se conversões em grande número. Voltando do êxtase, esta santa mulher se achava no mesmo lugar em que estava no começo do arrebatamento. Não foi apenas uma vez que Maria de Jesus desempenhou esse maravilhoso papel de missionária e de apóstolo, junto aos habitantes do Novo México. O primeiro êxtase do gênero ocorreu em 1622; mas foi seguido de mais cinco êxtases do mesmo tipo, durante cerca de oito anos. Maria de Agreda encontrava-se frequentemente nessa mesma região para continuar o seu apostolado. Parecia-lhe que o número dos convertidos tinha aumentado prodigiosamente, e que uma nação inteira, com o rei à frente, estava resolvida a abraçar a fé em Jesus-Cristo.
Ela via ao mesmo tempo, mas a grande distância, os franciscanos espanhóis que trabalhavam pela conversão desse novo mundo, mas que ainda ignoravam a existência desse povo que ela havia convertido. Tal consideração levou-a a aconselhar aos índios que mandassem alguns dentre eles àqueles missionários, pedir que viessem ministrar-lhes o batismo. Foi por esse meio que a Divina Providência quis dar uma espetacular manifestação do bem que Maria de Agreda havia feito no Novo México, por sua pregação extática.
Um dia os missionários franciscanos, que Maria de Agreda tinha visto em Espírito, mas a grande distância, viram-se abordados por um grupo de índios de uma raça que ainda não tinham encontrado em suas excursões. Estes se anunciaram como enviados de sua nação, pedindo a graça do batismo com grande insistência. Surpreendidos com a vista desses índios, e mais espantados ainda pelo pedido que faziam, os missionários trataram de saber a sua causa. Os enviados responderam: que desde muito tempo uma mulher havia aparecido em seu país, anunciando a lei de Jesus-Cristo. Acrescentaram que essa mulher desaparecia por momentos, sem que se pudesse descobrir o seu retiro; que lhes fizera conhecer o verdadeiro Deus e lhes aconselhara que fossem aos missionários, a fim de obterem, para toda a nação, a graça do sacramento que resgata os pecados e transforma os homens em filhos de Deus.
A surpresa dos missionários cresceu ainda mais quando, interrogando os índios sobre os mistérios da fé, os encontraram perfeitamente instruídos de tudo o que é necessário para a salvação. Os missionários tomaram todas as informações possíveis sobre essa mulher; mas tudo quanto os índios puderam dizer foi que jamais tinham visto uma pessoa semelhante. No entanto, alguns detalhes descritivos da roupa levaram os missionários a suspeitar que aquela mulher portasse hábitos de religiosa, e um deles, que tinha consigo o retrato da venerável madre Luiza de Carrion, ainda viva, cuja santidade era conhecida em toda a Espanha, o mostrou aos índios, pensando, talvez, que pudessem reconhecer alguns traços da mulher-apóstolo. Estes, depois de examinarem o retrato, responderam que a mulher que lhes havia pregado a lei de Jesus-Cristo na verdade tinha um véu, como esta cuja imagem lhes era apresentada; mas que, pelos traços do rosto, era completamente diferente, sendo mais jovem e de grande beleza.
Então, alguns missionários partiram com os emissários indígenas, para recolher entre eles tão abundante colheita. Após vários dias de caminhada chegaram ao meio da tribo, sendo acolhidos com as mais vivas demonstrações de alegria e reconhecimento. Na viagem puderam constatar que em todos os indivíduos daquela raça a instrução cristã era completa.
O chefe da nação, objeto de especial solicitude da serva de Deus, quis ser o primeiro a receber a graça do batismo, com toda a sua família, seguindo o seu exemplo, em poucos dias, a nação inteira.
Não obstante esses grandes acontecimentos, ainda ignoravam quem era a serva do Senhor que tinha evangelizado esses povos, e nutria-se uma santa curiosidade e piedosa impaciência por conhecê-la. Sobretudo o Padre Alonzo de Benavides, que era o superior dos missionários franciscanos no Novo México, queria romper o véu misterioso que ainda cobria o nome dessa mulher-apóstolo, aspirando a voltar momentaneamente à Espanha para descobrir o retiro dessa religiosa desconhecida, que havia cooperado prodigiosamente para a salvação de tantas almas. Em 1630 pôde, enfim, embarcar para a Espanha, e se dirigiu diretamente a Madrid, onde então se encontrava o Geral de sua ordem. Benavides lhe deu a conhecer o objetivo que se havia proposto ao empreender sua viagem à Europa. O Geral conhecia Maria de Jesus Agreda e, conforme o dever de seu cargo, tivera de examinar a fundo o íntimo dessa religiosa. Conhecia, pois, a sua santidade, tão bem quanto a sublimidade dos caminhos em que Deus a havia posto. Veio-lhe logo o pensamento de que essa mulher privilegiada bem podia ser a mulher-apóstolo de que lhe falava o Padre Benavides, a quem comunicou suas impressões. Deu-lhe credenciais, pelas quais o constituía seu comissário, com ordem a Maria de Agreda para responder com toda simplicidade às perguntas que ele julgasse por bem dirigir-lhe. Com tais despachos, o missionário partiu para Agreda.
A humilde irmã se viu, assim, obrigada a revelar ao missionário tudo quanto sabia com referência ao objeto de sua missão junto a ela. Confusa, e ao mesmo tempo dócil, relatou a Benavides tudo quanto lhe tinha acontecido em seus êxtases, acrescentando com franqueza que ignorava completamente o modo pelo qual sua ação tinha podido exercer-se a tão grande distância. Benavides também interrogou a irmã sobre as particularidades dos lugares que tantas vezes deveria ter visitado e percebeu que ela estava muito bem informada sobre tudo o que se relacionava com o Novo México e os seus habitantes. Ela lhe expôs, nos mínimos detalhes, a topografia dessas regiões e lhes desvendou servindo-se mesmo dos nomes próprios, como o teria feito um viajante depois de vários anos passados nessas regiões.
Acrescentou até que tinha visto Benavides e seus religiosos várias vezes, indicando os lugares, os dias, as horas, as circunstâncias, e fornecendo detalhes especiais sobre cada um dos missionários.
Compreende-se facilmente o alívio de Benavides por ter, finalmente, descoberto a alma privilegiada de que Deus se tinha servido para exercer sua ação miraculosa sobre os habitantes do Novo México.
Antes de deixar a cidade de Agreda, Benavides quis redigir uma declaração de tudo quanto havia constatado, quer na América, quer em Agreda, nas suas conversas com a serva de Deus. Nessa peça exprimiu sua convicção pessoal no tocante à maneira pela qual a ação de Maria de Jesus se fizera sentir nos índios.
Inclinava-se a crer que tal ação tinha sido material. Sobre o assunto a humilde religiosa sempre guardou uma grande reserva. Apesar dos incontáveis indícios que levaram Benavides a concluir pelo que, antes dele, já havia concluído o confessor da serva de Deus, indícios que pareciam acusar uma mudança corporal de lugar, Maria de Agreda sempre persistiu em crer que tudo se passava em Espírito. Na sua humildade, era fortemente tentada a pensar que o fenômeno não passasse de mera alucinação, embora, de sua parte, inocente e involuntário. Mas o seu diretor, que conhecia o fundo das coisas, pensava que a religiosa fosse transportada corporalmente, em seus êxtases, aos locais de seus trabalhos evangélicos. Apoiava sua opinião na impressão física que a mudança de clima provocara em Maria de Agreda, na longa série de seus trabalhos entre os índios, e na opinião de várias pessoas doutas, que ele consultara em grande segredo. Seja como for, o fato permanece sempre como um dos mais maravilhosos de que se tem falado nos anais dos santos, e é muito apropriado para dar uma ideia verdadeira, não só das comunicações divinas que recebia Maria de Agreda, mas também de sua candura e de sua amável sinceridade”.


[1] Revista Espírita – Novembro/1860 – Allan Kardec

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