Num compêndio histórico que
acaba de ser publicado sobre a vida de Maria de Jesus de Agreda, encontramos um
fato extraordinário de bicorporeidade, que prova que tais fenômenos são
perfeitamente aceitos pela religião. É verdade que, para certas pessoas, as
crenças religiosas não têm mais autoridades do que as crenças espíritas. Mas
quando essas crenças se apoiarem sobre as demonstrações dadas pelo Espiritismo,
sobre as provas patentes que ele fornece, por uma teoria pessoal, de sua
possibilidade, sem derrogar as leis da Natureza, e de sua realidade por
exemplos análogos e autênticos, será forçoso render-se à evidência e reconhecer,
fora das leis conhecidas, a existência de outras que ainda pertencem aos
segredos de Deus.
Maria de Jesus nasceu em Agreda,
cidade da Castela, em 2 de abril de 1602, de pais nobres e de virtude exemplar.
Muito jovem ainda tornou-se superiora do mosteiro da Imaculada Conceição de
Maria, onde morreu em estado de perfeição espiritual. Eis o relato que se acha
em sua biografia:
“Por maior que seja a nossa
vontade de resumir, não podemos deixar de falar aqui do papel absolutamente
excepcional de missionária e de apostolado que Maria de Agreda exerceu no Novo
México. O fato que vamos narrar, cujas provas incontestáveis provariam, por si
só, quão elevados eram os dons sobrenaturais com que Deus havia enriquecido sua
humilde serva, e quão ardente o zelo que ela nutria no coração pela salvação do
próximo. Nas suas relações íntimas e extraordinárias com Deus, ela recebia uma
viva luz, com a ajuda da qual descobria o mundo inteiro, a multidão dos homens
que o habitavam, entre os quais os que ainda não haviam entrado no seio da
Igreja e estavam em evidente perigo de perder-se para a eternidade.
À vista da perda de tantas
almas, Maria de Agreda sentia o coração partido e, em sua dor, multiplicava
preces fervorosas. Deus a fez saber que os povos do Novo México apresentavam
menos obstáculos para a sua conversão que o resto dos homens, e era
especialmente sobre eles que a divina misericórdia queria derramar-se. Esse
conhecimento foi um novo aguilhão para o coração caridoso de Maria de Agreda que,
do mais profundo de sua alma, implorou a clemência divina em favor desse pobre
povo. O próprio Deus lhe ordenou que orasse e trabalhasse para tal fim. E ela o
fez de maneira tão eficaz que o Senhor, cujas razões são impenetráveis, operou
nela e por ela uma das maiores maravilhas que a História pode relatar.
Certo dia, tendo-a o Senhor
arrebatado em êxtase, no momento em que orava insistentemente pela salvação
daquelas almas, Maria de Agreda sentiu-se de repente transportada para uma região
longínqua e desconhecida, sem saber como. Achou-se, então, num ambiente que não
era o da Castela e experimentou os raios de um sol mais ardente que de costume.
Homens de uma raça que jamais tinha encontrado estavam diante dela, e Deus lhe ordenava
que satisfizesse seus caridosos desejos e pregasse a lei e a fé santa àquele
povo. A extática de Agreda obedecia à ordem.
Pregava a esses índios em sua
língua espanhola, e os infiéis entendiam como se ela lhes falasse em sua língua
materna.
Seguiram-se conversões em grande
número. Voltando do êxtase, esta santa mulher se achava no mesmo lugar em que
estava no começo do arrebatamento. Não foi apenas uma vez que Maria de Jesus
desempenhou esse maravilhoso papel de missionária e de apóstolo, junto aos
habitantes do Novo México. O primeiro êxtase do gênero ocorreu em 1622; mas foi
seguido de mais cinco êxtases do mesmo tipo, durante cerca de oito anos. Maria
de Agreda encontrava-se frequentemente nessa mesma região para continuar o seu
apostolado. Parecia-lhe que o número dos convertidos tinha aumentado
prodigiosamente, e que uma nação inteira, com o rei à frente, estava resolvida
a abraçar a fé em Jesus-Cristo.
Ela via ao mesmo tempo, mas a
grande distância, os franciscanos espanhóis que trabalhavam pela conversão
desse novo mundo, mas que ainda ignoravam a existência desse povo que ela havia
convertido. Tal consideração levou-a a aconselhar aos índios que mandassem
alguns dentre eles àqueles missionários, pedir que viessem ministrar-lhes o
batismo. Foi por esse meio que a Divina Providência quis dar uma espetacular
manifestação do bem que Maria de Agreda havia feito no Novo México, por sua
pregação extática.
Um dia os missionários
franciscanos, que Maria de Agreda tinha visto em Espírito, mas a grande
distância, viram-se abordados por um grupo de índios de uma raça que ainda não tinham
encontrado em suas excursões. Estes se anunciaram como enviados de sua nação,
pedindo a graça do batismo com grande insistência. Surpreendidos com a vista
desses índios, e mais espantados ainda pelo pedido que faziam, os missionários
trataram de saber a sua causa. Os enviados responderam: que desde muito tempo
uma mulher havia aparecido em seu país, anunciando a lei de Jesus-Cristo.
Acrescentaram que essa mulher desaparecia por momentos, sem que se pudesse
descobrir o seu retiro; que lhes fizera conhecer o verdadeiro Deus e lhes
aconselhara que fossem aos missionários, a fim de obterem, para toda a nação, a
graça do sacramento que resgata os pecados e transforma os homens em filhos de
Deus.
A surpresa dos missionários
cresceu ainda mais quando, interrogando os índios sobre os mistérios da fé, os encontraram
perfeitamente instruídos de tudo o que é necessário para a salvação. Os
missionários tomaram todas as informações possíveis sobre essa mulher; mas tudo
quanto os índios puderam dizer foi que jamais tinham visto uma pessoa
semelhante. No entanto, alguns detalhes descritivos da roupa levaram os missionários
a suspeitar que aquela mulher portasse hábitos de religiosa, e um deles, que
tinha consigo o retrato da venerável madre Luiza de Carrion, ainda viva, cuja
santidade era conhecida em toda a Espanha, o mostrou aos índios, pensando,
talvez, que pudessem reconhecer alguns traços da mulher-apóstolo. Estes, depois
de examinarem o retrato, responderam que a mulher que lhes havia pregado a lei
de Jesus-Cristo na verdade tinha um véu, como esta cuja imagem lhes era
apresentada; mas que, pelos traços do rosto, era completamente diferente, sendo
mais jovem e de grande beleza.
Então, alguns missionários
partiram com os emissários indígenas, para recolher entre eles tão abundante colheita.
Após vários dias de caminhada chegaram ao meio da tribo, sendo acolhidos com as
mais vivas demonstrações de alegria e reconhecimento. Na viagem puderam constatar
que em todos os indivíduos daquela raça a instrução cristã era completa.
O chefe da nação, objeto de
especial solicitude da serva de Deus, quis ser o primeiro a receber a graça do
batismo, com toda a sua família, seguindo o seu exemplo, em poucos dias, a
nação inteira.
Não obstante esses grandes
acontecimentos, ainda ignoravam quem era a serva do Senhor que tinha
evangelizado esses povos, e nutria-se uma santa curiosidade e piedosa impaciência
por conhecê-la. Sobretudo o Padre Alonzo de Benavides, que era o superior dos
missionários franciscanos no Novo México, queria romper o véu misterioso que
ainda cobria o nome dessa mulher-apóstolo, aspirando a voltar momentaneamente à
Espanha para descobrir o retiro dessa religiosa desconhecida, que havia
cooperado prodigiosamente para a salvação de tantas almas. Em 1630 pôde, enfim,
embarcar para a Espanha, e se dirigiu diretamente a Madrid, onde então se encontrava
o Geral de sua ordem. Benavides lhe deu a conhecer o objetivo que se havia
proposto ao empreender sua viagem à Europa. O Geral conhecia Maria de Jesus
Agreda e, conforme o dever de seu cargo, tivera de examinar a fundo o íntimo
dessa religiosa. Conhecia, pois, a sua santidade, tão bem quanto a sublimidade
dos caminhos em que Deus a havia posto. Veio-lhe logo o pensamento de que essa
mulher privilegiada bem podia ser a mulher-apóstolo de que lhe falava o Padre
Benavides, a quem comunicou suas impressões. Deu-lhe credenciais, pelas quais o
constituía seu comissário, com ordem a Maria de Agreda para responder com toda
simplicidade às perguntas que ele julgasse por bem dirigir-lhe. Com tais
despachos, o missionário partiu para Agreda.
A humilde irmã se viu, assim,
obrigada a revelar ao missionário tudo quanto sabia com referência ao objeto de
sua missão junto a ela. Confusa, e ao mesmo tempo dócil, relatou a Benavides
tudo quanto lhe tinha acontecido em seus êxtases, acrescentando com franqueza
que ignorava completamente o modo pelo qual sua ação tinha podido exercer-se a
tão grande distância. Benavides também interrogou a irmã sobre as particularidades
dos lugares que tantas vezes deveria ter visitado e percebeu que ela estava
muito bem informada sobre tudo o que se relacionava com o Novo México e os seus
habitantes. Ela lhe expôs, nos mínimos detalhes, a topografia dessas regiões e lhes
desvendou servindo-se mesmo dos nomes próprios, como o teria feito um viajante depois
de vários anos passados nessas regiões.
Acrescentou até que tinha visto
Benavides e seus religiosos várias vezes, indicando os lugares, os dias, as
horas, as circunstâncias, e fornecendo detalhes especiais sobre cada um dos
missionários.
Compreende-se facilmente o
alívio de Benavides por ter, finalmente, descoberto a alma privilegiada de que
Deus se tinha servido para exercer sua ação miraculosa sobre os habitantes do Novo
México.
Antes de deixar a cidade de
Agreda, Benavides quis redigir uma declaração de tudo quanto havia constatado,
quer na América, quer em Agreda, nas suas conversas com a serva de Deus. Nessa
peça exprimiu sua convicção pessoal no tocante à maneira pela qual a ação de
Maria de Jesus se fizera sentir nos índios.
Inclinava-se a crer que tal ação
tinha sido material. Sobre o assunto a humilde religiosa sempre guardou uma
grande reserva. Apesar dos incontáveis indícios que levaram Benavides a
concluir pelo que, antes dele, já havia concluído o confessor da serva de Deus,
indícios que pareciam acusar uma mudança corporal de lugar, Maria de Agreda
sempre persistiu em crer que tudo se passava em Espírito. Na sua humildade, era
fortemente tentada a pensar que o fenômeno não passasse de mera alucinação,
embora, de sua parte, inocente e involuntário. Mas o seu diretor, que conhecia
o fundo das coisas, pensava que a religiosa fosse transportada corporalmente,
em seus êxtases, aos locais de seus trabalhos evangélicos. Apoiava sua opinião
na impressão física que a mudança de clima provocara em Maria de Agreda, na
longa série de seus trabalhos entre os índios, e na opinião de várias pessoas doutas,
que ele consultara em grande segredo. Seja como for, o fato permanece sempre
como um dos mais maravilhosos de que se tem falado nos anais dos santos, e é
muito apropriado para dar uma ideia verdadeira, não só das comunicações divinas
que recebia Maria de Agreda, mas também de sua candura e de sua amável sinceridade”.
[1] Revista Espírita – Novembro/1860 – Allan Kardec
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