sexta-feira, 19 de maio de 2017

Diálogo sobre ilusão[1]


 
Ermance Dufaux

 
Rainha entre os homens, como rainha julguei que penetrasse no reino dos céus! Que desilusão! Que humilhação, quando, em vez de ser recebida aqui qual soberana, vi acima de mim, mas muito acima, homens que eu julgava insignificantes e aos quais desprezava, por não terem sangue nobre!

Uma Rainha de França (Havre, 1863)

O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO – Cap. II, Item 8


O que são as ilusões?[2] Definamos ilusão como sendo aquilo que pensamos, mas que não corresponde à realidade. São percepções que nos distanciam da Verdade. Existem em relação a muitas questões da vida, tais como metas, culturas, comportamento, pessoas, fatos. A pior das ilusões é a que temos em relação a nós: a autoilusão.
Qual a causa das ilusões? As ilusões decorrem das nossas limitações em perceber a natureza dos sentimentos que criam ou determinam nossos raciocínios.
Na matriz das ilusões encontramos carências, desejos, culpas, traumas, frustrações e todo um conjunto de inclinações e tendências que formam o subjetivo campo das emoções humanas.
Por que a senhora citou que a autoilusão é a pior das ilusões? O iludido pensa muito o mundo “negando” senti-lo, um mecanismo natural de defesa face às dificuldades que encontra em lidar com suas emoções. Esconde-se atrás de uma imagem que criou de si mesmo para resguardar autoridade social ou outro valor qualquer que deseje manter.
O objetivo da reencarnação consiste em desiludir-nos sobre nós mesmos através da criação de uma relação libertadora com o mundo material. Se não buscamos essa meta então caminhamos para a falência dos planos de ascensão individual.
Conforme a resposta anterior , o iludido esconde-se de que? De si mesmo. Criando um “eu ideal” para atenuar o sofrimento que lhe causa a angústia de ser o que é – a criatura foge de si e vive em “esconderijos psíquicos”.
Mas, por que se esconder de si mesmo? Devido ao sentimento de inferioridade que ainda assinala a caminhada da maioria dos habitantes da Terra.
Iludimo-nos através de um mecanismo defensivo contra nossa própria fragilidade que, pouco a pouco, vamos extinguindo. Negar ao que se sente e o que se deseja é o objetivo desse mecanismo. Uma forma que a mente aprendeu para camuflar o sentimento de inferioridade da qual o espírito se conscientizou em algum instante de sua peregrinação evolutiva.
Então, iludimo-nos para nos sentirmos um pouco melhores, seria isso?
Autoilusão é aquilo que queremos acreditar sobre nós mesmos, mas que não corresponde à realidade do que verdadeiramente somos, é a miragem de nós próprios ou aquilo que imaginamos que somos. Uma vivência psíquica resultante da desconexão entre razão e sentimento. É a crença na imagem idealizada que criamos no campo mental. É aquilo que pensamos que somos e desejamos que os outros creiam sobre nós.
Nós, espíritas, temos ilusões? Responderei com clareza e fraternidade: sim, muitas ilusões. O iludido, quando ambicioso, atinge sem perceber as raias da usura; quando dominador, chega aos cumes da manipulação; quando vaidoso, guinda-se aos pântanos da supremacia pessoal; quando cruel, atola-se ao lamaçal do crime; quando astuto, atira-se às vivências da intransigência; quando presunçoso, escala os cumes da arrogância; e, mesmo quando esclarecido espiritualmente, lança-se aos píncaros do exclusivismo ostentando qualidades que, muita vez, são adornos frágeis com os quais esnobam superioridade que supõem possuir.
Poderia dizer a nós, espíritas, algo sobre nossas ilusões? Existe uma tendência à autossuficiência entre os depositários do conhecimento espírita.
Discursam sobre a condição precária em que se encontram assumindo a condição de almas carentes e necessitadas, todavia, diametralmente oposto a isso, agem como se fossem “salvadores do mundo” com todas as respostas para a humanidade. Essa incoerência na conduta é provocada pela ilusão que criaram do papel do espírita no mundo...
O Espiritismo é excelente, nós espíritas, nem tanto... Nossa condição real, para quem deseja assumir uma posição ideal perante si mesmo, é a de almas que apenas começamos a sair do primitivismo moral. Alegremo-nos por isso!
Essa autossuficiência seria o orgulho? O orgulho promove essa condição, é a mais enraizada manifestação da ilusão, é a ilusão de querer ser o que imaginam que somos. Essa é a pior ilusão, a autoimagem falsa e superdimensionada de nós mesmo. Essa autoilusão é sustentada por uma “cultura de convenções” acerca do que seja ser espírita, um resquício do velho hábito religioso de criar “estampas” pelas quais serão reconhecidos os seguidores de alguma doutrina. Nesse caso, a ilusão, desenvolvida chama-se “ideia de grandeza”.
O que é essa autoimagem falsa? Uma construção mental que se torna a referência para nossas movimentações perante a vida. É uma cristalização mental, uma irradiação que cria uma rotina escravizante nos sentimentos permitindo-nos viver somente as emoções em uma “faixa de segurança, a fim de não perdermos o status da criatura que supomos ser e queremos que os outros acreditem que somos”.
O que pensamos sobre nós, portanto, determina a imagem mental indutora dos valores íntimos. Se o raciocínio sofre distorções da ilusão, então viveremos sem saber quem somos.
Como é construída essa autoimagem?
Através das vivências intelecto afetivas de todos os tempos desde a criação.
Onde ela permanece? No corpo mental. Sua maior expressão é conhecida pelas operações do departamento da imaginação no reino da mente.
Quer dizer que além da autoimagem temos um “eu real’, diferente do “eu crístico”, que ainda não conhecemos? Sim. Temos um “eu real’ que estamos tentando ignorar há milênios. Essa “parcela” de nós é a “sombra” da qual queremos fugir. Todavia, o contato com essa “zona inconsciente” revela-nos não só motivos de dor e angústia mas, igualmente, a luz que ignoramos estar em nossa intimidade à espera de nossa vontade para utilizá-la.
Aqui chamamos a atenção dos nossos parceiros de ideal para o cuidado com o processo de reforma interior. Existe muita idealização confundindo aprendizes que imaginam estar dando “saltos evolutivos” em direção a esse “eu real”, entretanto, em verdade, estão se movimentando na esfera do “eu idealizado”...
Poderia explicar mais, profundamente essa questão dos “saltos evolutivos”? É um tipo de ilusão que normalmente assalta os religiosos de todos os tempos. Imaginam-se muito melhorados a partir do contato com alguma diretriz ou prática religiosa e, então, passam a viver uma vida idealizada, um projeto de “vir a ser”. É uma ilusão e que se está fazendo a renovação, apenas uma idealização. Uma forma de comportar desconectada do sentimento, um adorno moral para nossas atitudes, é o discurso sem a vivência. O nome mais conhecido desse comportamento é puritanismo.
Como distinguir idealização de mudança verdadeira? Na idealização pensamos o que somos, como consequência, vivemos o que gostaríamos de ser, mas ainda não somos. É o hábito das aparências.
Na reforma íntima sétimos o que somos, e como consequência vivemos a realidade do que somos com harmonia, ainda que nos cause muitos transtornos. É o processo de educação paulatina.
Na idealização vive-se em permanente conflito por se tratar, em parte, de uma negação da realidade, enquanto na reforma autêntica a criatura consegue penetrar os meandros dos “sentimentos causais”, encontrando uma convivência pacífica consigo e aceitando-se sem se acomodar em direção a melhoras mensuráveis.
Como vencer nossas ilusões? Desapegando da autoimagem falsa que fazemos de nós mesmos. Desapaixonando-se do “eu”. Para isso somente o autoconhecimento.
Havendo esse desapego, conseguiremos libertar os sentimentos para novas experiências com o mundo e consequentemente com nosso “eu profundo”. Isso desencadeará um processo de resgate de nós mesmos, venceremos a condição de reféns de nosso passado escravizante, saindo da “roda viciosa das emoções” perturbadoras, quais sejam o medo, a culpa e a insegurança.
O processo da desilusão custa sorver o fel da angústia de saber quem somos, e carregar o peso do sacrifício de cuidar dessa personalidade nova que renasce exuberante. Independe do quão doloroso seja, é preferível experimentá-la no corpo a ter que purga-la na vida espiritual.
Assinalemos alguns exercícios de desapego dessa paixão que nutrimos pela imagem irreal que criamos de nós mesmos:
·         Fazer as pazes com as imperfeições.
·         Abandonar os estereótipos e aprender a se valorizar com respeito.
·         Descobrir sua singularidade e vive-la com gratidão.
·         Coragem para descobrir seus desejos, tendências e sentimentos.
·         Exercitar a autoaceitação através do perdão.
·         Munir-se de informações sobre a natureza de suas provas.
·         Aprender a ouvir com atenção o que se passa à sua volta.
·         Dominar o perfeccionismo nutrindo a certeza de que ser falível não nos torna mais inferiores.
·         Valorizar afetivamente as suas vitórias.
·         Descobrir qualidades, acreditar nelas e coloca-las a serviço das metas de crescimento.
 
Paulo, o apóstolo da renovação, indica-nos uma sublime recomendação que nos compete a meditar na natureza de nossos sentimentos em torno da mensagem do amor; sugerimos que esse seja nosso roteiro na vitória sobre as ilusões: “Olhais para as coisas segundo as aparências? Se alguém confia de si mesmo que é de Cristo, pense outra vez isto consigo (...)” – II CORÍNTIOS, 10:7




[1] Reforma Íntima sem Martírio – Wanderley S. de Oliveira
[2] As perguntas desse texto foram proferidas pelo médium – (Nota da Autora Espiritual).

Um comentário:

  1. Bela foto. Texto muito bom abordando aspectos psíquicos e psicológicos sobre o "nosso eu real" e aquele que mostramos aos outros, bem como algumas explicações sobre esse comportamento e algumas consequências.
    Para ler, reler, pensar, praticar, compartilhar....obrigada. Maria

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