Nubor Orlando Facure[2]
O progresso científico nos faz
crer que estamos rompendo as fronteiras do impossível e a ousadia dos
cientistas parece atropelar a ficção e provocar uma rotura no mito da criação.
A cada nova descoberta que nos surpreende ficamos com a impressão de que estamos
indo longe demais e o sistema de frenagem parece que ficou fora do nosso
alcance. Cada descoberta, no entanto, revela o paradoxo que expõe com mais
ênfase as nossas contradições : o que passamos a saber demonstra com mais força
o que ainda não sabemos.
Identificamos as subpartículas
da matéria, sua equivalência com a energia e dissecamos um feixe de luz em
ondas e em “quantas” de energia. Desconhecemos, porém, qual é a essência da
energia, de onde provem a matéria que nos impressiona e não temos ainda uma
noção muito segura dos fundamentos do Universo.
Dissecamos a célula,
recombinamos sua química, traduzimos seu código reprodutor e ousamos alterar o
abecedário genético. Podemos fazer cópias de qualquer forma de vida e dotá-las
de aparências ou aptidões previamente escolhidas. Desconhecemos, porém, qual é
a essência que produz a vida e de onde provém esta força que dá vida às
células. Não temos, também, uma noção muito segura dos fundamentos que nos
apontam qual é a origem da vida.
Os aparelhos de ultrassom nos
permitem “ver” a criança dentro do útero em três dimensões. Podemos identificar
seus defeitos estruturais confirmando precocemente a existência de malformações
fetais. A biópsia das células da cavidade amniótica dentro do útero nos dão um
registro de identidade da criança bem antes dela nascer. Ficam assim, os pais e
o médico com a possibilidade de decidir sobre o ônus de continuar ou não a
gestação de uma criança que se apresentará com paralisias ou retardo pela vida
toda. Precisamos saber, porém, se interromper esta vida não significa perturbar
o desenrolar de uma outra vida que transcende as expressões da matéria, para a
qual, a deformação física faz parte das suas necessidades. Não há como fazermos
esta pergunta para esta criança antes que ela venha ao mundo, mas sabemos que
as que estão entre nós, mesmo ferindo suas pernas quando tentam caminhar,
contorcendo suas mãos quando tentam escrever ou mastigando as palavras quando
tentam falar, estas, mesmo assim, querem viver. E, se possível, de mãos dadas
com as suas mães.
Os meios de cultura, os
microscópios e os delicados instrumentos de manipulação das células nos
permitiram lidar com o óvulo e o espermatozoide com a mesma facilidade com que
Mendel combinou as flores e as ervilhas do seu jardim. As cores das ervilhas e
das flores podem variar com a mesma facilidade com que podemos escolher o sexo,
a cor da pele e a cor dos olhos para as nossas crianças. Estes filhos, porém,
não trazem consigo, a certeza da felicidade, do respeito à vida ou a obediência
aos pais quando estes souberam apenas fornecer o material genético que a
reprodução assistida facilitou. Precisamos esclarecer se antecedendo a forma
física não existe um ser transcendente cujas qualidades e aptidões nos são
inteiramente desconhecidas.
Os equipamentos médicos de
respiração assistida prolongam a vida de milhares de pacientes que a UTI teima
em salvar. Os transplantes de órgãos dão ao paciente a oportunidade de um
renascer na jornada da vida. Os imunossupressores controlam a rejeição nos
transplantados e reduzem as respostas indesejadas em inúmeras doenças que a
imunologia está esclarecendo a causa. Aplicações que atingem diretamente o
sistema nervoso estão controlando dores terríveis que incomodam os pacientes
com câncer. Estes progressos todos, porém, não conseguirão nunca solucionar o
dilema da morte e do sofrimento que às vezes a antecede. Por outro lado, estes
recursos que aliviam e prolongam a vida, podem, com a mesma competência, serem
postos a disposição para decidir a data da morte ou a interrupção do
sofrimento. O recurso da tecnologia veste a toga de juiz no médico que não sabe
ver um sentido purificador de Almas quando a dor se torna crônica ou
incontrolável. Precisamos saber se aliviar o sofrimento físico não precipita um
compromisso maior ou se compromete um resgate que estaremos adiando.
O homem está acostumado a usar
sua inteligência para fragmentar seus problemas e com isto poder dominá-los.
Hoje, a extensão do nosso conhecimento nos permite perceber que esta separação
“espedaça o complexo do mundo em fragmentos desconjuntados”, fraciona um
problema específico mas cria um dilema gigantesco pela repercussão no todo.
Este modelo de fragmentação e a competência tecnológica que ele proporcionou,
não são suficientes para resolver as contradições do nosso mundo interior.
Temos de rever nossas posições éticas com argumentos que extrapolem os limites
e o alcance da Ciência. Principalmente, por que nos falta responder aquelas
perguntas essenciais que esclareçam quem somos, de onde viemos e para onde
vamos. Nos dias de hoje estes dilemas nos parecem serem inadiáveis.
Os dilemas da ética de hoje nos
empurraram precipitadamente para o aborto que descarta a criança malformada; a
eutanásia que apressa a morte pressupondo alívio do sofrimento; a gestação de
crianças sem vínculo afetivo com os pais; a manipulação genética que poderá
escolher a aparência física; a vida psicossocial do organismo completo, em
contraposição à vida biológica de meia dúzia de células embrionárias fecundadas
em laboratório. Parece que não nos damos conta de estarmos esticando ou
cortando o fio da “teia da vida”.
Em 1857 Allan Kardec codificou
uma Doutrina de bases científicas, filosóficas e religiosas. Entre seus
princípios se afirma que a fé tem de se submeter ao critério de racionalidade.
Seus enunciados científicos não se prendem às amarras de uma ciência que só
consiga enxergar o mundo material que impressiona nossos limitados sentidos.
Suas verdades estão sujeitas ao progresso humano que a própria Ciência tende a
promover.
O seu conteúdo foi fornecido por
Espíritos que acompanham e promovem o desenvolvimento da Humanidade. Eles
afirmaram que somos todos Almas imortais que ocupamos provisoriamente um corpo
físico que nos permite viver experiências que, de simples e ignorantes, nos
tornarão sábios e puros de coração. Este processo de evolução se faz numa série
incontáveis de reencarnações que se processam na Terra e em outros planos da
criação divina.
Esta Doutrina nos revela que o
aborto destrói a vida biológica e impede a reencarnação do espírito que habita
este corpo desde a fecundação, comprometendo sua evolução espiritual.
A eutanásia adia o resgate e a
reparação de débitos contraídos pelo espírito, cujo corpo sofre para
possibilitar sua redenção. Isto não significa evitar meios de aliviar a dor ou
o sofrimento, mas, de impedir que se utilize a morte como recurso terapêutico.
Cada um de nós recebe ao
reencarnar, o corpo mais adequado às suas necessidades espirituais. A
manipulação genética visando os benefícios e as dificuldades que este corpo
venha a se manifestar, são estabelecidas por entidades espirituais que zelam
por nosso progresso. A evolução do conhecimento humano vai possibilitar que o
médico-cientista participe e favoreça nossas possibilidades físicas, mas,
jamais nos livrará dos compromissos cármicos que nossos débitos pretéritos
impõem como conta a pagar em nosso próprio benefício.
Nossa vinculação familiar já
esteve ligada ao sobrenome ou aos títulos de nobreza. Hoje, está determinada pelos
laços matrimoniais ou pela paternidade reconhecida no DNA. As técnicas de
reprodução estão desmontando todos estes vínculos físicos, carnais, mas não
conseguirão nos desfazer dos compromissos que deixamos de cumprir diante de
irmãos de outras vidas, que mais cedo ou mais tarde, cruzarão nosso caminho,
atraídos pela vibração que as algemas da culpa ou os laços de amor nos
impulsionarem.
Ensinam os Espíritos que a
reencarnação tem início no momento da fecundação através de processos complexos
que exigem a “regressão” do corpo espiritual do reencarnante, a ordenação do
patrimônio genético que ele vai receber e a conjunção de forças de atração
exercidas pelos futuros pais. Esses Instrutores espirituais nos anteciparam que
a fecundação e o desenvolvimento do embrião pode ocorrer sem a presença de um
espírito assumindo este corpo. Este fato pode nos permitir imaginar que a
fecundação em laboratório ocorre desprovida de um espírito em suas células e a
gravidez só será bem sucedida quando a conjunção de diversos fatores ligados a
participação de um espírito e a conjunção de vibrações dos pais promoverem a
sintonia desta união.
Quando Allan Kardec perguntou
aos Espírito qual o nosso maior direito, eles responderam que é o direito de
viver. A vida é a maior expressão da criação de Deus. Ainda não temos alcance
suficiente para compreender a extensão da criação divina que expressa vida em
tudo que existe. Os Espíritos, no entanto, ensinaram que o princípio
inteligente deverá percorrer toda jornada de evolução, do átomo ao arcanjo.
[2]Nubor Orlando Facure, CRM-SP 11789, é diretor do
Instituto do Cérebro de Campinas, e ex-professor titular de neurocirurgia da
UNICAMP. Diversos de seus textos na interface ciência-espiritismo, bem como
referências a suas publicações recentes nessa área encontram-se no site http://www.geocities.com/nubor_facure/
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