No número das questões
importantes que se ligam à ciência espírita, o papel dos médiuns foi objeto de
muitas controvérsias. O Sr. Brasseur, diretor do Centro Industrial, manifestou
a respeito ideias particulares, numa série de artigos muito bem redigidos no Moniteur de la toilette[2],
principalmente no mês de agosto último, do qual extraímos as passagens que citaremos
adiante. Ele nos honra com o pedido de nossa opinião; nós lhe daremos com toda
sinceridade, sem pretender que o nosso julgamento faça lei. Deixemos que nossos
leitores e observadores julguem a questão. Aliás, não teremos senão que resumir
o que a respeito já dissemos em várias ocasiões, quando tratamos o assunto com
muito mais desenvolvimento do que aqui podemos fazer, não nos sendo possível
repetir o que se acha em nossos diversos escritos.
Eis as principais passagens de
um dos artigos do Sr. Brasseur, seguidas de nossas respostas:
“O que é um médium”? “O médium é
ativo ou passivo”? Tais são as perguntas que visam a elucidar um assunto que preocupa
vivamente as pessoas desejosas de se instruírem sobre as coisas de além-túmulo
e, consequentemente, de suas relações com esse mundo.
“A 18 de maio último, enviei ao
Presidente da Société Spirite uma
nota intitulada: Do Médium e dos Espíritos.
Por volta do dia 15 de julho o Sr. Allan Kardec publicou um novo livro sob o título:
O Que é o Espiritismo? Ao abri-lo,
imaginei encontrar uma resposta categórica, mas em vão. O autor persiste em
seus erros: Os médiuns – diz ele à
página 75 – são PESSOAS aptas a receber, de maneira patente, a
impressão dos Espíritos e a servir de INTERMEDIÁRIOS entre o mundo visível e o mundo invisível”.
A obra supracitada não é um
curso de Espiritismo; é uma exposição sumária dos princípios da ciência para
uso das pessoas que desejam adquirir as primeiras noções, e o exame das questões
de detalhe e das diversas opiniões não podem entrar num quadro tão restrito e
de finalidade especial. Quanto à definição que damos dos médiuns, parece
perfeitamente clara, e é por ela que respondemos à pergunta do Sr. Brasseur: O
que é um médium?
É possível que ela não
corresponda à sua opinião; quanto a nós, até agora não temos nenhum motivo para
modificá-la.
“O Sr. Allan Kardec não
reconhece o médium inerte. Fala muito de caixas, cartões ou pranchetas, mas não
vê nessas coisas (página 62) senão apêndices da mão, cuja inutilidade teria sido
reconhecida...”.
“Compreendamos bem”.
“Em sua opinião o médium é um
intermediário entre o mundo visível e o mundo invisível; mas é absolutamente necessário que esse
intermediário seja uma pessoa? Não basta que o invisível tenha à sua
disposição um instrumento qualquer
para se manifestar”?
A isso responderemos sem
rodeios: Não; não basta que o invisível tenha à sua disposição um instrumento
qualquer para se manifestar, pois lhe falta
o concurso fluídico de uma pessoa; para nós essa pessoa é o verdadeiro
médium. Se bastasse ao Espírito ter à sua disposição um instrumento qualquer,
veríamos cestas ou pranchetas escreverem sozinhas, o que jamais aconteceu. A
escrita direta, que parece ser o fato mais independente de qualquer cooperação,
só se produz sob a influência de médiuns dotados de uma aptidão especial. Uma
consideração poderosa vem corroborar nossa opinião. De acordo com o Sr.
Brasseur, o instrumento é a coisa principal, e a pessoa é a coisa acessória;
para nós é justamente o contrário. Se assim não fosse, por que as pranchetas
não se moveriam com qualquer um? Se, pois, para fazê-la mover, é necessário que
sejamos dotados de uma aptidão especial, o papel da pessoa não é puramente
passivo. É por isso que essa pessoa é, para nós, o verdadeiro médium. O
instrumento, como já dissemos, é apenas um apêndice da mão, do qual podemos
dispensar. E isso é tão verdadeiro que toda pessoa que escreve por meio da
prancheta pode fazê-lo diretamente com a mão, sem prancheta e mesmo sem lápis,
visto poder traçar os caracteres com o dedo, ao passo que a prancheta não
escreve sem a pessoa. Aliás, todas as variedades de médiuns, assim como seu
papel ativo ou passivo, estão amplamente desenvolvidos em nossa Instrução Prática sobre as Manifestações.
“Separada da matéria pela
dissolução do corpo, a alma não tem mais nenhum elemento físico da Humanidade”.
”E que fazeis do perispírito”?
O perispírito é o laço que une a
alma ao corpo, o envoltório semimaterial que ela possui durante a vida e que
conserva após a morte: é sob esse envoltório que ela se mostra nas aparições.
Esse envoltório também é matéria que, embora eterizada, pode adquirir as
propriedades da tangibilidade.
“Segurando o lápis diretamente,
observou-se que a pessoa mistura os sentimentos e as suas ideias com as ideias
e os sentimentos do invisível, de sorte que assim são dadas apenas comunicações com interferência, ao passo
que, empregando as caixas, cartões e pranchetas sob as mãos de duas pessoas
reunidas, estas permanecem absolutamente estranhas à manifestação que, então, é
somente do invisível; é por isso que declaro este último meio superior e
preferível ao da Sociedade Espírita”.
Esta opinião poderia ser
verdadeira se não fosse contraditada pelos milhares de fatos observados, seja
na Sociedade Parisiense de Estudos
Espíritas, seja em outros lugares, provando, de maneira insofismável, que
os médiuns animados, mesmo intuitivos,
e com mais forte razão os médiuns mecânicos,
podem ser instrumentos absolutamente passivos e gozar da mais completa independência
de pensamentos. No médium mecânico o Espírito age sobre a mão, que recebe um
impulso completamente involuntário e desempenha o papel daquilo que o Sr.
Brasseur chama médium inerte, quer
seja ela só, quer munida de um lápis, ou apoiada sobre um objeto móvel, provido
de lápis.
No médium intuitivo o Espírito
age sobre o cérebro, transmitindo pela corrente do sistema nervoso o movimento
ao braço, e assim por diante. O médium mecânico escreve sem ter a menor
consciência do que produz: o ato precede
o pensamento. No médium intuitivo o pensamento acompanha o ato e por vezes
o precede: é então o pensamento do Espírito que atravessa o cérebro do médium;
e se algumas vezes parecem confundir-se, nem por isso sua independência é menos
manifesta, quando, por exemplo, o médium escreve, mesmo por intuição coisas que não pode saber, ou inteiramente
contrária às suas ideias, à sua maneira de ver e às suas próprias convicções.
Numa palavra, quando ele pensa branco e escreve preto. Além disso, há tantos
fatos espontâneos e imprevistos que não é possível a dúvida naqueles que os observaram.
O papel do médium é aqui o de um intérprete que recebe um pensamento estranho,
transmite-o e deve compreendê-lo a fim de o transmitir, e que, entretanto, não
o assimila. É assim que as coisas se passam nos médiuns falantes que recebem o impulso
sobre os órgãos da palavra, como outros o recebem sobre o braço ou a mão, e
ainda os médiuns audientes, que
escutam claramente uma voz a falar-lhes e a ditar-lhes o que devem escrever.
E que diríeis dos médiuns videntes, aos quais os Espíritos se mostram
sob a forma que possuíam em vida, médiuns que os veem circular à nossa volta,
indo e vindo como a multidão que temos aos nossos olhos? E os médiuns
impressionáveis, que sentem os toques ocultos, a impressão dos dedos e até das
unhas, marcando a pele e nela deixando o seu sinal? Isso pode ocorrer com um
ser que nada mais tem de matéria? E os médiuns de dupla vista? Embora perfeitamente
despertos e em pleno dia, veem claramente o que se passa a distância. Não é uma
faculdade própria, um gênero de mediunidade? A mediunidade é a faculdade dos
médiuns. Os médiuns são pessoas acessíveis à influência dos Espíritos e que
lhes podem servir de intermediários. Tal é a definição que se encontra no
pequeno Dictionnaire des Dictionnaires
français abrégé, de Napoléon Landais, e até agora ela nos parece dar
exatamente essa ideia.
Não contestamos a utilidade dos
instrumentos que o Sr. Brasseur designa sob o nome de médiuns inertes, já que
ele tem perfeita liberdade para o escolher, caso julgue conveniente fazer uma
distinção. Incontestavelmente eles têm uma vantagem, como resultado da
experiência, para as pessoas que ainda nada viram.
Como, porém, a Sociedade
Parisiense de Estudos Espíritas constitui-se apenas de pessoas que não são mais
iniciantes, cujas convicções já se formaram; como não faz nenhuma experiência visando
a satisfazer a curiosidade do público – que jamais convida às suas sessões, a
fim de não ser perturbada em suas pesquisas e em suas observações – esses meios
primitivos não lhe ensinariam nada de novo. Eis por que a Sociedade utiliza
meios mais eficientes, visto possuir grande experiência do assunto para saber
distinguir perfeitamente a natureza das comunicações que recebe. Não
acompanharemos o Sr. Brasseur em todos os raciocínios sobre os quais apoia a
sua teoria. Temeríamos enfraquecê-los ou mutilá-los. Na impossibilidade de os
reproduzir na íntegra, preferimos remeter os leitores, que deles quiserem tomar
conhecimento, ao jornal que ele redige com incontestável talento, e no qual se
encontram sobre o mesmo assunto artigos do Sr. Jules de Neuville, muito bem
escritos, mas que aos nossos olhos apresentam somente uma falha: não terem sido
precedidos de um estudo suficientemente aprofundado da matéria, o que teria
evitado muitas questões supérfluas.
Em resumo, de acordo com a
Sociedade Espírita, persistimos em considerar as pessoas como verdadeiros
médiuns, que podem ser ativos ou passivos, segundo a sua natureza e a sua aptidão.
Chamemos os instrumentos – se assim o quiserem – de médiuns inertes; é uma distinção que talvez seja útil, mas incorreríamos
em erro se lhes atribuíssemos o papel e as propriedades dos seres animados nas
comunicações inteligentes.
Dizemos inteligentes porque
ainda é necessário distinguir certas manifestações espontâneas puramente
físicas. É um assunto que já tratamos amplamente na Revista.
[1] Revista
Espírita – Outubro/1859 – Allan Kardec
[2] Journal des salons. – Modes. – Litératture. –
Théâtres. Rue de l’Echiquier, 45.
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