quarta-feira, 29 de março de 2017

Mudança de personalidades em transplantados cardíacos[1]



Ademir Xavier Jr.[2]


“Quero um coração. Pois cérebros não nos fazem felizes e a felicidade é a melhor coisa do mundo”.

L. Frank Baum, "O mágico de Oz"
 
No livro "Nos Domínios da Mediunidade", André Luiz cita o estranho fenômeno da psicometria, definindo-o como “a faculdade de ler impressões e recordações ao contato de objetos comuns”. Parte da explicação está na impregnação de objetos (que podem ser virtualmente "qualquer coisa") com algum tipo de substância ou fluido que permite a um indivíduo, dotado de faculdade psicométrica, acessar o passado histórico desse objeto. Segundo André Luiz “todos os objetos que você vê emoldurados por substâncias fluídicas acham-se fortemente lembrados ou visitados por aqueles que os possuíram". Exemplos de psicometria também podem ser encontrados na obra de Yvonne Pereira, como é o caso de "Devassando o Invisível". 
Embora o tema tenha sido estudado no alvorecer do Espiritismo, o termo "psicometria" não existe em nenhuma obra de Kardec. Seu grande estudioso foi certamente Ernesto Bozzano, que chegou a escrever uma obra sobre o assunto, "Enigmas da Psicometria". Segundo Bozzano "a psicometria não passa de uma das modalidades da clarividência". Portanto, ainda que Kardec não tenha tratado diretamente do tema, é possível prever sua explicação ao se invocar o conceito Kardequiano de "dupla vista". (Ver O Livro dos Espíritos, 2ª parte, Capítulo 8)
A própria concepção do fluido magnético se presta como ingrediente fundamental para a psicometria. Muitas explicações do fenômeno de psicometria frequentemente não utilizam Espíritos como "agentes intermediários". A razão disso está na influência da "Metapsíquica", um movimento posterior ao Espiritismo que buscou explicar muitos fenômenos psíquicos - em nossa opinião sem sucesso - como instâncias de faculdades inerentes ao "médium" ou "sensitivo", ou seja, sem recorrer aos Espíritos. Mas não é correto afirmar que Espíritos seriam absolutamente prescindíveis na psicometria e o assunto certamente merece novos estudos que apenas o Espiritismo pode contribuir.
Fenômenos os mais estranhos frequentemente ocorrem sob circunstâncias igualmente excepcionais. Tal é o caso de perceptíveis "mudanças de personalidade" em pacientes que passaram por transplantes, em particular, do coração. Em suma: pacientes com coração transplantado são acometidos por uma estranha mudança de hábitos, gostos e até mesmo inclinação sexual. Para restringir os casos apenas àqueles que foram descritos pela literatura científica, recorremos ao artigo de Pearsall e colaboradores, publicado em 2002.
Esse artigo motivou outro como o de Gabriel Filho na revista "Galileu" e até mesmo uma novela televisiva. O caso mais famoso relatado no artigo de Pearsall et al foi o de Claire Sylvia, que publicou um livro sobre sua mudança de personalidade em 1997. Com o transplante, surgiram inesperadamente interesse por alimentos que ela nunca ingeriu (como cerveja, por exemplo, que era consumida pelo doador do órgão desencarnado em um acidente automobilístico). Claire Sylvia afirmou ainda ter sonhado com o doador que lhe revelou seu nome.
No artigo de Pearsall podemos ler dez casos, como, por exemplo, o 5º que descreve uma mulher de 19 anos que faleceu em um acidente automobilístico e a recipiente, uma mulher de 29 anos diagnosticada com cardiomiopatia secundária. A doadora era vegetariana e, segundo a mãe, ia se casar em breve, tendo passado por experiências amorosas com diversos rapazes em poucos meses. A paciente por outro lado se descrevia como lésbica antes do transplante. Estranhamente mudou de hábito, tendo passado também por grande repulsa de carne (afirma que seu coração dispara quando sente cheiro de carne). Também descreveu sentir, por algum mecanismo desconhecido, o impacto do acidente da doadora. A transplantada se casou com um homem depois de receber o novo coração. O caso 9 envolveu um doador de três anos de idade (que caiu de uma janela ao tentar pegar um brinquedo) e o recipiente, um garoto de nove anos. Segundo os pais do recipiente, depois do transplante, sem nenhum conhecimento prévio, o garoto corretamente adivinhou a idade do doador, a causa mortis, e o chamou de "Tim" (seu nome era "Thomas", mas era chamado pelos pais intimamente de "Tim"). Estranhamente também nunca mais brincou com o mesmo brinquedo que tinha sido a causa da morte do doador com quem passou a compartilhar outros hábitos.  
Alguns médicos, pouco afeitos a fenômenos insólitos, por prudência, explicam essas ocorrências como naturais e causadas pelo uso de medicações (um transplantado cardíaco ingere uma grande quantidade de drogas como parte do processo de aceitação do novo órgão, isto é, para evitar rejeição). Entretanto, a variedade e sutileza das experiências observadas tornam difícil explicar tudo como causado por drogas. Seriam tais mudanças causadas por algum fenômeno semelhante ao da psicometria? Obviamente, não esperamos que isso ocorra com frequência. Sabemos que a sensibilidade mediúnica não está igualmente distribuída na população. Assim, qualquer influência desse tipo se manifestaria de forma rara, o que parece ser o caso nos transplantes e está confirmada por Pearsall et al e estudos subsequentes. Além disso, no passado, essas mudanças foram provavelmente escondidas pelos doadores com receio de problemas de aceitação pelos familiares.
O que o Espiritismo teria a dizer a respeito desse fenômeno? Primeiramente, a ideia de que um órgão ou pedaço do corpo fique impregnado por fluidos de seu "dono" parece ser consequência natural da teoria magnética usada por Kardec nas explicações de muitas ocorrências mediúnicas. Também fica explicada a raridade dos casos pela necessidade do doador ter uma sensibilidade mínima, apenas observada em pessoas que sejam mais "influenciáveis" ou, na linguagem do magnetismo animal, mais "magnetizáveis". Entretanto, por que os transplantados de coração apresentam as mudanças mais notáveis? Se transplantes de fígado e rins são os mais realizados, porque as mudanças são maiores com o coração?
A resposta talvez forneça as primeiras pistas para a confirmação da existência de órgãos espirituais. Essa noção é inexistente em Kardec, pois a maior parte dos fenômenos espíritas são processos externos e transitórios, que ocorrem com a influência de Espíritos sobre médiuns, que têm seu comportamento alterado apenas durante o transe mediúnico. A mediunidade é vista de forma geral como uma faculdade do corpo e isso basta para explicar muitos fenômenos. Seria o fenômeno de natureza obsessiva? Não gostamos dessa ideia porque obsessão exigiria um vínculo comportamental pré-existente entre o doador e o recipiente. Obviamente que é possível haver obsessão em algum caso de transplante, mas isso obedeceria a condições usuais de qualquer obsessão e não causada pelo evento de transplante. Além disso, ela seria comum a qualquer tipo de transplante, o que não explica sua maior ocorrência com o coração.
No caso dos transplantados, o recebimento de um órgão vital como o coração, em região conhecida nas tradições orientais como sendo "plexo cardíaco", pode significar uma mudança grande demais para que tais mudanças de personalidade não apareçam. A interação se daria por meio de troca de "fluidos espirituais" sutis entre o coração transplantado e o perispírito do recipiente, já que, do ponto de vista material, são rompidos nesse último quaisquer conexões neurais com o cérebro (o que ocorre com a retirada do coração doente). 
Tais esboços de explicações podem fornecer a base inicial para se apreciar melhor essas mudanças de comportamento, muito difíceis de serem compreendidas pelo materialismo, para o qual as sensações são produzidas no cérebro e o coração é apenas uma bomba de sangue. Portanto, nossa conclusão e sugestão é que tais mudanças de personalidade podem ser explicadas ao se considerar a importância desse centro de fluidos com possíveis órgãos no perispírito do encarnado, a sensibilidade do recipiente e a existência de fluidos espirituais impregnados no órgão doado.
 
Referências:
​Sylvia, C. (1997). A Change of heart: a memoir. New York; Warner Books.
Pearsall, P., Schwartz, G. E., & Russek, L. G. (2002). Changes in heart transplant recipients that parallel the personalities of their donors.   Journal of Near-Death Studies, 20(3), 191-206.
Manzano Filho, G. (2002) "Estranhas memórias do coração". Revista Galileu. http://galileu.globo.com/edic/102/con_transp1.htm

Um comentário:

  1. Romeu,lembrei das palavras do Chico, orientado por Emmanuel,lá na década de 70. Sobre os transplantes que estavam se iniciando, Chico advertiu que era necessário a conscientização do caráter humanitário para que não houvesse rejeição. Que era importante respeitar o desejo do doador.Se ele fosse contrário em vida,que não usassem seus órgãos para não provocar rejeição. Está aí mais um ponto que corrobora com as teses levantadas pelo artigo. Ainda temos muito que aprender.... excelente texto!

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