terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

O MAU-OLHADO NA ÓTICA ESPÍRITA[1]



 Paulo da Silva Neto Sobrinho
  

Vamos falar de uma crença comum, talvez até mesmo universal, que, segundo o nosso entendimento, tem base doutrinária, mas, no início, poderá causar estranheza a alguns dos estudiosos do Espiritismo.
Será que o mau-olhado é simplesmente uma superstição ou uma realidade percebida pela sabedoria popular? Eis a questão.
 Mau-olhado ou olho gordo é uma crença folclórica (provavelmente muito antiga por ser observada entre vários povos) de que a inveja de alguém, demonstrada pelo olhar ou não, pode vir a ocasionar a degradação do alvo da inveja ou de uma boa sorte. Para tanto, em todas as culturas em diversos tempos da história, foram criados amuletos contra o mau-olhado, como nazar[2].
Tradicionalmente associado a ideia de "secar com os olhos" […]. Na tradição bíblica, o mau-olhado tem vinculações com a restrição à cobiça (Êxodo 20). (WIKIPÉDIA, Internet, grifo nosso).
Trouxemos a definição na Wikipédia que, embora não muito confiável, servirá apenas para ressaltar que muitas pessoas veem o mau-olhado como uma crença folclórica. Mas não seria o caso de se questionar: ora, se é uma tradição que se nota "em todas as culturas em diversos tempos da história", e que a todo o momento são presenciadas e narradas ocorrências que levam pessoas a, pelo menos, suspeitarem da sua existência, por que apenas se considera como produto do imaginário?
 Cada vez mais estamos convencidos de que, quando uma coisa é Universal, ela é fato, embora possa ser interpretada de forma equivocada, dada a falta de conhecimento dos mecanismos que a fazem funcionar. Talvez um bom exemplo disso seja a crença em fantasmas, que é, certamente, Universal, o que, no Espiritismo, se demonstrou ser a alma dos mortos se manifestando aos "vivos".
Popularmente praticam-se até mesmo certos rituais na tentativa de se "fechar o corpo" contra o mau-olhado.
Comprova-se a sua realidade com duas ocorrências, que são de conhecimento, especialmente, de pessoas do interior. Hoje com a concentração urbana, está se perdendo essa cultura.
Uma delas é o mau-olhado dirigido contra plantas. Uma pessoa visita outra, que tem um lindo vaso de samambaia; a visitante, olhando para ele, diz: "Que samambaia linda, nunca vi uma igual". É o que basta, no outro dia de manhã, a pobre planta está toda desmilinguida, parecendo que lhe passam uma baforada de fogo. Muitas plantas chegam mesmo a morrer, algumas poucas conseguem sobreviver, mas dispensarão muitos cuidados.
 A outra diz respeito a crianças que, após elogio de determinada pessoa, muitas vezes amiga da família, ficam agitadas, não conseguem dormir direito, até que alguém sugere: "Leve-a para benzer". Dito e feito, após ser benzida a criança volta à situação normal, um anjinho.
As benzedeiras, são, geralmente, senhoras maduras com desprendimento invejável que, via de regra, só praticam a benzeção em crianças. O certo é que "dá certo", quer acreditem ou não os que não estão acostumados com "essas coisas" de gente do interior, ou da periferia de cidades grandes.
Emmanuel, em O Consolador, respondendo à pergunta "a chamada benzedura, nos meios populares, será uma modalidade de passe?", afirma categórico: "As chamadas 'benzeduras', tão comuns no ambiente popular, sempre que empregadas na caridade, são expressões humildes do passe regenerador, vulgarizando nas instituições espiritistas de socorro e assistência". (XAVIER, 1986a, p. 68)
Vejamos, em três fontes distintas, o que temos para sustentação disso:
1 - Estudiosos
Jacob de Melo (1952- ), em Cure-se e cure pelos passes, aborda o tema:
Se existe um fluido ou uma energia benéfica, poderá haver também aquela que prejudica?
 Sem dúvida. Todas as vezes que  vibramos negativamente ou desejamos o mal para alguém, estamos produzindo um mau fluido, um fluido desarmônico, um campo desestruturador. Por isso mesmo, este pode ser qualificado como um fluido prejudicial. […].
O que seria um "mau-olhado", um "quebranto"?
Da parte de quem o sofre, trata-se da absorção de uma carga fluídica, a qual contamina ou mesmo congestiona um ou mais centros vitais importantes, gerando a falência do(s) mesmo(s), terminando por transferir a mazela para o(s) órgão(ãos) físicos correspondentes. Da parte de quem o realiza é a emissão de uma carga fluídica muito densa, dirigida, de forma intencional ou não, a pessoas, plantas e/ou animais.
Por que as crianças estão mais sujeitas aos maus-olhados do que os adultos?
Porque nas crianças os centros vitais são "menores" e mais sensíveis. Nelas eles estão estruturados para processarem fluídos mais refinados e sutis do que os elaborados para os adultos, além de, por suas dimensões, "trabalharem" menores quantidades de fluidos.  Quando recebem cargas fluídicas densas e/ou em grandes quantidades, esses centros entram rapidamente em congestão fluídica, daí advindo a falência dos mesmos. […].
E para que serve o galho que a rezadeira usa?
 É uma espécie de catalisador, um sinalizador. Estando a criança sob congestão fluídica, o passar da mão da rezadeira fará a movimentação dos fluidos ali estacionados. Já que entre a mão da rezadeira e o corpo da criança existe uma planta, os fluidos passarão por esta. Como o meio vegetal é incompatível com as cargas fluídicas em trânsito, ele vai fulminando e, a depender do quanta fluídico causador da congestão, a fulminância será maior ou menor. […]. (MELO, 2003, p. 55-59, grifo do articulista).
No Programa Transição, número 007 de 23.11.2008, disponível no site Kardec.TV, o médium Divaldo Pereira Franco (1927- ), explicando sobre o tema mau-olhado e feitiçaria, disse:
"[…] Naturalmente a Doutrina Espírita examina a problemática do ponto de vista dos fenômenos anímicos. O denominado mau-olhado nada mais é do que uma intensa vibração mental de alguém que é dominado por sentimentos inferiores – a inveja, a competitividade – e ao descarregar esta onda de sentimentos negativos e vibrações perversas, muitas vezes atinge aquele contra o qual é dirigido esse pensamento perturbador. E atinge-o porquê o outro se encontra numa faixa vibratória equivalente, e através do fenômeno da sintonia capta aquela descarga perturbadora. […]". (FRANCO, 2008, grifo do articulista).
Na obra Diversidade dos carismas: teoria e prática da mediunidade, de autoria de Hermínio Corrêa de Miranda (1920-2013), há referência sobre este assunto:
[…] E o problema do mau-olhado? Existe mesmo?
Como vimos, os espíritos não o negam ao afirmar que há pessoas dotadas de grande força magnética da qual podem fazer mau uso. (MIRANDA, 1991, p. 311, grifo do articulista).
Um pouco mais a frente, detalhando, explica Hermínio de Miranda:
É certo, porém, que forças mentais poderosas podem ser manipuladas pelo pensamento e pela vontade. Não há, portanto, mau-olhado no sentido de que um simples olhar possa fazer murchar uma planta ou adoecer uma pessoa; há, contudo, sentimentos desarmonizados que, potencializados pela vontade consciente ou inconsciente, acarretam distúrbios consideráveis em pessoas, animais ou plantas.
O pensamento é a mais poderosa energia no Universo e circula por um sistema perfeito de vasos comunicantes, através de toda a natureza. Segundo as intenções sob as quais é emitido, tanto pode construir como destruir. Dar vida, como retirá-la. Nada mais que isso. (MIRANDA, 1991, p. 320, grifo do articulista).
Ney Pietro Peres (?- ), em Manual prático do espírita, trata desse assunto:
O próprio conhecimento popular já definiu o conceito de "mau-olhado", que, ao ser dirigido por determinadas criaturas, a tantos causa prejuízos em seus bens materiais, quando não o mal-estar e a indisposição. É a vibração que o invejoso emite de tão forte envolvimento negativo, que, ao atingir alguém desprotegido e desprevenido, realmente pode provocar vários males.
Muito cuidado, portanto, com os sentimentos de inveja que venhamos a emitir para quem quer que seja, lembrando sempre que colheremos, para nós mesmos, todo o mal que aos outros provocarmos. (PERES, 1989, p. 82, grifo do articulista).
2 - Espíritos
O Espírito Antônio Carlos pela médium Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho (?- ), na obra Ah, se eu pudesse voltar no Tempo!,  a certa altura, afirma:
[…] Incauto quem não crê que energias negativas, sejam elas quais ou de quem forem, possam nos atingir, como também aquele que acha que tudo que nos acontece é por influência alheia. Nunca se deve esquecer das reações de nossas próprias ações. E se vibrarmos no bem, nada de mal nos atingirá. (CARVALHO, 2006, p. 103, grifo do articulista).
Joanna de Ângelis, mentora do consagrado médium baiano Divaldo Franco, na obra Autodescobrimento – uma busca interior, tece essas considerações:
[…] são muitos os efeitos perniciosos no corpo, causados pelos pensamentos em desalinho, pelas emoções desgovernadas, pela mente pessimista e inquieta na aparelhagem celular.
Determinadas emoções fortes  – medo, cólera, agressividade, ciúme – provocam alta descarga de adrenalina na corrente sanguínea, graças às glândulas suprarrenais. Por vez, essa ação emocional reagindo no físico, nele produz aumento da taxa de açúcar, mais forte contração muscular, face à volumosa irrigação do sangue e sua capacidade de coagulação mais rápida.
 A repetição do fenômeno provoca várias doenças como a diabetes, a artrite, a hipertensão… Assim, cada enfermidade física traz um componente psíquico, emocional ou espiritual correspondente.  […] (FRANCO, 2006, p. 19-20, grifo do articulista).
3 - Na Codificação
Na obra A Gênese, cap. XIV – Os fluidos, Kardec faz várias observações entre elas algumas que tocam diretamente o nosso assunto. É importante buscarmos essa confirmação, pois validará todas as opiniões anteriormente colocadas.
15. Sendo os fluidos o veículo do pensamento, este atua sobre os fluidos como o som sobre o ar; eles nos trazem o pensamento, como o ar nos traz o som. […].
16. Sendo esses fluidos o veículo do pensamento e podendo este modificar-lhes as propriedades, é evidente que eles devem achar-se impregnados das qualidades boas ou más dos pensamentos que os fazem vibrar, modificando-se pela pureza ou impureza dos sentimentos. Os maus pensamentos corrompem os fluidos espirituais, como os miasmas deletérios corrompem o ar respirável. […].
17. […] Como os odores, eles [os fluídos] são designados pelas suas propriedades, seus efeitos e tipos originais. Sob o ponto de vista moral, trazem o cunho dos sentimentos de ódio, de inveja, de ciúme, de orgulho, de egoísmo, de violência, de hipocrisia, de bondade, de benevolência, de amor, de caridade, de doçura etc..  Sob o aspecto físico, são excitantes, calmantes, penetrantes, adstringentes, irritantes, dulcificantes, soporíficos, narcóticos, tóxicos, reparadores, expulsivos; tornam-se força de transmissão, de propulsão, etc. O quadro dos fluidos seria, pois, o de todas as paixões, das virtudes e dos vícios da Humanidade e das propriedades da matéria, correspondentes aos efeitos que eles produzem.
18. […] O pensamento do encarnado atua sobre os fluidos espirituais, como o dos desencarnados, e se transmite de Espírito a Espírito pelas mesmas vias e, conforme seja bom ou mau, saneia ou vicia os fluidos ambientes.
[…].
Atuando esses fluidos sobre o perispírito, este, a seu turno, reage sobre o organismo material com que se acha em contato molecular. Se os eflúvios são de boa natureza, o corpo ressente uma impressão salutar; se são maus, a impressão é penosa. Se são permanentes e enérgicos, os eflúvios maus podem ocasionar desordens físicas; não é outra a causa de certas enfermidades. (KARDEC, 2007e, p. 324-327, grifo do articulista).
Acreditamos que fica clara a posição doutrinária a respeito do tema, considerando a base principal que é o livro A Gênese, bem como as diversas opiniões acima mencionadas.
Oportuno, trazermos preciosa página do Espírito Rosângela, psicografia de José Raul Teixeira (1949-  ), que leva o título de O Pensamento:
Para você que sabe que o pensamento é energia a plasmar a vida, surge o imperativo de bem cuidar de suas fontes, para melhorar o padrão das vibrações que partem do imo da alma.
Pensar é construir… Pensar é semear… Pensar é produzir…
Veja bem o que semeia, o que produz, nas construções de sua vida, com as suas ondas mentais.
Seu pensamento, inestancável, é você a projetar-se…
Pense melhor. Pensamento é vida!" (TEIXEIRA, 1996, p. 28-31).
Entendemos que todo cuidado é pouco, porquanto… "o feitiço pode se virar contra o feiticeiro": […] O desequilíbrio da mente pode determinar a perturbação geral das células orgânicas. […] As intoxicações da alma determinam as moléstias do corpo. (instrutor ALEXANDRE em Missionários da Luz) (XAVIER, 1986b, p. 315).
Voltemos ao Espírito Rosângela, na mensagem O hóspede:
Inicie a higienização das peças interiores de sua alma, coloque perfumes em sua casa íntima, envolva cada compartimento interno com o necessário silêncio para que Ele se faça o mais suave Hóspede de sua vida, dela jamais, então, se apartando.
De quem se trata? Por ventura ainda não se apercebeu que lhe estou falando de Jesus?
Convide-O, pois, sem mais demora, e hospede-O para sempre! (TEIXEIRA, 1996, p. 111).
Possamos seguir essas advertências para que não venhamos a sofrer as consequências de nosso sentimento de inveja, que, na verdade, é o móvel do mau-olhado.

 

Referências bibliográficas:

CARVALHO, V. L. M. Ah, se eu pudesse voltar no tempo! São Paulo: Petit, 2006.

FRANCO, D. P. Autodescobrimento – uma busca interior. Salvador: LEAL, 2006.

KARDEC, A. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2007e.

MIRANDA, H. C. Diversidade dos carismas: teoria e prática da mediunidade. Vol. I. Niterói, RJ: Arte e Cultura, 1991.

MELO, J. Cure-se e cure pelos passes. Natal: Vida & Saber, 2003.

PERES, N. P. Manual prático do espírita. São Paulo: Pensamento, 1989. TEXEIRA, R. J. Rosângela. Niterói, RJ: Fráter, 1996.

XAVIER, F. C. Missionários da Luz. Rio de Janeiro: FEB, 1986b. XAVIER, F. C. O Consolador. Rio de Janeiro: FEB, 1986a.

FRANCO, D. P. Mau olhado e feitiçaria in  http://www.kardec.tv/video/transicao - tv/371/transicao-007-mal-olhado-e-feiticaria, acesso em 08.08.2013 in  http://pt.wikipedia.org/wiki/ Mau-olhado, acesso em 08.08.2013.]


Mau-olhado criança (adaptada):





[2] Nazar ou Pedra contra o mau-olhado também chamada "olho turco" (em turco: nazar boncugu) é um amuleto que se destina a proteger contra o mau-olhado […]. (WIKIPÉDIA).

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