sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Sonambulismo - Faculdade Intrigante e Pouco Debatida[1]



Jorge Hessen
 
Uma neozelandesa conseguiu dirigir e enviar mensagens[2] pelo celular (enquanto “dormia” ao volante) em completo estado de transe sonambúlico[3]. Eis aqui um tema desafiador para cogitação espírita, porquanto o sonambulismo [do latim somnus= sono e ambulare= marchar, passear] consiste no estado de emancipação da alma mais completo do que no sonho. O sonho é um sonambulismo imperfeito. No sonambulismo, a lucidez da alma, isto é, a faculdade de ver, que é um dos atributos de sua natureza, é mais desenvolvida. Ela vê as coisas com mais precisão e nitidez, o corpo pode agir sob o impulso da vontade da alma. O esquecimento absoluto no momento do despertar é um dos sinais característicos do verdadeiro sonambulismo, visto que a independência da alma e do corpo é mais completa do que no sonho.
Allan Kardec informa na Introdução de O Livro dos Espíritos que se interessou pelo sonambulismo e magnetismo desde sua juventude. Na época o tema era observado em todo continente europeu, despertando interesse acadêmico de numerosos estudiosos. O Marquês de Puysegur, um dos mais célebres discípulos de Franz Anton Mesmer, provocava a “crise mesmérica” e aproveitava esse período de “sono provocado” para curar seus pacientes. Durante o transe, certos sonâmbulos podiam ditar recomendações sobre o diagnóstico e o tratamento de enfermos ali presentes.
No século XIX, portanto, além de ocorrer um despertar do interesse da comunidade científica, o “magnetismo” foi bastante estudado nas obras Espíritas. O Codificador, um pesquisador do magnetismo desde os 18 anos de idade, redefiniu alguns conceitos sobre o tema. Palavras como “espírito” e “médium” já existiam, entretanto Kardec deu-lhes outra acepção, visando estratificar os arcabouços da Doutrina que vinha ao mundo sob as orientações dos Instrutores desencarnados.
O “médium”, na concepção mesmerista, significava uma pessoa que se colocava sob o controle de um magnetizador. Todavia, Kardec anota no Cap. XIV de O Livro dos Médiuns que “médium” é todo aquele que sente, num grau qualquer, a influência dos espíritos.
Comparemos o termo “médium sonâmbulo”: para os seguidores de Mesmer era a faculdade que permitia uma pessoa entrar em transe sonambúlico sob influência magnética. Kardec, ao estudar o tema, percebeu algumas variáveis do transe sonambúlico.
Primeiro percebeu quando o sonâmbulo age espontaneamente sob a influência do seu próprio Espírito (animismo); é a própria alma que, nos momentos de emancipação, vê, ouve e percebe, fora dos limites dos sentidos. Por outro lado, o médium sonâmbulo, pode ser instrumento de uma inteligência estranha, quando é passivo e o que diz não vem de si. Em suma, o sonâmbulo exprime o seu próprio pensamento, enquanto que o médium exprime o de outrem.
Lembrando aqui que o Espírito que se comunica com um médium comum pode igualmente fazê-lo com um sonâmbulo, porque o estado de emancipação da alma facilita essa comunicação. Muitos sonâmbulos veem impecavelmente os Espíritos e os apresentam com tanta exatidão como fazem os médiuns videntes. Podem dialogar com eles e transmitir-nos as suas ideias. O que narram fora do âmbito de seus conhecimentos particulares lhes é com certeza recomendado por outros Espíritos.
No Brasil o sonambulismo ainda é pouco compreendido porque é raramente pesquisado, daí a dificuldade de muitos dirigentes de reuniões mediúnicas em identificá-lo. Infelizmente é tema menosprezado pela maioria dos espíritas.
Temos o exemplo do caso de um sonâmbulo que se atirou do 7º andar do prédio em que residia. Ele caiu sobre a copa de uma árvore, só vindo a despertar no pronto socorro. Teve uma lesão medular que o impediu de continuar a andar. Existem muitas pessoas com sequelas decorrentes de crises de sonambulismo.
Entendemos que o assunto merece ser examinado e debatido com mais frequência, mirando-se abrigo e socorro aos portadores dessa faculdade, que muitas vezes padecem agruras imensas, por não haver maior número de estudiosos para assisti-los. Como percebemos, o sonambulismo natural é espontâneo, ao passo que o sonambulismo magnético é voluntário e por isso pode ser provocado. Um não suprime o outro, já que em ambos persiste a faculdade da alma em emancipar-se. Ocorre apenas outra diretriz, que disciplina o fenômeno. A educação mediúnica também permite ao médium que, por sua vontade, ele tenha controle voluntário sobre o Espírito que vai por ele se manifestar.
Assim sendo, pode se considerar o sonambulismo como sendo uma variedade da faculdade mediúnica. Ambos caminham juntos, e nos dois fenômenos encontramos a alma, emancipada e livre para se manifestar. Reiteramos que o sonâmbulo age sob a influência do seu próprio Espírito; é sua alma que, nos momentos de emancipação, vê, ouve e percebe, fora dos limites dos sentidos. O médium, ao contrário, como dito anteriormente, é instrumento de uma inteligência estranha; é passivo, e o que diz não vem de si. O sonâmbulo exprime o seu próprio pensamento, enquanto o médium exprime o de outrem. Sonâmbulos são médiuns independentemente de entrarem no transe anímico e, nessa condição, “incorporam” espíritos sofredores, ou não, mas o fazem também no decorrer desse transe, quando se desdobram e ocorre a psicofonia sonambúlica. Passam, assim, do transe anímico ao transe mediúnico.
Entendemos que a deficiência de estudo dessa faculdade é falha gravíssima no movimento espírita, em face dos expedientes que proporciona no auxílio a espíritos padecentes, seja porque o médium, desdobrado, desloca-se a regiões distantes, ou próximas, onde existam intensos sofrimentos, seja porque permite “[quando os Mentores Espirituais concordam com a aplicação desse recurso] submeter o espírito rebelde à regressão de memória, quando “incorporado” ao médium em transe sonambúlico e, em casos assim, ele atua na condição de médium, exercitando a psicofonia sonambúlica [4]”. O sonambulismo puro, quando em mãos desavisadas, pode produzir belos fenômenos, mas é menos útil na construção espiritual do bem. Porquanto “a psicofonia inconsciente, naqueles que não possuem méritos morais suficientes à própria defesa, pode levar à possessão, sempre nociva, e que por isso, apenas se evidencia integral nos obsessos que se renderam às forças vampirizantes [5]”.




[2] As mensagens enviadas eram desconexas.
[3] Dados mostraram que ela estava enviando mensagens enquanto dirigia de sua casa, na cidade de Hamilton, à cidade de praia Mount Maunganui, a uma distância de 300 quilômetros.
[4] XAVIER, Francisco C. Nos Domínios da Mediunidade. Pelo Espírito André Luiz. 9. Ed. - Rio de Janeiro: FEB, 1979. Cap. 3, 8 e 11. Sugerimos leitura do item 173, de O Livro dos Médiuns.
[5] Idem Cap. 3, 8 e 11.

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