Jorge Hessen
Uma neozelandesa conseguiu
dirigir e enviar mensagens[2]
pelo celular (enquanto “dormia” ao volante) em completo estado de transe
sonambúlico[3].
Eis aqui um tema desafiador para cogitação espírita, porquanto o sonambulismo
[do latim somnus= sono e ambulare= marchar, passear] consiste no
estado de emancipação da alma mais completo do que no sonho. O sonho é um
sonambulismo imperfeito. No sonambulismo, a lucidez da alma, isto é, a
faculdade de ver, que é um dos atributos de sua natureza, é mais desenvolvida.
Ela vê as coisas com mais precisão e nitidez, o corpo pode agir sob o impulso
da vontade da alma. O esquecimento absoluto no momento do despertar é um dos
sinais característicos do verdadeiro sonambulismo, visto que a independência da
alma e do corpo é mais completa do que no sonho.
Allan Kardec informa na
Introdução de O Livro dos Espíritos
que se interessou pelo sonambulismo e magnetismo desde sua juventude. Na época
o tema era observado em todo continente europeu, despertando interesse
acadêmico de numerosos estudiosos. O Marquês de Puysegur, um dos mais célebres
discípulos de Franz Anton Mesmer, provocava a “crise mesmérica” e aproveitava
esse período de “sono provocado” para curar seus pacientes. Durante o transe,
certos sonâmbulos podiam ditar recomendações sobre o diagnóstico e o tratamento
de enfermos ali presentes.
No século XIX, portanto, além de
ocorrer um despertar do interesse da comunidade científica, o “magnetismo” foi
bastante estudado nas obras Espíritas. O Codificador, um pesquisador do
magnetismo desde os 18 anos de idade, redefiniu alguns conceitos sobre o tema.
Palavras como “espírito” e “médium” já existiam, entretanto Kardec deu-lhes
outra acepção, visando estratificar os arcabouços da Doutrina que vinha ao
mundo sob as orientações dos Instrutores desencarnados.
O “médium”, na concepção
mesmerista, significava uma pessoa que se colocava sob o controle de um
magnetizador. Todavia, Kardec anota no Cap. XIV de O Livro dos Médiuns que “médium” é todo aquele que sente, num grau
qualquer, a influência dos espíritos.
Comparemos o termo “médium
sonâmbulo”: para os seguidores de Mesmer era a faculdade que permitia uma
pessoa entrar em transe sonambúlico sob influência magnética. Kardec, ao
estudar o tema, percebeu algumas variáveis do transe sonambúlico.
Primeiro percebeu quando o
sonâmbulo age espontaneamente sob a influência do seu próprio Espírito
(animismo); é a própria alma que, nos momentos de emancipação, vê, ouve e
percebe, fora dos limites dos sentidos. Por outro lado, o médium sonâmbulo,
pode ser instrumento de uma inteligência estranha, quando é passivo e o que diz
não vem de si. Em suma, o sonâmbulo exprime o seu próprio pensamento, enquanto
que o médium exprime o de outrem.
Lembrando aqui que o Espírito
que se comunica com um médium comum pode igualmente fazê-lo com um sonâmbulo,
porque o estado de emancipação da alma facilita essa comunicação. Muitos
sonâmbulos veem impecavelmente os Espíritos e os apresentam com tanta exatidão
como fazem os médiuns videntes. Podem dialogar com eles e transmitir-nos as
suas ideias. O que narram fora do âmbito de seus conhecimentos particulares
lhes é com certeza recomendado por outros Espíritos.
No Brasil o sonambulismo ainda é
pouco compreendido porque é raramente pesquisado, daí a dificuldade de muitos
dirigentes de reuniões mediúnicas em identificá-lo. Infelizmente é tema
menosprezado pela maioria dos espíritas.
Temos o exemplo do caso de um
sonâmbulo que se atirou do 7º andar do prédio em que residia. Ele caiu sobre a
copa de uma árvore, só vindo a despertar no pronto socorro. Teve uma lesão
medular que o impediu de continuar a andar. Existem muitas pessoas com sequelas
decorrentes de crises de sonambulismo.
Entendemos que o assunto merece
ser examinado e debatido com mais frequência, mirando-se abrigo e socorro aos
portadores dessa faculdade, que muitas vezes padecem agruras imensas, por não
haver maior número de estudiosos para assisti-los. Como percebemos, o
sonambulismo natural é espontâneo, ao passo que o sonambulismo magnético é
voluntário e por isso pode ser provocado. Um não suprime o outro, já que em
ambos persiste a faculdade da alma em emancipar-se. Ocorre apenas outra
diretriz, que disciplina o fenômeno. A educação mediúnica também permite ao
médium que, por sua vontade, ele tenha controle voluntário sobre o Espírito que
vai por ele se manifestar.
Assim sendo, pode se considerar
o sonambulismo como sendo uma variedade da faculdade mediúnica. Ambos caminham
juntos, e nos dois fenômenos encontramos a alma, emancipada e livre para se
manifestar. Reiteramos que o sonâmbulo age sob a influência do seu próprio
Espírito; é sua alma que, nos momentos de emancipação, vê, ouve e percebe, fora
dos limites dos sentidos. O médium, ao contrário, como dito anteriormente, é
instrumento de uma inteligência estranha; é passivo, e o que diz não vem de si.
O sonâmbulo exprime o seu próprio pensamento, enquanto o médium exprime o de
outrem. Sonâmbulos são médiuns independentemente de entrarem no transe anímico
e, nessa condição, “incorporam” espíritos sofredores, ou não, mas o fazem
também no decorrer desse transe, quando se desdobram e ocorre a psicofonia
sonambúlica. Passam, assim, do transe anímico ao transe mediúnico.
Entendemos que a deficiência de
estudo dessa faculdade é falha gravíssima no movimento espírita, em face dos
expedientes que proporciona no auxílio a espíritos padecentes, seja porque o
médium, desdobrado, desloca-se a regiões distantes, ou próximas, onde existam
intensos sofrimentos, seja porque permite “[quando os Mentores Espirituais
concordam com a aplicação desse recurso] submeter o espírito rebelde à
regressão de memória, quando “incorporado” ao médium em transe sonambúlico e,
em casos assim, ele atua na condição de médium, exercitando a psicofonia
sonambúlica [4]”.
O sonambulismo puro, quando em mãos desavisadas, pode produzir belos fenômenos,
mas é menos útil na construção espiritual do bem. Porquanto “a psicofonia
inconsciente, naqueles que não possuem méritos morais suficientes à própria
defesa, pode levar à possessão, sempre nociva, e que por isso, apenas se
evidencia integral nos obsessos que se renderam às forças vampirizantes [5]”.
[2] As mensagens enviadas eram desconexas.
[3] Dados mostraram que ela estava enviando mensagens
enquanto dirigia de sua casa, na cidade de Hamilton, à cidade de praia Mount
Maunganui, a uma distância de 300 quilômetros.
[4] XAVIER, Francisco C. Nos Domínios da Mediunidade. Pelo
Espírito André Luiz. 9. Ed. - Rio de Janeiro: FEB, 1979. Cap. 3, 8 e 11.
Sugerimos leitura do item 173, de O Livro dos Médiuns.
[5] Idem Cap. 3, 8 e 11.
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