quarta-feira, 2 de novembro de 2016

O DIA DOS MORTOS E AS TRADIÇÕES GAULESAS[1]

 


É dos Gauleses que nos vem a comemoração dos mortos, esta festa de 2 de Novembro que caracteriza o nosso povo entre todos. Apenas, em vez de celebrá-la como nós nos campos fúnebres, entre os túmulos, era no lar doméstico que recordavam as lembranças dos amigos distantes, mas não perdidos, que evocavam a memória dos espíritos amados que, por vezes, se manifestavam por intermédio das mulheres Druidas e dos Bardos inspirados.
Henri Martin, na sua História da França, volume I, página 71, exprime-se assim: “Tudo o que se refere à doutrina da morte e da renovação periódica do mundo e de todos os seres parece estar concentrado na crença e nos ritos do 1° de Novembro. Noite cheia de mistérios que o Druidismo legou ao Cristianismo e que o dobre dos mortos anuncia ainda hoje a todos os povos católicos esquecidos das origens desta antiga comemoração.
Cada uma das grandes regiões do mundo gaulês tinha um centro ou meio sagrado ao qual pertenciam todas as partes do território confederado. Neste centro ardia um fogo perpétuo que se denominava o fogo pai.
Na noite do 1° de Novembro, segundo as tradições irlandesas, os Druidas reuniam-se em redor do fogo pai guardado por um pontífice ferreiro e apagavam-no. A este sinal, de próximo em próximo, apagavam-se todos os fogos; por toda a parte reinava um silêncio de morte, a natureza inteira parecia mergulhada numa noite primitiva. De repente o fogo saltava outra vez sobre a montanha santa e gritos de alegria eclodiam de todos os lados. A chama tomada ao fogo pai corria de lar em lar de uma extremidade à outra e reanimava por toda a parte a vida".
À questão do culto dos mortos entre os Celtas, liga-se a recordação de Carnac com os seus monumentos megalíticos. Todos os celtas conhecem esta imensa necrópole que se estendia por várias milhas de comprimento desde lockmariaker até Erdeven.
Os alinhamentos de menires, hoje em parte destruídos, contavam ainda milhares de pedras erguidas na Idade Média. É preciso ver estas longas filas sombrias como monumentos funerários? Colocou-se em dúvida, porque, nas escavações realizadas junto aos menires, foram encontrados raros fósseis humanos. O espírito de Allan Kardec assegura-nos que escavando mais profundamente ter-se-iam encontrado muito mais ossos. As cavernas sepulcrais de Lockmariaker, os dólmens de Erdeven e outros lugares, não deixam nenhuma dúvida sobre o destino deste vasto campo fúnebre. Os menires eram tanto túmulos de chefes políticos como religiosos, enquanto que as cavernas e os dólmens recebiam os restos de personagens menos elevadas na ordem social.
Os megalíticos Locmariaquer são um complexo de construções neolíticas em Locmariaquer, França.  Eles compreendem túmulos e sepulturas e um dólmen conhecido como o Table des Marchand "O Menir quebrada de Er Grah", o maior bloco único conhecido de pedra transportada e erguido pelo homem do Neolítico.
(...) Qual era então o pensamento dominante que agrupava todos estes mortos na extremidade do continente? Muitos escritores procuraram discerni-lo sem êxito. Contudo a explicação parece ser a seguinte: Perante os horizontes infinitos do mar e do céu, acreditava-se que o voo das almas era mais fácil para estes mundos que brilham lá no alto, no seio das noites, ou então para os que se esbatem ao largo à noite nas brumas do anoitecer; estas praias varridas pelas ondas, estas fronteiras de um vasto desconhecido tinham para os nossos antepassados um carácter misterioso e sagrado.
Nestas sepulturas: dólmens, cavernas funerárias e túmulos de todas as dimensões, encontram-se objetos diversos misturados a restos humanos calcinados ou a esqueletos inteiros. São sílex brutos ou polidos, urnas, armas e até foices de ouro servindo para o culto. Estes objetos pertencem, pois a todas as épocas desde os tempos mais recuados: paleolíticos, neolíticos, idades do bronze e do ferro. (...) Os megálitos não consistem somente em sepulturas, mas também em monumentos consagrados ao culto. Os mais importantes são os (...) círculos de pedras no centro dos quais se erguia geralmente um grande menir. Alguns são duplos e triplos e representam então os três círculos da vida universal de acordo com a indicação das Tríades. Nestes recintos, praticavam-se os ritos divinos e evocavam-se as almas dos defuntos. Entre estas pedras, algumas desempenhavam o mesmo papel que as mesas falantes dos nossos dias e respondiam pelos seus movimentos às perguntas dos assistentes. Assim, o Manual para servir ao estudo da antiguidade céltica, fala da pedra falante (...) que dava as respostas como a lech lavar dos gauleses. Acrescentemos para memória que os autores antigos atribuíam aos Druidas um poder mágico completamente perdido hoje em dia e cujo vestígio se encontra apenas nas práticas do hipnotismo, do magnetismo e do faquirismo.
Plínio chamava os Druidas de Magi, nome que constantemente lhes é dado nos textos latinos e irlandeses, diz Dom Gougaud, beneditino inglês, no seu livro as Cristandades célticas[2]. De acordo com este autor, os Druidas gozavam dos poderes seguintes: “condensações de nevoeiro, precipitações atmosféricas, tempestades no mar e sobre a terra, etc.». Acrescenta que “o druida Fraechan Mac Tenuisain protegeu o exército do rei da Irlanda, Diarmait Mac Cerbaill, contra o inimigo por uma barreira mágica (airbe druad) que traçou à frente dela. Todos os que cruzavam esta muralha fluídica eram feridos de morte. Todos os antigos textos irlandeses estão recheados de fatos semelhantes”.
Quase sempre, os círculos de pedras dos quais acabamos de falar eram dispostos nas clareiras das florestas, porque, em matéria religiosa, a floresta mantém sempre para os Celtas o seu prestígio augusto e sagrado. Na época druídica a natureza ainda não estava alterada pela influência nociva, pela corrente destrutiva das paixões. Ela era como o grande médium, o intermediário poderoso entre o céu e a terra.
Os Druidas, sob a abóbada das árvores seculares, cujos cimos funcionavam como antenas que atraíam as radiações do espaço, recebiam mais facilmente as intuições, as inspirações, os ensinamentos do alto. Ainda hoje, apesar de tantas devastações sofridas, a floresta não nos oferta uma impressão salutar e reconfortante pelos seus eflúvios, uma espécie de dilatação da alma? É pelo menos o que eu próprio experimentei tantas vezes. Certas pessoas, privadas de faculdades mediúnicas, interrogam-me às vezes como preparar-se para entrar em contato com o invisível. A esta pergunta, respondo: “Afastem-se do barulho das cidades, embrenhem-se na floresta, é na solidão dos grandes bosques que melhor se julga a vaidade das coisas humanas e a loucura das paixões. Nestas horas de recolhimento, parece que um diálogo interno se estabelece entre a alma humana e os poderes do Além. Todas as vozes da natureza se unem, os murmúrios que a terra e o espaço ciciam à orelha atenta, tudo nos fala das coisas divinas, nos ilumina com os conselhos da sabedoria e nos ensina o dever. Era o que dizia Joana D'Arc aos seus interrogadores de Rouen que lhe perguntavam se ela ouvia sempre as suas vozes: “O barulho das prisões impede-me de o perceber, mas se me conduzissem a qualquer floresta eu os ouviria bem”. Passa-se o mesmo com a ciência dos mundos; é uma fonte incomparável de elevação, porque ela revela-nos todo o gênio do Criador.
No meio dos recintos sagrados, os Druidas entregavam-se a observações atentas e neste intento possuíam meios que faziam a admiração dos antigos. É verdade que o desfile imponente dos astros durante as noites claras de inverno é um dos espetáculos mais impressionantes que a alma pode fruir. Uma paz serena desce dos espaços, sentimo-nos como num templo imenso, o pensamento eleva-se então num impulso mais rápido para estas regiões superiores, interroga estes milhares de mundos, parece-lhe que as suas sutis radiações respondem aos seus apelos. A aplicação das forças radiantes aos usos terrestres permite crer que uma transmissão, mesma física, não é impossível através dos abismos do espaço. As vias do destino que nos são abertas vinculam-nos estreitamente a este esplêndido universo do qual nós somos como espíritos um elemento imperecível, o seu futuro é o nosso, prosseguiremos com ele e nele está a nossa evolução, participaremos na sua obra, na sua vida, numa medida sempre engrandecedora.
 
 
Trecho selecionado da obra de LÉON DENIS, “O GÊNIO CÉLTICO E O MUNDO INVISÍVEL”, SEGUNDA PARTE – O DRUIDISMO, IX – A RELIGIÃO DOS CELTAS, O CULTO, OS SACRIFÍCIOS, A IDEIA DA MORTE.




[2] Gabalda, edit., Paris.

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