sábado, 17 de setembro de 2016

Socialismo e Espiritismo[1]



Léon Denis


Espiritismo e Socialismo estão unidos por laços estreitos, visto que um oferece ao outro o que lhe falta a mais, isto é, o elemento de sabedoria, de justiça, de ponderação, as altas verdades e o nobre ideal sem o qual corre ele o risco de permanecer impotente ou de mergulhar na escuridão da anarquia.
Todavia, antes de tudo, importa bem definir os termos que empregamos.
Para nós, o Socialismo é estudo, a pesquisa e a aplicação de leis e meios susceptíveis de melhorar a situação material, intelectual e moral da Humanidade.
Nessas condições são numerosas as nuances, as variedades de opiniões, de sistemas, desde o Socialismo Cristão até o Comunismo, e todo o homem cuidadoso com a sorte de seus semelhantes pode se dizer socialista, quaisquer que sejam, aliás, suas predileções.
Minha intenção é bem menos tratar a questão social do ponto de vista político ou econômico que pesquisar qual parte de influência o Socialismo poderia ter sobre a evolução do espírito humano e, particularmente, sobre a educação do povo. As questões sociais, que haviam revestido há algum tempo um caráter violento e ameaçavam atear fogo ao edifício que nos abriga, perderam um pouco de sua acuidade. Este é o momento de considera-lo sem paixão, sem amargor, com a calma que convém aos espíritos refletidos, interessados na justiça, desejosos de facilitar a evolução de todos na paz e harmonia. Como veremos a questão social, é, acima de tudo, uma questão moral.
Nós subscrevemos voluntariamente as reivindicações legítimas da classe operária reclamando para o trabalhador a sua parte de influência e de bem estar, seu direito aos benefícios industriais, e seu lugar ao sol, porém reprovamos os meios violentos e revolucionários que seriam um perigo para a sociedade ocidental, depois de ter arruinado a sociedade russa.
O que caracteriza atualmente aos nossos olhos o estado de espírito do Socialismo, à exceção de algumas raras unidades, é o conhecimento insuficiente e muito rudimentar das leis universais; sem observação delas, toda obra humana está condenada por antecipação à impotência, à esterilidade, quando não culmina em desordem, em caos.
A vida das sociedades, como a do Universo, é equilibrada por forças opostas, forças contrárias, o equilíbrio perfeito é a ordem, a paz, a harmonia; mas, desde que uma destas forças arroja-se sobre as outras, é a perturbação, a confusão, o sofrimento. O estado de inferioridade de nosso mundo provém precisamente da instabilidade das forças físicas e sociais em ação à sua superfície, pois uma se repercute sobre a outra.
Todo passado nos demonstra a predominância das classes elevadas, ditas dirigentes, sobre o povo reduzido ao estado de miséria. Hoje em dia, são as classes trabalhadoras que por vezes desejam alçar-se e dirigir por sua vez a sociedade. Mas o despotismo que vem debaixo não é melhor do que aquele que vem do alto; é talvez pior, pois que mais brutal e mais cego.
Depois da última guerra o nível intelectual e moral sensivelmente abaixou, as paixões se desencadearam, os apetites e avidez se tornaram mais ásperos e mais ardentes; é que sua melhor parte de homens se foi; levados por seu devotamento, seu espírito de sacrifício, eles correram para a morte como para uma festa, enquanto os outros, mais prudentes, menos desinteressados, souberam preservar sua vida.
Aqueles que se ofereceram em holocausto para a salvação de outrem, planam em multidão acima de nós, assimilam forças e luzes novas.
Eles retornarão bem cedo ao seio desta Humanidade que tem necessidade de seu concurso para trabalhar para sua evolução. Desde já, na geração que surge, espíritos de valor tomaram seu lugar e em uma vintena de anos os veremos se afirmarem por seus méritos e virtudes adquiridos. Entretanto, até lá, teremos que atravessar um período difícil durante o qual todos os que têm consciência de seu dever de solidariedade e que nos liga a todos, os espíritas, sobretudo, terão de pagar por suas pessoas e guiar seus semelhantes no caminho árduo do progresso.
A grande lei da evolução, que rege todos os seres, deve também servir de base a toda a organização social. Cada um tem o direito a uma situação relativa às suas aptidões e suas qualidades morais. Ora, é a aquisição que trazemos de nossas vidas anteriores, que a educação espírita poderia esmerilhar.
O essencial seria, pois, fazer conhecer ao homem, antes de qualquer coisa, de onde ele vem e para onde ele vai, isto é, qual a finalidade real da vida e a sua destinação. Somente então, surgirá em toda claridade e em todas as consequências sociais, essa solidariedade que liga os seres em todos os graus de sua ascensão, constrangendo-os por seu próprio bem a retornar a Terra e a todos os outros mundos nas condições mais diversas, a fim de aí adquirir as qualidades inerentes a esses meios, e, muitas vezes também, para aí resgatar um passado culpável.
Depois das doutrinas do passado que não nos trouxeram senão a obscuridade, a incerteza, o Espiritismo projeta uma viva claridade sobre o caminho a percorrer; no encadeamento de nossas vidas sucessivas ele nos mostra à ordem, a justiça, a harmonia que reina no Universo. Que o socialista sensato adote essa grande doutrina, essa Ciência vasta e profunda que esclarece todos os problemas e nos fornece provas experimentais da sobrevivência; que os seus seguidores se impregnem dela, que a ela adaptem seus atos e então ela poderá tornar-se um dos meios que levarão a humanidade em direção a melhores destinos.
Posto que me seja detestável, creio dever insistir sobre o estado de espírito no qual me proponho tratar deste vasto assunto.
Nasci na classe operária e nela não conheci senão lutas e privações. Meu pai era canteiro, depois ele se tornou pequeno empreiteiro, mas o trabalho faltava muitas vezes e era preciso mudar de profissão. Eu mesmo, depois de ter recebido uma instrução muito sumária, me iniciei como pequeno empregado de comércio e o labor manual não me são estranho. Já aos doze anos, eu descolava flans de cobre na Casa da Moeda de Bordeaux, e meus dedos de criança, sob o atrito do metal, muitas vezes se tingiam de sangue. Aos dezesseis anos, em uma fábrica de faianças em Tours, eu carregava o cesto nos dias em que se fazia o desenformamento das peças.
Aos vinte anos, em uma manufatura de couros, eu carregava peles nas horas de aperto, ou manobrava “La Marguerite” – grosso instrumento de madeira que serve para amaciar os couros. Obrigado, durante o dia, a ganhar o meu pão e o dos meus velhos pais, eu consagrava muitas noites aos estudos, a fim de completar minha ligeira bagagem de conhecimento, e, daí data o enfraquecimento prematuro de minha visão.
Depois da Guerra de 1870, compreendi que era preciso trabalhar com ardor para a educação do povo. Com este fim e o auxílio de alguns cidadãos devotados, havíamos fundado, em nossa região, a “Liga do Ensino”, da qual me tornei secretário geral; foram criadas bibliotecas populares e se iniciaram, em pouco por toda à parte, séries de conferências. Isto para demonstrar que sempre guardei o contato com as classes trabalhadoras, que partilhei de seus cuidados, suas aspirações para o progresso. Tornei-me muito interessado no movimento cooperativo e, por muito tempo recebi, a título gracioso, os livros de um grupo de operários cordoeiros reunidos em um empreendimento comum.
Agora que a idade branqueou a cabeça e que a experiência chegou, aprecio mais altamente as vantagens que proporciona a toda alma as reencarnações entre os humildes e a livre aceitação da lei do trabalho. Com efeito, o trabalho é um preservativo soberano contra as armadilhas da paixão, uma espécie de banho moral, um sinônimo de alegria, de paz, de felicidade, quando é realizado com inteligência e obstinação.
Assim eu compreendo melhor porque a lei da evolução leva imensa maioria de seres a renascer no seio de classe laboriosa para aí desenvolver sadias energias, fortalecer os caracteres, tornar o homem verdadeiramente digno deste nome. Na luta constante contra as necessidades, no esforço cotidiano para se sair do aperto das necessidades, pouco a pouco a vontade se afirma, o julgamento se consolida, a mais bela qualidade desabrocham. É por isso que as maiores almas que passaram pela Terra: Cristo, Joana D'Arc e tantos outros nobres espíritos, quiseram renascer nas condições, as mais obscuras, para servir de exemplo à Humanidade.




[1] Socialismo e Espiritismo – Léon Denis

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