Léon Denis
Espiritismo e Socialismo estão
unidos por laços estreitos, visto que um oferece ao outro o que lhe falta a
mais, isto é, o elemento de sabedoria, de justiça, de ponderação, as altas
verdades e o nobre ideal sem o qual corre ele o risco de permanecer impotente
ou de mergulhar na escuridão da anarquia.
Todavia, antes de tudo, importa
bem definir os termos que empregamos.
Para nós, o Socialismo é estudo,
a pesquisa e a aplicação de leis e meios susceptíveis de melhorar a situação
material, intelectual e moral da Humanidade.
Nessas condições são numerosas
as nuances, as variedades de opiniões, de sistemas, desde o Socialismo Cristão
até o Comunismo, e todo o homem cuidadoso com a sorte de seus semelhantes pode
se dizer socialista, quaisquer que sejam, aliás, suas predileções.
Minha intenção é bem menos
tratar a questão social do ponto de vista político ou econômico que pesquisar
qual parte de influência o Socialismo poderia ter sobre a evolução do espírito
humano e, particularmente, sobre a educação do povo. As questões sociais, que
haviam revestido há algum tempo um caráter violento e ameaçavam atear fogo ao
edifício que nos abriga, perderam um pouco de sua acuidade. Este é o momento de
considera-lo sem paixão, sem amargor, com a calma que convém aos espíritos
refletidos, interessados na justiça, desejosos de facilitar a evolução de todos
na paz e harmonia. Como veremos a questão social, é, acima de tudo, uma questão
moral.
Nós subscrevemos voluntariamente
as reivindicações legítimas da classe operária reclamando para o trabalhador a
sua parte de influência e de bem estar, seu direito aos benefícios industriais,
e seu lugar ao sol, porém reprovamos os meios violentos e revolucionários que
seriam um perigo para a sociedade ocidental, depois de ter arruinado a
sociedade russa.
O que caracteriza atualmente aos
nossos olhos o estado de espírito do Socialismo, à exceção de algumas raras
unidades, é o conhecimento insuficiente e muito rudimentar das leis universais;
sem observação delas, toda obra humana está condenada por antecipação à
impotência, à esterilidade, quando não culmina em desordem, em caos.
A vida das sociedades, como a do
Universo, é equilibrada por forças opostas, forças contrárias, o equilíbrio
perfeito é a ordem, a paz, a harmonia; mas, desde que uma destas forças
arroja-se sobre as outras, é a perturbação, a confusão, o sofrimento. O estado
de inferioridade de nosso mundo provém precisamente da instabilidade das forças
físicas e sociais em ação à sua superfície, pois uma se repercute sobre a
outra.
Todo passado nos demonstra a
predominância das classes elevadas, ditas dirigentes, sobre o povo reduzido ao
estado de miséria. Hoje em dia, são as classes trabalhadoras que por vezes
desejam alçar-se e dirigir por sua vez a sociedade. Mas o despotismo que vem
debaixo não é melhor do que aquele que vem do alto; é talvez pior, pois que
mais brutal e mais cego.
Depois da última guerra o nível
intelectual e moral sensivelmente abaixou, as paixões se desencadearam, os
apetites e avidez se tornaram mais ásperos e mais ardentes; é que sua melhor
parte de homens se foi; levados por seu devotamento, seu espírito de
sacrifício, eles correram para a morte como para uma festa, enquanto os outros,
mais prudentes, menos desinteressados, souberam preservar sua vida.
Aqueles que se ofereceram em
holocausto para a salvação de outrem, planam em multidão acima de nós,
assimilam forças e luzes novas.
Eles retornarão bem cedo ao seio
desta Humanidade que tem necessidade de seu concurso para trabalhar para sua
evolução. Desde já, na geração que surge, espíritos de valor tomaram seu lugar
e em uma vintena de anos os veremos se afirmarem por seus méritos e virtudes
adquiridos. Entretanto, até lá, teremos que atravessar um período difícil
durante o qual todos os que têm consciência de seu dever de solidariedade e que
nos liga a todos, os espíritas, sobretudo, terão de pagar por suas pessoas e
guiar seus semelhantes no caminho árduo do progresso.
A grande lei da evolução, que
rege todos os seres, deve também servir de base a toda a organização social.
Cada um tem o direito a uma situação relativa às suas aptidões e suas
qualidades morais. Ora, é a aquisição que trazemos de nossas vidas anteriores,
que a educação espírita poderia esmerilhar.
O essencial seria, pois, fazer
conhecer ao homem, antes de qualquer coisa, de onde ele vem e para onde ele
vai, isto é, qual a finalidade real da vida e a sua destinação. Somente então,
surgirá em toda claridade e em todas as consequências sociais, essa
solidariedade que liga os seres em todos os graus de sua ascensão,
constrangendo-os por seu próprio bem a retornar a Terra e a todos os outros
mundos nas condições mais diversas, a fim de aí adquirir as qualidades
inerentes a esses meios, e, muitas vezes também, para aí resgatar um passado
culpável.
Depois das doutrinas do passado
que não nos trouxeram senão a obscuridade, a incerteza, o Espiritismo projeta
uma viva claridade sobre o caminho a percorrer; no encadeamento de nossas vidas
sucessivas ele nos mostra à ordem, a justiça, a harmonia que reina no Universo.
Que o socialista sensato adote essa grande doutrina, essa Ciência vasta e
profunda que esclarece todos os problemas e nos fornece provas experimentais da
sobrevivência; que os seus seguidores se impregnem dela, que a ela adaptem seus
atos e então ela poderá tornar-se um dos meios que levarão a humanidade em
direção a melhores destinos.
Posto que me seja detestável,
creio dever insistir sobre o estado de espírito no qual me proponho tratar
deste vasto assunto.
Nasci na classe operária e nela
não conheci senão lutas e privações. Meu pai era canteiro, depois ele se tornou
pequeno empreiteiro, mas o trabalho faltava muitas vezes e era preciso mudar de
profissão. Eu mesmo, depois de ter recebido uma instrução muito sumária, me
iniciei como pequeno empregado de comércio e o labor manual não me são
estranho. Já aos doze anos, eu descolava flans
de cobre na Casa da Moeda de Bordeaux, e meus dedos de criança, sob o atrito do
metal, muitas vezes se tingiam de sangue. Aos dezesseis anos, em uma fábrica de
faianças em Tours, eu carregava o cesto nos dias em que se fazia o
desenformamento das peças.
Aos vinte anos, em uma
manufatura de couros, eu carregava peles nas horas de aperto, ou manobrava “La
Marguerite” – grosso instrumento de madeira que serve para amaciar os couros.
Obrigado, durante o dia, a ganhar o meu pão e o dos meus velhos pais, eu
consagrava muitas noites aos estudos, a fim de completar minha ligeira bagagem
de conhecimento, e, daí data o enfraquecimento prematuro de minha visão.
Depois da Guerra de 1870,
compreendi que era preciso trabalhar com ardor para a educação do povo. Com
este fim e o auxílio de alguns cidadãos devotados, havíamos fundado, em nossa
região, a “Liga do Ensino”, da qual me tornei secretário geral; foram criadas
bibliotecas populares e se iniciaram, em pouco por toda à parte, séries de
conferências. Isto para demonstrar que sempre guardei o contato com as classes
trabalhadoras, que partilhei de seus cuidados, suas aspirações para o progresso.
Tornei-me muito interessado no movimento cooperativo e, por muito tempo recebi,
a título gracioso, os livros de um grupo de operários cordoeiros reunidos em um
empreendimento comum.
Agora que a idade branqueou a
cabeça e que a experiência chegou, aprecio mais altamente as vantagens que
proporciona a toda alma as reencarnações entre os humildes e a livre aceitação
da lei do trabalho. Com efeito, o trabalho é um preservativo soberano contra as
armadilhas da paixão, uma espécie de banho moral, um sinônimo de alegria, de
paz, de felicidade, quando é realizado com inteligência e obstinação.
Assim eu compreendo melhor
porque a lei da evolução leva imensa maioria de seres a renascer no seio de
classe laboriosa para aí desenvolver sadias energias, fortalecer os caracteres,
tornar o homem verdadeiramente digno deste nome. Na luta constante contra as
necessidades, no esforço cotidiano para se sair do aperto das necessidades,
pouco a pouco a vontade se afirma, o julgamento se consolida, a mais bela
qualidade desabrocham. É por isso que as maiores almas que passaram pela Terra:
Cristo, Joana D'Arc e tantos outros nobres espíritos, quiseram renascer nas condições,
as mais obscuras, para servir de exemplo à Humanidade.
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