sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Perseverança e fidelidade: desafios atuais do espírita[1]



Sandra Borba Pereira - julho/2016


Nas andanças pelo Movimento Espírita Brasileiro, em tarefa de divulgação doutrinária ou de formação de evangelizadores, quando em vez nos deparamos com notícias nem sempre felizes a respeito de companheiros conhecidos de outros tempos. Natural que indaguemos por eles e as respostas, algumas vezes, nos surpreendem: Fulana deixou o Movimento vencida pelas dificuldades e desânimo; Sicrano decidiu se integrar em atividades de autoajuda ou promoção social; Beltrano agora representa um problema para a Casa Espírita e, assim por diante. Alguns aderem a práticas exóticas, modismos, excentricidades e outros desenvolvem interpretações pessoais, distantes dos postulados e propostas espíritas.
Essas notícias nos estimularam – e já faz tempo – a reflexionar a respeito dos riscos que todos corremos de engrossar essa estatística. Implorando as bênçãos do Alto para os que conduzimos as próprias fragilidades, sentimos o desejo de compartilhar alguns estudos em torno de duas atitudes fundamentais do espírita que deseja dar conta de sua reencarnação: perseverança e fidelidade, atitudes necessárias a quem pretende alcançar a condição de servidor da Causa Espírita.
Longe de qualquer crítica a essas situações, entendemos ser importante avaliarmos se a nossa postura na Casa Espírita onde atuamos e na Causa que abraçamos é ativa, produtiva, cooperativa ou simplesmente acomodada ou, até mesmo, problemática para os irmãos de ideal e para os benfeitores que são nossos avalistas diante da Justiça Divina.
Vamos refletir juntos, inicialmente, em torno da perseverança.
Perseverança significa persistência ou tenacidade; firmeza ou constância. Segundo a expressão grega hypo me no, perseverança é a capacidade de aguentar ou se manter com firmeza, diante de situações difíceis, tendo em vista um objetivo a atingir.
Lexicógrafos como Bauer, Gingrick e Danker afirmam que ser perseverante é permanecer ao invés de fugir.
Psicologicamente se afirma que a perseverança é a habilidade de se manter voluntariamente em certa ocupação/atividade, prolongadamente.
Já o saber da tradição considera que são sinônimos de perseverança a luta, o esforço e o sacrifício.
W. Barclay, no Glossário do Novo Testamento, diz:
Ela é o espírito que pode suportar coisas, não simplesmente com resignação, mas com fervorosa esperança… É a qualidade que mantém o homem em pé, com o rosto voltado contra o vento. É a virtude que pode transmudar a provação mais difícil em glória, porque vê o alvo mais além da dor. (www.sentircomaigreja.blogspot.com.br , acesso 8.5.2016, 21:53m)
Podemos, então, considerar que há condições próprias para se vivenciar a perseverança:
§  ter consciência em torno do objetivo ou finalidade na ação empenhada;
§  exercer a força de vontade;
§  ter certeza da felicidade que alcançará com essa ação;
§  cultivar a paciência e a esperança;
§  crescer ou amadurecer com a experiência.
Tais condições nos auxiliarão na conquista da coragem e da fé bem como no desenvolvimento da capacidade de enfrentar obstáculos e sofrimentos.
Paulo, o Apóstolo dos gentios, afirma em sua Carta aos Filipenses: Prossigo para o alvo (Filipenses, 3:14), encontrando-se preso e correndo perigo de morte, demonstrando ser um homem perseverante. É ele mesmo que, em inúmeras passagens, nos estimulará ao cultivo da perseverança. Seguem algumas delas:
E não somente isso, mas exultemos enquanto em tribulações, visto que sabemos que tribulação produz perseverança. (Romanos, 5:3)
O Deus da perseverança e da consolação vos conceda terdes os mesmos sentimentos uns para com os outros, a exemplo de Cristo Jesus… (Romanos, 15:5)
Realmente, precisais de perseverança para fazerdes a vontade de Deus e alcançardes os bens prometidos. (Hebreus, 10:36)
Tiago, em sua epístola (5:11), afirmou que as provações da fé produzem a perseverança e comentaria: Notai que temos por bem-aventurados os que perseveraram pacientemente.
E Pedro nos orientou:
…aplicai toda diligência em juntar à vossa fé a virtude, à virtude o conhecimento, ao conhecimento o autodomínio, ao autodomínio a perseverança, à perseverança a piedade, à piedade o amor fraternal e ao amor fraternal a caridade. (II Pedro, 1:5-7)
O próprio Mestre Jesus foi quem nos esclareceu: Quem perseverar até o fim será salvo (Mateus, 24:13), ou seja, encontrará a harmonia com a Lei Divina ou Natural pelo esforço de evolução.
Como exemplos de perseverança, além do próprio Paulo, temos no Evangelho figuras como Madalena, Zaqueu, João Evangelista e tantos que doaram suas vidas nos testemunhos do amor ao Bem, pela vivência dos princípios e valores da Boa Nova.
Perseverar, pois, não se reduz à permanência em dada atividade de qualquer jeito. Não significa acostumar-se a algo num condicionamento até pernicioso porque bloquearia o crescimento pessoal, o progresso intelecto-moral, que é nossa destinação. Nem no arrastarmos e nem apenas repetirmos mecanicamente nossas ações, numa espécie de conveniência prostradora e inibidora de nossas possibilidades de crescimento. Isso não é perseverança.
Ser perseverante, já se percebe, não é fácil e ainda exige uma outra atitude: a fidelidade.
Fidelidade é a atitude de quem é fiel, de quem tem compromisso com aquilo que assume. O termo tem vasta aplicação: constância no caso de clientes, reprodução exata de textos, dentre outras.
Nos seus primórdios o termo era utilizado para se referir a adeptos de uma religião e, hoje, a expressão se vincula à lealdade, confiabilidade, honestidade e comprometimento.
Nessa reflexão, usamos fidelidade como compromisso com os princípios e propostas que nós, os espíritas, devemos ter na vivência do Espiritismo no lar, na sociedade e no Movimento Espírita.
Esse compromisso exige, obviamente, que tenhamos ciência dos princípios, valores e propostas que o Espiritismo nos apresenta. Isso implica, como consequência, além do conhecimento, a adesão a um programa de autoeducação e esforço de vivência, conforme nosso Codificador afirmou, quando indica características da identidade do espírita: Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más. (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XVII, item 4)
A falta de fidelidade à identidade espírita gera achismos, os interesses pessoais como prioridade, o Espiritismo made in tal lugar ou by Fulano, dentre outros prejuízos. A fidelidade dos espiritistas, por sua vez, assegura o que Kardec preconizava como indispensável ao futuro da Doutrina Espírita: a unidade doutrinária.
Quantas vezes nos deparamos com atualizadores da Doutrina, intérpretes livres, leitores abertos, dentre outros que buscam impor suas verdades pessoais ou de pequenos grupos, sem que tenham suficiente embasamento doutrinário para tais atitudes que, em última instância, não expressam uma postura progressista ou uma crítica positiva e construtiva.
Afirma Batuíra: Saibamos conservar a fidelidade, como quem alça ininterruptamente a luz nas trevas, pois que, em muitos lances da vida, precisamos muito mais de lealdade no Espírito que de pão para o corpo. (Paz e Renovação, Espíritos Diversos/Francisco Cândido Xavier, Araras/São Paulo: IDE, 1970. cap. 23)
Ter fidelidade à Doutrina Espírita é, desse modo, conhecer-lhe os fundamentos, bebendo nas fontes originais da Codificação; é zelar pela prática espírita coerente com os princípios e finalidades; é esforçar-se pela vivência dos postulados espíritas; é confiar na Providência Divina e na ação de Jesus e dos Benfeitores Espirituais.
Perseverança e fidelidade, que desafios!
Não temos como retroceder se estamos a caminho. Por isso mesmo, concluímos essas breves reflexões com a pergunta instigante do Espírito Emmanuel:
Por que fugires ao testemunho de fidelidade à Doutrina dos Espíritos, se ela está impressa em teu íntimo? (Luz e Vida, Francisco Cândido Xavier/Emmanuel, São Paulo: GEEM, 1985. cap. 15)
Sigamos, assim, perseverantes e fiéis para que as bênçãos recebidas por nós se transformem em talentos de trabalho e renovação a serviço do Bem.




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