Maria Ribeiro
A parte terceira de O Livro dos Espíritos é reservada a
esclarecer sobre as leis morais, classificadas por Kardec com a permissão dos
Espíritos em dez partes; aliás, a mesma divisão mosaica e que, segundo os
Orientadores do Plano Maior, abrangem todas as circunstâncias da vida.
Dentre as leis morais, a lei de destruição parece ser a menos
compreendida, também pouco abordada. O capítulo VI representando a quinta lei –
lei de destruição – aborda: destruição necessária e destruição abusiva;
flagelos destruidores; guerras; homicídio; crueldade; duelo e pena de morte. Na
questão 728, Kardec argui aos Instrutores do Além se a destruição é uma lei da
Natureza ao que eles prontamente respondem:
“- É preciso que tudo se destrua
para renascer e se regenerar, porque o que chamais destruição não é senão uma
transformação que tem por objetivo a renovação e melhoramento dos seres vivos”.
Na Gênese, no capítulo III,
lê-se:
“Para aquele que não considera
senão a matéria, que limita sua visão à vida presente, isso parecerá, com
efeito, uma imperfeição na obra divina”.
Entre os animais forma-se a
cadeia alimentar que promove na natureza um equilíbrio ao qual ninguém se dá
conta. Entre os seres inferiores, desprovidos de senso moral, a mais imperiosa
necessidade é a da nutrição – lutam para viver. “É nesse primeiro período que a
alma se elabora e se ensaia para a vida”.
O homem passa por uma fase de
transição e, nas primeiras idades, o que prevalece é o instinto animal; depois,
este se contrabalança com o sentimento moral e agora a necessidade é satisfazer
o desejo de domínio; somente muito depois, com o desenvolvimento do senso moral
começa a surgir uma maior sensibilidade e “o homem passa a lutar contra as
dificuldades e não mais contra seus semelhantes.” Na atualidade o homem se
transformou no principal consumidor de alimento animal, e as pesquisas
gastronômicas lançam sempre suas novidades; e não se pode crer, que isto se dê
com o cruel intuito de massacrar os pobres bichinhos. O hábito de consumir
carne parece incomodar um grupo formado dentro do Movimento Espírita que quer a
todo custo demovê-lo, lutando contra a condição que a Natureza, ao menos
provisoriamente, os colocou: de um lado, os animais, que desde a gênese mosaica
foram dados aos homens para sua provisão; e de outro, os homens, cuja
constituição orgânica exige proteína de origem animal. Isto se deve ao fato de
alguns adeptos pouco convictos e superficialmente conhecedores de fato do
Espiritismo, se deixarem seduzir pelas informações vindas de Espíritos mais
facínoras do que sérios. Ainda no capitulo anterior que trata da lei de
conservação, Allan Kardec, na questão 723 questiona se “a alimentação animal,
entre os homens, é contrária à lei natural” e os Espíritos Codificadores
objetam, muito claramente:
”- Na vossa constituição física
a carne nutre a carne, de outra maneira o homem enfraquece. A lei de
conservação dá ao homem um dever de entreter suas forças e sua saúde para
cumprir a lei do trabalho. Ele deve, pois, se alimentar, segundo o exige a sua
organização”.
Conclui-se que o primeiro dever
do homem é zelar pela própria saúde e bem estar físico, o que, durante os
estágios primitivos, ele procura fazê-lo instintivamente. De outra forma, ele
não encontrará subsídios para desenvolver outros deveres, cumprir outras leis.
Voltando à Gênese, no item 21 do referido capítulo, em destaque, está
declarado:
“- A verdadeira vida, do animal,
tal como a do homem, não se encontra no envoltório corporal, como também não se
encontra em seu vestuário; ela está no princípio inteligente, que preexiste, e
que sobrevive ao corpo”.
Daí, cabe perguntar, de onde
estes companheiros tiraram tanta coragem para contradizer de forma tão
aberrante aos insignes Codificadores: Kardec e os Espíritos adjudicados de
tamanha missão. Seja coragem, seja estupidez, fato é que se trata de uma insolência
absurda, pois que não há ninguém encarnado ou desencarnado à altura daqueles
que trouxeram a Doutrina Espírita, ao menos agora. Demorará ainda talvez alguns
séculos para que os missionários ressurjam para acrescentar na Codificação o
que o próprio Kardec, na sua simplicidade, afiançou. Isto vai depender do
avanço moral dos homens, que na atualidade ainda se encontram num tal estado
entusiasta que chega ao ponto de negligenciar e desmentir a Verdade proposta
pela Doutrina Espírita.
Quer estas colocações Espíritas
dizer que tal destruição é necessária. Recorram-se às palavras Kardequianas:
“Uma primeira utilidade que se
apresenta nesta destruição, utilidade puramente física, certamente, é essa: os
corpos orgânicos não se alimentam senão com a ajuda de matérias orgânicas, uma
vez que estas matérias são as únicas que contêm os elementos nutritivos
necessários à sua transformação. Os corpos, instrumentos de ação do princípio
inteligente, têm necessidade de ser incessantemente renovados; a Providência os
faz servir a seu mútuo alimento; é por isso que os seres se nutrem uns dos
outros; então é o corpo que se nutre do corpo, porém o Espírito não se
aniquilou, nem se alterou; apenas, despojou-se de seu invólucro”.
Outro aspecto relevante
relacionado a isto é que é na luta que o Espírito se desenvolve: ele adquire
habilidades e exercita sua inteligência, para enfim, adquirir conhecimentos e
experiência, distanciando-se cada vez mais dos sinais de animalidade.
Dentro desta destruição que
Kardec denomina necessária, remeta-se a uma prática imensamente útil a
Humanidade, que é a sujeição de determinadas espécies animais para experimentos
científicos. Por mais avançada esteja a tecnologia, seria impossível prescindir
da participação destes nossos irmãos de ordem inferior na Criação* nas
pesquisas de fármacos, ou para provar a eficiência das drogas farmacológicas, e
em outras pesquisas onde a existência de um organismo perfeitamente vivo é um
imperativo. Isto só tem trazido benefícios; aliás, existem regras éticas que regulam
estas práticas. Sobre este particular, os Espíritos já haviam dito que o
direito de destruição é regulado pela necessidade de provisão, e que o abuso
jamais foi um direito. (734) Ou seja, não é só para a alimentação que os homens
precisam dos animais, mas para o desenvolvimento de parte de sua Ciência, e
principalmente da Ciência que preserva sua saúde e sua vida física.
Pergunta-se: o que aconteceria hoje se ficasse terminantemente proibido a
utilização dos animais nos experimentos científicos? Como seriam divididos os
espaços físicos entre os homens e os animais, se ficasse proibido o consumo de
carne? E se todos se tornassem vegetarianos, a demanda de vegetais atenderia
prontamente a todos? São questões que precisam ser pensadas, antes da propaganda
de que a Doutrina Espírita proíbe o consumo de carne, palavras dos seguidores
de Espíritos orientais. Está reservado o direito de excluir o alimento de
origem animal do cardápio aos que voluntariamente despertarem o desejo do
vegetarianismo. Mas que não esteja vinculado a esta escolha o atendimento a
qualquer recomendação doutrinário-Espírita.
Com base no que as Excelsas
Entidades afirmam nas obras fundamentais do Espiritismo, infere-se que, até
chegar a um estado cuja nutrição independa da proteína animal, o homem tem
muita carne a comer. A esta ideia não se associe uma motivação para os
exageros, afinal, o exagero em tudo é maléfico.
Aliás, a constituição orgânica
tem por base substâncias inorgânicas encontradas praticamente em tudo na
natureza, tais como, oxigênio, hidrogênio, carbono e nitrogênio, entre outros,
que, ao contato do fluido vital, ganham vida e, ao se combinarem entre si,
adquirem a forma de aminoácidos, que são as unidades formadoras de proteínas.
Proteínas e vida andam juntas, pois além de serem fundamentais para a
construção dos organismos, também funcionam como enzimas e, nos vertebrados,
funcionam como anticorpos. Muitas destas descobertas se realizaram após a
Codificação, provando que os Espíritos sabiam perfeitamente do que falavam, enquanto
que para o homem comum os informes científicos ainda representam grandes
incógnitas…
À medida que o homem evolui
moralmente, seu corpo exigirá alimentos menos densos. Quanto mais material é o
mundo onde habita, mais material será sua alimentação. Quando atingir esferas
menos atrasadas, sua constituição física sendo mais sutil, obviamente exigirá
igualmente alimentos mais sutis. Não se deve esquecer que o Espírito retira do
ambiente onde vai estagiar, os elementos (fluidos) para formação de seu perispírito
(na verdade, sua condição Espiritual é que atrairá tais elementos), e a partir
deste, a formação do corpo físico de acordo com os elementos (materiais) desse
globo. Portanto, nada impediria que um Espírito muito elevado encarnado na
Terra, por exemplo, utilizasse para sua nutrição, as iguarias de origem animal,
já que seu corpo físico é de constituição idêntica ao dos demais, tendo as
mesmas exigências.
Kardec se preocupou em trazer
esclarecimento sobre os flagelos de que o homem muitas vezes se torna vítima, e
na questão 737 pergunta qual o objetivo destes para os homens. E a resposta diz
que é para fazer a humanidade avançar mais depressa. Na questão seguinte, os
Espíritos afirmam que Deus oferece aos homens outros meios de progredir, mas
eles não os aproveitam, pois não utilizam o discernimento do bem e do mal, ou
seja, praticam o mal e deixam de praticar o bem, mesmo com conhecimento de
causa. São provas que farão o homem exercitar alguns valores, como
inteligência, paciência, resignação, abnegação, desinteresse e amor ao próximo;
valores imprescindíveis para seu progresso. Além disso, têm os flagelos uma
utilidade sob o ponto de vista físico: regiões sofrem alterações que trarão
benefícios para as gerações futuras. (739/740)
De uma forma ou de outra, também
o corpo do homem sofre a destruição. Dada a morte física, suas vestes carnais
darão início ao espetáculo da total desorganização. As transformações
post-mortem se iniciam em média duas horas após a morte. Microrganismos encetam
o trabalho destruidor, mesmo antes da inumação. Não será exagero defender esta
empreitada de que foram dotadas as bactérias – transformar um corpo em
elementos menores, até que estes, recombinando-se entre si ou com outros
elementos, deem origem a outras formas de vida. Por isso não há o que se chama
destruição no sentido de aniquilamento. Na verdade, deixa-se de existir uma
forma para continuar existindo em outra, tanto o homem como tudo o que Deus
criou.
Os Espíritos não assemelharam o
instinto de destruição com a crueldade, alegando que aquela às vezes faz-se
necessária, e essa nunca o é. E concluem a questão 752: “ela é sempre o
resultado de uma natureza má”. O que leva a estes eventos infelizes entre os
homens é a predominância da natureza animal sobre a espiritual, onde a
satisfação das paixões fala mais alto; das paixões levadas ao exagero, pois
que, equilibradamente, podem levar o homem a grandes coisas. (907/908) Quando
um indivíduo age mal, porém para se preservar e preservar a sua espécie obedece
ao instinto de conservação, do qual todos os seres são dotados. Então não se
classifica como cruel ao liquidar outro com este fim. Mas à medida que se
desenvolve, adquire noções sobre o bem e o mal, e agora, se age de idêntica
forma, já responderá mais severamente, porque racionalmente, obedecendo ao seu
egoísmo, faz o mal, o mesmo que ele fazia quando não podia ter noção mais exata
das coisas, portanto, é um sujeito cruel. Mas é claro que estes julgamentos
pertencem somente Àquele que a tudo e todos conhece. Cada qual que se julgue a
si mesmo e reflita se ainda tem atitudes cruéis ao invés de querer buscar
classificações para os outros.
O planeta Terra testemunha
ocorrências absurdas que se sucedem uma sempre mais cruel que a anterior,
causando sensações de derrota pessoal e coletiva; local onde permanecem
vinculados Espíritos ainda afins com o mal, onde ainda existe a pena de morte,
legal ou veladamente, como estimar uma data para um mundo melhor, ou por outra,
para advento do mundo de regeneração? Nem Jesus se atreveu a demarcar uma data
para o estabelecimento do equilíbrio no planeta: ”Porém daquele dia e hora
ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, mas unicamente meu Pai. (Mt
24,36)” Obviamente, porque tal evento depende unicamente da evolução humana. Em O
Livro dos Médiuns, em resposta à pergunta 11ª do item 298, lê-se: ”… Os
Espíritos levianos que não têm nenhum escrúpulo em vos enganar, indicam os dias
e as horas sem se inquietarem com o resultado. Por isso, toda previsão
circunstanciada, deve vos ser suspeita”.
Mas o Cristo também alertou:
”Vigiai, pois, em todo o tempo, orando, para que sejais havidos por dignos de
evitar todas essas coisas que hão de acontecer e de estar em pé diante do Filho
do Homem.” (Lc 21, 36), como a dizer que está ao alcance do homem evitar muitas
tragédias, materiais ou morais, e entende-se por “orando”, não simplesmente no
sentido literal, mas no sentido ativo do termo. Orar também é pensar sempre no
bem, em qualquer circunstância, e no bem da coletividade, trabalhando e
investindo para a melhoria das instituições, que infelizmente, só funcionam
muito precariamente. Há que se atender às atuais necessidades sociais, com a
revisão de leis; com o repensar sobre os atuais modelos implementados que já
não funcionam.
Enquanto aguarda-se ansiosamente
pelo mundo de regeneração, milhões de irmãos morrem de fome, outros tantos
morrem nas guerras, seja nas regiões do mundo envolvidas culturalmente com as
guerras (se assim se pode expressar), seja nas guerras das metrópoles:
trânsito, assassínios motivados por diversas razões, latrocínios, drogas…
Outros milhões anseiam pelo carnaval, pelas festividades, pela copa do mundo,
como se nada tivesse acontecendo. Há muito recurso pecuniário envolvido em tudo
isso, mas não há um tostão para atender as necessidades básicas das pessoas.
Não seria isto um duelo, aliás, um terrível duelo? São homens contra homens: de
um lado, homens poderosos e afortunados, do outro homens miseráveis e
esquecidos. E no meio? No meio tem-se uma espada afiada representada por outros
homens, presunçosos e egoístas que não tomam partido, já que seus interesses
não sofrem danos nesse duelo.
Aqui não haveria necessidade da
aplicação desta lei? Destruir os costumes bárbaros, que igualam o homem ao
bruto; pois os costumes bárbaros também se modernizaram e tomam corpo entre
nós.
Ao que parece é o mundo de
regeneração que aguarda pelos homens. Ele já é uma realidade para todos os que
trabalham ou trabalharam por conquistá-lo. É uma outra promessa do Cristo que
se cumpre para estes porque não será algo milagroso, um acontecimento
inusitado, maravilhoso, repentino… O mundo de regeneração será resultado de uma
construção coletiva, partindo de atitudes individuais. E para que ele seja
efetivamente instaurado, será preciso destruir o atual sistema de coisas,
romper com os valores vigentes, e que, de uma forma ou de outra, recebem o aval
de todos.
Esta Lei de destruição analisada
pelos Espíritos faz que se reflita sobre como as transformações ocorrem após o
declínio de algo, que pode ocorrer sutil ou bruscamente. Alguns sistemas de
governo só mudaram após muitas comoções, até mesmo após revoluções sangrentas,
por exemplo. Os eventos inovadores chegam para transformar um certo estado de
coisas, e, à primeira vista, seus resultados podem ser considerados negativos
ou ruins, dada a visão superficial e imediatista dos homens. Estes eventos
acabam incitando os indivíduos para o trabalho, pois que deles exigirá o
exercício da inteligência através das pesquisas e descobertas.
No mundo material tudo se
transforma sempre visando o bem e um mais perfeito estado de coisas, na
tentativa de redirecionar o homem para uma visão toda Moral. Nada ocorre sem
uma legítima utilidade. Deus, supremo Bem e Amor, todo Bondade e Justiça,
conhece as reais necessidades de cada Ser da Criação, e todas as leis que
estabeleceu são solidárias entre si, cabendo aos homens, se instruírem e se
moralizarem para compreendê-las na sua integridade, na sua utilidade, na sua
grandiosidade.
*Imitando os Espíritos e Kardec,
utilizamos este termo, mas, na nossa indigna condição, por falta de um mais
adequado, reconhecendo-se grandeza em todas as obras da criação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário