quarta-feira, 20 de julho de 2016

O Espiritismo e as curas espirituais[1]



Maria Ribeiro
 

Seria compreender muito pouco o propósito real da Doutrina Espírita o pensar que curas espirituais são uma de suas especialidades, desobedecendo a uma irrevogável ordem natural de coisas.
A busca pelo bem estar é um princípio do instinto de conservação, que é uma lei natural. Portanto não existe nada mais justo que procurar-se recursos capazes de restaurar a saúde, entrando esta em estado de debilidade.
O que se propõe é uma reflexão mais racional a respeito do tema.
É considerável o número de indivíduos que, ao longo dos tempos, tiveram, uns mais, outros menos, o poder de curar. Um deles, claro, é o nosso Mestre Jesus, profundo conhecedor de todas as ciências, não o seria menos quanto à ciência do magnetismo.
“A faculdade de curar pela influência fluídica é muito comum e pode desenvolver-se mediante o exercício; porém, a de curar instantaneamente pela imposição das mãos é mais rara, e seu apogeu pode ser considerado como excepcional. Entretanto, tem sido observada em diversas épocas, e em quase todos os povos têm surgido indivíduos que a possuíam em grau elevado. Nestes últimos tempos, tem-se visto diversos exemplos notáveis, cuja autenticidade não pode ser contestada. Dado que estas espécies de curas repousam sobre um princípio natural, e que o poder de produzi-las não é um privilégio, é que elas não saem da natureza e apenas têm de miraculosa, a aparência.” (A Gênese, capítulo XIV – Curas).
Esta declaração kardequiana traz o entendimento de que esta, como todas as faculdades humanas não se desenvolvem de outra forma. Kardec faz que se remeta à vida eterna do Espírito, onde as aquisições paulatinas de encarnação em encarnação, com o trabalho constante no Bem purificam os fluidos constituintes do Ser, que tem seus recursos aumentados para que possa promover o auxílio que se faça necessário.
“…A faculdade de curar instantaneamente pela imposição das mãos é mais rara” porque é preciso um grau de pureza que não se faz sequer uma ideia aproximada. Domiciliados no planeta Terra, que segundo os Espíritos Superiores é um lugar ainda apropriado a receber seres imperfeitos, como esperar certos prodígios? O estado moral atrasado representa óbice para tal. “Embora nada impeça que a Providência Divina se manifeste através de homens imperfeitos que buscam sinceramente se reajustarem com as Leis Maiores, não se pode desprezar que haja fatores que determinam que tal evento ocorra ou não”.
Neste caso específico, Kardec enfatiza tratar-se de um tipo de faculdade mediúnica rara, e previne contra as ciladas que possam aparecer. (O Livro dos Espíritos- 556)
O item 18 do mesmo capítulo, ainda em A Gênese, Kardec deixa evidente: “O pensamento do Espírito encarnado age sobre os fluidos espirituais como também o dos Espíritos desencarnados; transmite-se de Espírito a Espírito, pela mesma via, e, conforme seja bom ou mau, saneia ou vicia os fluidos circundantes”. Em outras palavras, é através do pensamento que os fluidos são manipulados e dirigidos de uma pessoa para outra, estejam encarnadas ou não. Isto quer dizer que os fluidos dos Espíritos não são mais poderosos do que os dos encarnados pelo simples fato de serem Espíritos. E que os fluidos são emitidos de todo o Ser, da mesma forma que são recebidos, e não necessariamente pelas mãos, conforme crença vigente. Estas declarações confirmam que gesticulações e sincronismos, posturas ainda tão frequentes, devem diminuir à medida que se compreendam a inutilidade das formas. Por enquanto é bom que se fique atento ao que mais possa surgir.
É sabido que no passado houve companheiros no labor mediúnico que se utilizaram de formas materiais, e até bizarras, para realizar curas e cirurgias espirituais. Caíram no gosto de Espíritas entusiasmados, que criam ser estas práticas o que havia de mais extraordinário que a Doutrina podia oferecer. Mais do que proporcionar aos pacientes o alívio de seus males, aquelas práticas provaram que as Entidades desencarnadas agem verdadeiramente através de um médium com o qual se afinizam. Resta saber se isto provocou avanços morais em alguém, uma vez que as manifestações por si mesmas não tornam um ser mau em bom, nem um ignorante em sábio.
Quando a terapia do Passe não oferece os efeitos esperados, costumam-se recorrer a outras, que se podem contar às dezenas, mas que não têm vínculo doutrinário. Assim, tem-se incorporado cromoterapia, florais, pirâmides, reike e outras como “menu” doutrinário-espírita.
Analisando-se a terminologia da locução – cura espiritual – pode-se entender CURA DO ESPÍRITO, muito embora se deseje a cura do corpo, pois é ele que se sente massacrado, torturado e combalido. Quando se é chamado ao testemunho da enfermidade, são poucos os que não murmuram, esquecidos da resignação, do conceito de causa e efeito, da vida futura.
Admitindo-se – CURA POR ESPÍRITOS – recorra-se ao último parágrafo do comentário da questão 70 de O Livro dos Espíritos que diz que “O fluido vital se transmite de um indivíduo para outro. Aquele que tem o bastante pode dá-lo àquele que tem pouco e, em certos casos, restabelecer a vida prestes a se apagar”. Kardec assinala, assim, que a solidariedade é um bem que deve permear entre os seres, uns amparando os outros, na medida de suas forças. O desejo e a boa vontade de servir e de ser útil estabelecem a harmonia necessária para a engrenagem do universo íntimo, que se expande a distâncias que não se ousa mensurar. No parágrafo anterior, ele diz que este “fluido se renova pela absorção e assimilação das substâncias que o contêm”. O indivíduo precisa não somente absorver, mas assimilar as substâncias que contêm este fluido. Isto quer dizer que podem ser absorvidos, mas não necessariamente assimilados, ou seja, tornarem-se compatíveis com os fluidos próprios do receptor, para que ajam beneficamente. É o que ocorre no organismo humano em relação às proteínas de origem animal: elas sofrem processos de “quebra” até atingirem formas que são assimiláveis pelo organismo humano.
Entretanto, deve-se, pois, perceber que a cura espiritual é um processo individual que escapa ao controle de outrem. O corpo adoece por razões morais-espirituais relacionadas à história de cada um, portanto é de responsabilidade individual e intransferível a cura efetiva, que aliás é o que se espera. “A tua fé te salvou”, disse Jesus. Os mecanismos de transformar os fluidos malsãos para fluidos salutares estão em cada indivíduo. A Gênese, tratando do assunto, diz que “os fluidos não têm qualidades sui generis, mas sim as que adquirem no meio onde são elaborados; modificam-se pelos eflúvios desse meio… Os fluidos …trazem a impressão dos sentimentos do ódio, da inveja, do ciúme,… da benevolência, do amor, da caridade…”. O desejo ardente de trazer um alívio para um irmão sofredor, ou para si mesmo, representa um apelo fortíssimo para as Entidades Benfazejas. O auxílio magnético terá sempre um efeito, segundo circunstâncias que bastas vezes não estão sob domínio da compreensão humana. Na narrativa de Lucas 9, vs11, encontra-se: “…E ele os recebeu, e falava-lhes do Reino de Deus, e sarava os que necessitavam de cura”, ou seja, Jesus reconhecia os que se curariam, pois Ele não veio derrogar Leis Divinas: Ele sabia que muitos ainda necessitavam permanecer enfermos. A necessidade é então algo relativo: uns necessitam da cura para a franca realização de projetos idealizados durante o processo de doença; enquanto outros necessitam continuar doentes, porque o Espírito não atingiu a consciência do seu estado real.
Há pessoas dotadas do dom de curar, segundo a Codificação, com um toque, com um simples olhar. Kardec os diferencia dos magnetizadores, mas o que ele pretende é deixar claro duas ordens de coisas oriundas do mesmo princípio. O tratamento magnético comum segue em sessões continuadas, metódicas, e não requer que o magnetizador seja necessariamente médium, mesmo porque este processo é anímico; enquanto que com um médium curador ocorre espontaneamente, com a intervenção de Espíritos somada ao apelo através da prece. (O Livro dos Médiuns – cap.XIV – 175)
No item 32, do capítulo XIV, de A Gênese o sábio francês esclarece que “os efeitos da ação fluídica sobre os doentes são extremamente variados, segundo as circunstâncias; esta ação é algumas vezes lenta, e reclama um tratamento seguido, como no magnetismo comum; outras vezes é rápida como uma corrente elétrica. Há pessoas dotadas de tal poder, que operam sobre certos doentes curas instantâneas por uma só imposição das mãos ou mesmo por um só ato de vontade. Entre os dois polos extremos de tal faculdade, há infinitas variações. Todas as curas desse gênero são variedades do magnetismo e não diferem senão pela potência e a rapidez da ação. O princípio é sempre o mesmo; é o fluido que desempenha o papel de agente terapêutico, e cujo efeito é subordinado à sua qualidade e a circunstâncias especiais”.
No item seguinte Kardec especifica cada uma das ações magnéticas, a saber: magnetismo humano, magnetismo espiritual e magnetismo humano-espiritual.
Curas instantâneas por um simples gesto, ou por um olhar, são formas para que se compreendam mecanismos que ocorrem, não exatamente por causa do olhar ou do gesto, que são materiais. Mas pelas disposições íntimas do Ser que se propõe doar algo bom de si mesmo, secundado por Entidades Benfeitoras, esteja com ou sem o conhecimento disso. Há uma prática denominada de “passe de coluna” que mais se aproximaria realmente de aplicações magnéticas não contivesse uma pitada de ritual e palavras sacramentais. (O Livro dos Médiuns – cap. XIV- item 176, 9).
Existe também uma proposta conhecida por “passe de sopro”, que deixa dúvidas sobre seu fundamento. Os Evangelistas não citaram nenhuma passagem onde Jesus tivesse curado alguém através do sopro; a Codificação também não falou sobre o assunto. O que se pretende é continuar mantendo as formas de se fazer as coisas, e formas são materiais, não são essenciais. Jesus se utilizou de alguns recursos materiais para realizar algumas curas; mas certamente não foi com o propósito de fazer com que se tornassem elementos de superstição. Mas também realizou benefícios curadores à distância. De maneira alguma pretendeu que se substituísse o necessitado por um interventor, transmitindo fluidos a este para que o doente os receba. Afinal a intervenção é puramente mental.
É razoável que se reconheça o quanto a Medicina terrena tem aumentado cada vez mais os recursos de tratamento e prevenção de doenças. Os Benfeitores Espirituais também têm se reencarnado com o propósito de manifestar materialmente, claro que dentro dos limites que o planeta oferece, os recursos necessários para minimizar as mazelas humanas, pois isto representa oportunidades de trabalho no Bem e crescimento moral-espiritual e intelectual também para eles. As suas descobertas atendem não a um número limitado de indivíduos, mas a uma coletividade inteira. O trabalho no Plano Espiritual não se restringe a estas facetas tacanhas às quais o homem se acostumou a crer. Ou será que a magnânima atividade Divina está circunscrita aos “templos sagrados”?!
A cura espiritual se dá, entenda-se bem, quando o Ser Imortal estiver se depurado de suas imperfeições por ter compreendido melhor as Leis Imutáveis da natureza.

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