sábado, 11 de junho de 2016

REENCARNAÇÃO[1]


 
Léon Denis


Não terminaremos este estudo da vida no espaço sem indicar, de modo sumário, por que regras se efetua a reencarnação.
Todas as almas que não puderam libertar-se das influências terrestres devem renascer neste mundo para trabalharem em seu melhoramento; é o caso da imensa maioria. Como as outras fases da vida dos seres, a reencarnação está sujeita a leis imutáveis. O grau de pureza do perispírito, a afinidade molecular que determina a classificação dos Espíritos no espaço fixam as condições da reencarnação. Os semelhantes atraem-se. É em virtude desse fato, dessa lei de atração e de harmonia que os Espíritos da mesma ordem, de caracteres e tendências análogas aproximam-se, seguem-se durante múltiplas existências, encarnando conjuntamente e constituindo famílias homogêneas.
Quando chega a ocasião de reencarnar, o Espírito sente-se arrastado por uma força irresistível, por uma misteriosa afinidade, para o meio que lhe convém. É um momento terrível, de angústia, mais formidável que o da morte, pois esta não passa de libertação dos laços carnais, de uma entrada em vida mais livre, mais intensa, enquanto a reencarnação, pelo contrário, é a perda dessa vida de liberdade, é um apoucamento de si mesmo, a passagem dos claros espaços para a região obscura, a descida para um abismo de sangue, de lama, de miséria, onde o ser vai ficar sujeito a necessidades tirânicas e inumeráveis. Por isso é mais penoso, mais doloroso renascer que morrer; e o desgosto, o terror, o abatimento profundo do Espírito, ao entrar neste mundo tenebroso, são fáceis de conceber-se.
A reencarnação realiza-se por aproximação graduada, por assimilação das moléculas materiais ao perispírito, o qual se reduz, se condensa, tornando-se progressivamente mais pesado, até que, por adjunção suficiente de matéria, constitui um invólucro carnal, um corpo humano.
O perispírito torna-se, portanto, um molde fluídico, elástico, que calca sua forma sobre a matéria. Daí dimanam as condições fisiológicas do renascimento. As qualidades ou defeitos do molde reaparecem no corpo físico, que não é, na maioria dos casos, senão imperfeita e grosseira cópia do perispírito.
Desde que começa a assimilação molecular que deve produzir o corpo, o Espírito fica perturbado; um torpor, uma espécie de abatimento invadem-no aos poucos. Suas faculdades vão-se velando uma após outra, a memória desaparece, a consciência fica adormecida, e o Espírito como que é sepultado em opressiva crisálida.
Entrando na vida terrestre, a alma, durante um longo período, tem de preparar esse organismo novo, de adaptá-lo às funções necessárias. Somente depois de vinte ou trinta anos de esforços instintivos é que recupera o uso de suas faculdades, embora limitadas ainda pela ação da matéria; e, então, poderá prosseguir, com alguma segurança, a travessia perigosa da existência.
O homem mundano chora e lamenta-se à beira dos túmulos, essas portas abertas sobre o infinito. Se estivesse familiarizado com as leis divinas, era sobre os berços que ele deveria gemer. O vagido do recém-nascido não será um lamento do Espírito, diante das tristes perspectivas da vida?
As leis inflexíveis da Natureza, ou, antes, os efeitos resultantes do passado, decidem da reencarnação. O Espírito inferior, ignorante dessas leis, pouco cuidadoso de seu futuro, sofre maquinalmente a sua sorte e vem tomar o seu lugar na Terra sob o impulso de uma força que nem mesmo procura conhecer.
O Espírito adiantado inspira-se nos exemplos que o cercam na vida fluídica, recolhe os avisos de seus guias espirituais, pesa as condições boas ou más de sua reaparição neste mundo, prevê os obstáculos, as dificuldades da jornada, traça o seu programa e toma fortes resoluções com o propósito de executá-las.
Só volta à carne quando está seguro do apoio dos invisíveis, que o devem auxiliar em sua nova tarefa. Neste caso, o Espírito não mais sofre exclusivamente o peso da fatalidade. Sua escolha pode exercer-se em certos limites, de modo a acelerar sua marcha.
Por isso, o Espírito esclarecido dá preferência a uma existência laboriosa, a uma vida de luta e abnegação.
Sabe que, graças a ela, seu avançamento será rápido. A Terra é o verdadeiro purgatório. É preciso renascer e sofrer para despojar-se dos últimos vestígios da animalidade, para apagar as faltas e os crimes do passado. Daí as enfermidades cruéis, as longas e dolorosas moléstias, o idiotismo, a perda da razão.
O abuso das altas faculdades, o orgulho e o egoísmo expiam-se pelo renascimento em organismos incompletos, em corpos disformes e sofredores.
O Espírito aceita essa imolação passageira, porque, a seus olhos, ela é o preço da reabilitação, o único meio de adquirir a modéstia, a humildade; concordam em privar-se momentaneamente dos talentos, dos conhecimentos que fizeram sua glória, e desce a um corpo impotente, dotado de órgãos defeituosos, para tornar-se um objeto de compaixão e de zombaria. Respeitemos os idiotas, os enfermos, os loucos. Que a dor seja sagrada para nós!
Nesses sepulcros de carne um Espírito vela, sofre, e, em sua tessitura íntima, tem consciência de sua miséria, de sua abjeção. Tememos, por nossos excessos, merecer-lhes a sorte. Mas, esses dons da inteligência, que ela abandona para humilhar-se, a alma os achará depois da morte, porque são propriedade sua, e jamais perderá o que adquiriu por seus esforços.
Reencontrá-los-á e, com eles, as qualidades, as virtudes novas colhidas no sacrifício, e que farão sua coroa de luz no seio dos espaços.
Assim, tudo se apaga, tudo se resgata. Os pensamentos, os desejos criminosos têm sua repercussão na vida fluídica, mas as faltas consumadas na carne precisam ser expiadas da carne. Todas as nossas existências são correlatas; o bem e o mal refletem-se através dos tempos. Se embusteiros e perversos parecem muitas vezes terminar suas vidas na abundância e na paz, fiquemos certos de que a hora da justiça soará e que recairão sobre eles os sofrimentos de que foram a causa. Resigna-te, pois, ó homem, e suporta com coragem as provas inevitáveis, porém fecundas, que suprimem nódoas e preparam-te um futuro melhor. Imita o lavrador, que sempre caminha para a frente, curvado sob um sol ardente ou crestado pela geada, e cujos suores regam o solo, o solo que, como o teu coração, é sulcado pela charrua destorroadora, mas do qual brotará o trigo dourado que fará a tua felicidade.
Evita os desfalecimentos, porque te reconduzirão ao jugo da matéria, fazendo-te contrair novas dívidas que pesariam em tuas vidas futuras. Sê bom, sê virtuoso, a fim de não te deixares apanhar pela temível engrenagem que se chama consequência dos atos. Foge aos prazeres aviltantes, às discórdias e às vãs agitações da multidão. Não é nas discussões estéreis, nas rivalidades, na cobiça das honras e bens de fortuna que encontrarás a sabedoria, o contentamento de ti próprio; mas, sim, no trabalho, na prática da caridade, na meditação, no estudo concentrado em face da Natureza, esse livro admirável que tem a assinatura de Deus.


[1] Depois da Morte – Léon Denis

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