Jorge Hessen –
25/05/2016
Em 1998, durante uma regata,
Lars Grael, iatista brasileiro, detentor de duas medalhas olímpicas, teve duas paradas
cardíacas após sua perna direita ter sido decepada por uma lancha que o
atropelou quando velejava em Vitória. Ao ser amputada a sua perna e perder
muito sangue, Grael teve paradas cardíacas e conheceu uma experiência de
quase-morte. Nas palavras do próprio Lars, “foi uma experiência muito difícil
de descrever”. O médico José Carlos Ramos de Oliveira, outro sobrevivente de
parada cardíaca, endossa a sensação de Lars: “só quem passou por isso sabe o
que é uma experiência de quase-morte”. Outro caso foi a de Maria Aparecida
Cavalcanti, radialista e professora universitária em São Paulo, que afirma ter
passado por três “experiências de quase-morte”. O relato abaixo se refere à
segunda dessas experiências, ocorrida depois de um desastre automobilístico em
Santa Catarina, em 1994.
“No momento do acidente, eu me
senti tragada por um ‘túnel de vento’. Fiquei flutuando no asfalto e vendo o
carro capotar num barranco. Outro carro parou e três homens saíram dele. Um
deles desceu o morro e disse: ‘Tem uma mulher morta ali’. Era eu. Não tive
nenhum choque ao ver o corpo – apenas lamentei, em pensamento, o que tinha
sofrido. Fora do corpo, conseguia enxergar em todas as direções ao mesmo tempo.
Então eu avistei duas pessoas flutuando acima do morro. Uma delas era uma
mulher morena. A outra, a silhueta de um homem alto, me pareceu conhecida –
apesar de ser transparente. A moça esticou o braço direito e disse, sem mexer a
boca: ‘tenha calma; isso está na sua programação’. Essa frase funcionou para
mim como uma senha. Era como se eu resgatasse toda a minha memória. Deslizei em
direção à dupla, mas lembrei que meu único filho de 12 anos estava sozinho num
chalé sem vizinhos e sem telefone. Alguém precisava resgatá-lo. Nesse mesmo
instante, fui tragada de novo pelo túnel e voltei ao corpo. Daí senti uma dor
horrível. Foi o único jeito de avisar a família sobre o acidente e resgatar meu
filho [2]”.
O Dr. Raymond Moody popularizou
o termo “experiência de quase-morte” em seu livro “Vida após a vida”, escrito
em 1975. Posteriormente, em 1982, o pesquisador George Gallup Jr. e William
Proctor publicaram a “Aventuras na imortalidade”, um livro que aborda a
“experiência de quase-morte” baseada em duas pesquisas do Instituto Gallup,
refletindo especificamente a quase-morte e a crença na vida após a morte. Outro
distinto estudioso Kenneth Ring, um dos mais prolíficos pesquisadores e autores
de estudos sobre “experiência de quase-morte”, relata um grande número de
indivíduos que adquiriram autoconfiança e se tornaram mais extrovertidos após a
experiência. Kenneth também verificou que as pessoas que passam por
“experiência de quase-morte” tendem a perceber um aumento no senso de
sentimentos religiosos e crença em um mundo espiritual.
As teorias que explicam as
“experiências de quase-morte” caem em duas categorias básicas: explicações
científicas (incluindo médicas, fisiológicas e psicológicas) e explicações
transcendentes (incluindo espirituais e religiosas). Obviamente, essas últimas
não podem ser provadas nem negadas. A explicação metafísica mais comum é que
alguém que passa por uma “experiência de quase-morte” está, na verdade,
experimentando e lembrando de coisas que aconteceram com sua consciência não
corpórea (espiritual).
É natural que a ciência clássica
– cuja realidade só admite o que pode ser observado e medido – não corrobora a
retórica mística, mas não oferece meios de resolver essa questão, os cientistas
têm tão-somente comprovado que as drogas cetamina[3]
e PCP (cloridrato de fenciclidina), por exemplo, podem criar sensações nos usuários
que são quase idênticas a muitas “experiências de quase-morte”. Obviamente,
isso apenas raspa a superfície das explicações possíveis para uma “experiência
de quase-morte”.
Relatos sobre visões do que
ocorre ‘do lado de lá’ são tão antigos quanto às pirâmides egípcias, às
epopeias gregas e aos registros das civilizações indianas e chinesas. Na obra
“República”, de Platão, narra-se a história de um soldado morto pelo inimigo
que viajou para a Terra dos Mortos, mas foi proibido de beber do Rio do Esquecimento
porque tinha que retornar à vida. Relatos mais atuais de visões perto da morte
foram feitos por Ernesto Bozzano em 1908, descreveu que muitas pessoas, em seu
leito de morte, afirmavam ver pessoas conhecidas que já haviam morrido. Em
1927, o físico inglês sir William Barrett, membro da Royal Society, publicou o
livro Deathbed Visions, no qual relata que essas pessoas não só viam parentes e
amigos falecidos, mas contavam histórias de outros mundos. Na década de 1960, o
parapsicólogo americano Karlis Osis fez um estudo-piloto sobre essas visões e
encontrou algumas coincidências, como o fato de a maioria dos testemunhos se
referir a conversas com pessoas já mortas.
Para alguns pesquisadores tais
experiências sugerem a existência da mente, ou consciência, independentemente
do cérebro, ou mesmo da existência e sobrevivência da “alma”. Obviamente que
outros pesquisadores, os materialistas, têm convicção de que tais experiências
são apenas o produto de um cérebro em estado fisiológico alterado. Naturalmente
isso não invalida suas pesquisas , pois os Benfeitores do Além explicam que
“assim como o Espírito atua sobre a matéria, também esta reage sobre ele,
dentro de certos limites, e que pode acontecer impressionar-se o Espírito
temporariamente com a alteração dos órgãos pelos quais se manifesta e recebe as
impressões [4]”.
A Doutrina Espírita fornece
elementos que permitem concluir que muitas das “experiências e quase-morte”
resultam do desligamento parcial do perispírito. Na questão 157 de O Livro dos Espíritos , Kardec indagou:
No momento da morte, a alma sente, alguma vez, qualquer aspiração ou êxtase que
lhe faça entrever o mundo aonde vai de novo entrar? Os Espíritos alumiaram o
tema respondendo: “Muitas vezes a alma sente que se desfazem os laços que a prendem
ao corpo. Já em parte desprendida da matéria, vê o futuro desdobrar-se diante
de si e goza, por antecipação, do estado de Espírito [5]”.
Na questão 407 o Codificador perguntou: É necessário o sono completo para a
emancipação do Espírito? Os Seres do Além responderam: “Não; basta que os
sentidos entrem em torpor para que o Espírito recobre a sua liberdade. Desde
que haja prostração das forças vitais, o Espírito se desprende, tornando-se
tanto mais livre, quanto mais fraco for o corpo [6]”.
Além disso, na questão 424 o mestre
lionês esquadrinhou de forma sutil: Por meio de cuidados dispensados a tempo,
podem reatar-se laços prestes a se desfazerem e restituir-se à vida um ser que
definitivamente morreria se não fosse socorrido? A resposta dos Espíritos: “Sem
dúvida e todos os dias tendes a prova disso [7]
”.
A morte não é mais a mesma. Hoje
um coração parado não significa que seu dono vá, necessariamente, passar para o
“lado de lá”. Graças a uma série de procedimentos médicos e um aparelhinho
chamado desfibrilador, uma parcela razoável de pacientes dados como mortos tem
sido “ressuscitada” nas UTIs mundo afora. Várias dessas pessoas têm histórias
para contar. São histórias que desconcertam a ciência com perguntas muito
difíceis – e que só agora começam a ser respondidas. As “experiências de
quase-morte” parecem oferecer alguma esperança de que a morte não é
necessariamente algo a ser temido, nem é o fim da consciência. Mesmo a ciência
tem dificuldades para lidar com a morte – a comunidade médica tem se debatido por
décadas com definições específicas para morte clínica, morte orgânica e morte
cerebral.
[2] Disponível em <
http://super.abril.com.br/ciencia/na-fronteira-da-morte > acesso no dia
21/05/2016.
[3] É uma droga dissociativa usada para fins de anestesia,
com efeito hipnótico e características analgésicas.
[4] Kardec Allan. O
Livro dos Espíritos, questão 374a, Rio de Janeiro: Ed. FEB 2001.
[5] Idem questão 157.
[6] Idem questão 407.
[7] Idem questão 424.
Nenhum comentário:
Postar um comentário