Diamantino Lourenço R. de Bártolo[2]
Venade - Caminha, Viana do
Castelo (Portugal)
As causas que, eventualmente,
possam estar na origem de atitudes e comportamentos mal-agradecidos,
acredita-se que sejam de natureza diversa e que, quaisquer que sejam os
motivos, não justificam os procedimentos caraterísticos da ingratidão:
insensibilidade para reconhecer valores, sentimentos e atitudes recebidas,
como, por exemplo: amabilidades, consideração, estima, amizade, solidariedade,
lealdade.
Falta de humildade, em certo tipo de
personalidade? Esquecimento, puro e simples, de reconhecer um bem recebido?
Ausência do hábito de agradecer àqueles que praticam o bem, em benefício
concreto de outros? Falta de delicadeza para agradecer um simples favor?
Vergonha de manifestar comportamentos suaves e atos de gratidão?
Possivelmente outros motivos se poderiam
invocar para os procedimentos e atitudes ingratos, ou pelo menos de não
gratidão, todavia, o fato é que ela, a ingratidão, existe, se manifesta e,
quantas vezes, magoa e ofende justamente quem ficaria feliz em receber o
reconhecimento, um humilde sorriso generoso e sincero, um simples obrigado.
O mundo atual, na sua dinâmica globalizante,
provoca comportamentos individuais e coletivos que, cada vez mais, se afastam
dos simples e elementares valores da gentileza, da humildade e da gratidão.
Quantas vezes o favor é negociado pela troca por outro favor, por outro
benefício ou por um outro valor material concreto!
A troca de favores, de influências, de cargos
e posições sócio-estatutárias torna-se uma prática quase corrente e, na
constituição dos respectivos intervenientes, muito embora tais costumes não
sejam perniciosos quando há benefício para as partes envolvidas. Formação e
educação para valores desta natureza, boas práticas na e a partir da família,
ou de grupos de amigos e comunidades mais restritas, podem integrar-se numa
dinâmica de cooperação institucional, devendo-se implementar, por processos
legais e transparentes, os procedimentos que conduzam aos melhores resultados.
Gratidão, gentileza, humildade serão
conhecimentos, práticas, princípios, valores, deveres ou quaisquer outras
designações que, na mentalidade de quem não os pratica, possivelmente, não se
enquadrem num saber-fazer que proporciona lucros, dividendos materiais: em
numerário, ou de natureza ainda mais substantiva. Como se chega a esta
insensibilidade é uma questão que se compreende com alguma clareza, pelas
razões já apontadas, entre outras, eventualmente, ainda mais graves.
Ao acentuar-se esta insensibilidade, face ao
sentimento de gratidão, caminha-se para situações que se podem tornar
causadoras de maiores desigualdades. Quem não tem poderes, vontade, gentileza e
mesmo carinho para retribuir um favor com outro favor recebido, possivelmente,
não adquirirá qualquer apoio, benefício e compreensão de quem o possa fornecer
se souber que em troca apenas recebe, quando recebe, um quase forçado e
indiferente “muito obrigado”.
Agradecer o recebimento de um
benefício, uma ajuda, uma solidariedade, apenas com sentimentos de constrangida
gratidão, de uma atitude de aparente e respeitoso reconhecimento, pode
significar nunca mais se ter apoio daquela pessoa que foi objeto de afetada
gratidão, por palavras, por sentimentos e atitudes de admiração e gestos
gratos.
A gentileza, a cordialidade, a boa educação
traduzidas por palavras e gestos simbólicos, embora significantes, mas tudo
como que por autoimposição, parece que já não satisfazem a muitos daqueles que
esperam agradecimentos mais concretos e objetivos, suscetíveis de uma
determinada veracidade.
São múltiplas, profundas e sofisticadas as
causas da ingratidão que se alastra, silenciosamente, na sociedade: múltiplas,
porque envolvem vertentes que vão da depreciação de valores essenciais,
abstratos e simbólicos à insuficiência da preparação, educação e formação de
muitas pessoas; profundas, porque vêm minando os princípios mais elementares
que sustentam a solidariedade, a amizade, a lealdade, a confiança e a
compreensão.
Parece que se tenta materializar tudo a partir
de conceitos e comportamentos que, em muitos casos, são fomentados nas
organizações que, num passado recente, mereciam a maior credibilidade e
respeito: família, escola, empresas, associações e instituições de diverso
cariz.
Sofisticadas, porque, sub-repticiamente, e com
a hipocrisia de aparente humildade, se insinua uma prática de troca de favores,
influências e até mesmo a compra de tais benefícios e apoios, isto é, diz-se um
muito obrigado, mas… fica a insinuação de que isso é muito pouco para agradecer
o bem recebido por favor, às vezes com amizade sincera de quem o fornece.
Ao longo da vida de cada pessoa, e quando esta
já viveu algumas décadas, ocorrem situações que comprovam tanto os atos de
generosidade, de solidariedade, de favores, como os que se lhes seguem de
reconhecimento, agradecimento ou ingratidão.
Toda pessoa tem destas experiências, e quando
se verificam mais casos de ingratidão, para com a mesma pessoa, esta terá uma
tendência natural para se tornar menos sensível a praticar determinadas
atitudes que conduzem a boas práticas e à disponibilização para fazer o bem,
ouvindo-se, frequentemente, lamentos e críticas no sentido de que, afinal, não
é estimulante praticar boas ações, fazer favores, ajudar, porque muitas pessoas
não reconhecem nem agradecem nada depois de atingirem os seus objetivos e se instalarem
no pedestal que desejavam.
Apesar de situações e comportamentos destes,
ainda existe muita solidariedade, principalmente em situações-limite, ou de
extrema fragilidade, e quando intervêm órgãos de comunicação social ou
instituições de solidariedade social. Nestas circunstâncias, surgem, de fato,
os benfeitores que, sem esperarem qualquer ato de gratidão, ajudam,
generosamente, quem está a passar por grandes dificuldades.
O humanismo que existe em muitas pessoas pode
ser a base de partida para a criação de grandes movimentos e instituições de
solidariedade que, simultaneamente, espalham o bem e transmitem a ideia de
gratidão para com aqueles que participam nestas instituições, isto é,
benfeitores que se solidarizam com uma situação, uma causa, uma iniciativa
humanitária e altruísta; se se sentirem alvo de gratidão dessa instituição, os
beneficiários que posteriormente vierem a ser contemplados, pela mesma
instituição, sentir-se-ão na obrigação de manifestarem gratidão e
reconhecimento públicos. Talvez se gere uma cadeia de solidariedades e
gratidões que, dentro de algum tempo, todos possam manifestar esse sentimento
tão nobre, quanto humilde.
As causas da ingratidão podem, pois, (e devem)
ser combatidas a partir da interiorização de princípios e valores, sentimentos
e emoções verdadeiras que suportem e justifiquem, precisamente, comportamentos
e atitudes gratas. Ensinar, no sentido de adquirir conhecimentos e avaliá-los,
esta virtude que é a gratidão não se afigura tarefa fácil; transmitir, por atos,
palavras e exemplos concretos, boas práticas de gratidão e sensibilizar
crianças, jovens e adultos para o cultivo de permanente atitude de gratidão,
afigura-se possível: na família e na escola; na igreja; entre amigos; na
pequena comunidade; também no contexto mais amplo da sociedade.
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