terça-feira, 22 de dezembro de 2015

VISITAS ESPÍRITAS ENTRE PESSOAS VIVAS[1]


 

Christiano Torchi

 
O tema “visitas espíritas entre pessoas vivas” é uma sequência do estudo sobre “o sono e os sonhos”, encartado no cap. VIII da 2ª parte de O Livro dos Espíritos, sob o título “Da Emancipação da Alma”. O sono ocorre quando a alma ou Espírito se desdobra ou sai do corpo físico. Já os sonhos constituem as lembranças mais ou menos nítidas de fatos ocorridos durante o sono, período em que o Espírito, frequentemente, entra em contato com outros seres.
Os princípios analisados sob o título “o sono e os sonhos” se aplicam ao presente estudo, com a diferença de que, neste, o intercâmbio se dá entre os chamados “vivos”, isto é, entre encarnados.
Existe outra variedade do fenômeno, menos frequente, em que o Espírito encarnado, durante o próprio sono, visita outro encarnado acordado, podendo o visitante ser ou não visto pelo visitado. No caso de o visitante tornar-se visível ao visitado, o fenômeno é designado como “bilocação” ou “bicorporeidade” espécie do gênero “ubiquidade”, que é a faculdade de estar presente em todos os lugares ao mesmo tempo, na acepção do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.
Sendo o Espírito uma unidade indivisível, a ele é impossível estar em dois ou mais lugares simultaneamente, contudo, esta indivisibilidade não o impede de irradiar seus pensamentos para diversos lados e poder assim manifestar-se em muitos pontos, sem se haver fracionado, como acontece com a luz, que esparrama seus raios à sua volta. Contudo, nem todos os Espíritos irradiam com a mesma potência. A capacidade de irradiação está diretamente ligada ao desenvolvimento de cada um.
Uma pessoa, encontrando-se adormecida, ou num estado de êxtase leve ou profundo, pode, em Espírito, semidesligado do corpo, aparecer, falar e mesmo tornar-se tangível a outras pessoas. E, de fato, poder-se-á comprovar que estava em dois lugares ao mesmo tempo. Só que em um lugar estava o corpo físico, noutro o Espírito revestido pelo seu perispírito, momentaneamente visível e tangível.
A bicorporeidade, embora seja um acontecimento importante, tem sido ignorada por muitos, como se fosse, sempre, produto da imaginação, impressão que é reforçada pelo fato de que, na maioria das vezes, pouca ou nenhuma lembrança guardamos do que se passa durante o desdobramento, como elucida Gabriel Delanne. Isso demonstra o quanto desconhecemos a própria natureza espiritual e os nossos potenciais.
Segundo o Espírito André Luiz, em obra psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier, ainda temos muitas dificuldades de compreender os mecanismos das alterações da cor, densidade, forma, locomoção e ubiquidade do corpo espiritual (perispírito), por não dispormos, na Terra, de mais avançadas noções acerca da mecânica do pensamento.
Kardec explica como se dá a bicorporeidade, concluindo que, por mais extraordinário seja, tal evento, como todos os outros, se enquadra na ordem dos fenômenos naturais, pois decorre das propriedades do perispírito.
Indicamos para consulta o terceiro volume da Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos, março de 1860, editada pela FEB, no qual desponta uma experiência realizada por Kardec, promovida com um encarnado (Dr. Vignal), membro da Sociedade Parisiense de Estudos Psíquicos, que foi invocado durante o sono, de cujo exemplar colhemos interessantes observações comparativas entre as sensações de um “vivo” e de “um morto”, sobre as suas faculdades de ver, ouvir e perceber as coisas, entre outras informações importantes.
Excetuando-se a bicorporeidade, assim como a visita entre encarnados e desencarnados, o encontro de pessoas encarnadas durante o sono é também um fato bem corriqueiro, do qual nem sempre nos damos conta, como vimos, devido à amnésia após o despertamento do sono.
Gustave Geley (1865-1924), cientista renomado, ex-diretor do Instituto Metapsíquico de Paris, médico em Nanci, com base em suas incansáveis pesquisas, assim conceituou morte e vida, fenômenos intrinsecamente ligados ao tema ora em estudo:
“A desencarnação é um processo de síntese, síntese orgânica e síntese psíquica. A encarnação é um processo de análise. É a subdivisão da consciência em faculdades diversas, e do sentido único em sentidos múltiplos, para facilitar seu exercício e conduzir seu desenvolvimento.”
As circunstâncias que levam os Espíritos a se buscarem durante o sono é algo semelhante ao que se dá na Terra, quando temos vontade de visitar nossos familiares, parentes e amigos, com a diferença de que, nos encontros espirituais, estamos despojados da máscara do corpo de carne e, de certa forma, despojados dos papéis provisoriamente executados na vida de relação social.
No estado do sono, o Espírito fica preso ao corpo por uma espécie de fio condutor ou filamento, designado por Kardec como rastro luminoso ou laço fluídico, por C por meio do qual passam as impressões e as vontades da alma até o cérebro do encarnado. O mesmo processo se dá nas outras formas de desdobramento, conscientes ou não, como no caso, por exemplo, dos fenômenos mediúnicos, em que o médium empresta seu organismo físico para as entidades se comunicarem por meio da fala (psicofonia) ou pela escrita (psicografia). Portanto, os Espíritos que não apresentam esse laço ou cordão fluídico estão desencarnados.
Há vários relatos na literatura espírita sobre a visita entre pessoas vivas, durante o sono ou desdobramento, como, por exemplo, nos episódios narrados por Kardec em O Livro dos Médiuns, em especial o caso dos “Santos” Afonso e Antonio de Pádua.
Estes dois últimos foram retirados, como diz Kardec, não das lendas populares, mas da história eclesiástica:
Santo Afonso de Liguori foi canonizado antes do tempo prescrito, por se haver mostrado simultaneamente em dois sítios diversos, o que passou por milagre.
Santo Antônio de Pádua estava pregando na Itália, quando seu pai, em Lisboa, ia ser supliciado, sob a acusação de haver cometido um assassínio. No momento da execução, Santo Antônio aparece e demonstra a inocência do acusado. Comprovou-se que, naquele instante, Santo Antônio pregava na Itália, na cidade de Pádua.
No homem, a vida se apresenta como se fosse uma moeda de duas faces: a do corpo e a da alma, duas fases de uma só existência. Na primeira, o Espírito está constrangido pelo esquecimento em virtude dos laços carnais, sendo que a influência da matéria é tão grande que, muitas vezes, nem se dá conta de que é um Espírito imortal. Na segunda, vendo-se livre dos laços físicos, as faculdades do Espírito ampliam-se e, conforme o caso, ele pode ajuizar um pouco melhor da sua situação de ser imortal, circunstância que influi grandemente nas suas decisões, durante a vigília.
Como a primazia é da alma, por preexistir e sobreviver a tudo, o Espírito, durante a encarnação, se sente um “prisioneiro” ou “exilado” no organismo físico, razão pela qual aproveita todas as brechas ou os momentos de desprendimento, para se retemperar no mundo espiritual, onde se encontra com os seus semelhantes, para os quais é atraído por afinidades e por interesses acalentados em seu íntimo, de acordo com o seu estágio evolutivo.
Aquele que se deu conta desta realidade, antes de se entregar ao repouso noturno, procure fazer uma prece, de modo a ter um repouso tranquilo, oportunidade em que poderá, nesses instantes de liberdade, haurir forças e consolo para continuar lutando pelo próprio progresso, “e, ao despertar, sentir-se-á mais forte contra o mal, mais corajoso diante da adversidade”.



[1] Artigo publicado na Revista Reformador n. 2.154, setembro de 2008, págs. 18-20

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