Christiano Torchi
O tema “visitas espíritas entre
pessoas vivas” é uma sequência do estudo sobre “o sono e os sonhos”, encartado
no cap. VIII da 2ª parte de O Livro dos
Espíritos, sob o título “Da Emancipação da Alma”. O sono ocorre quando a
alma ou Espírito se desdobra ou sai do corpo físico. Já os sonhos constituem as
lembranças mais ou menos nítidas de fatos ocorridos durante o sono, período em
que o Espírito, frequentemente, entra em contato com outros seres.
Os princípios analisados sob o
título “o sono e os sonhos” se aplicam ao presente estudo, com a diferença de
que, neste, o intercâmbio se dá entre os chamados “vivos”, isto é, entre
encarnados.
Existe outra variedade do
fenômeno, menos frequente, em que o Espírito encarnado, durante o próprio sono,
visita outro encarnado acordado, podendo o visitante ser ou não visto pelo
visitado. No caso de o visitante tornar-se visível ao visitado, o fenômeno é
designado como “bilocação” ou “bicorporeidade” espécie do gênero “ubiquidade”,
que é a faculdade de estar presente em todos os lugares ao mesmo tempo, na
acepção do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.
Sendo o Espírito uma unidade
indivisível, a ele é impossível estar em dois ou mais lugares simultaneamente,
contudo, esta indivisibilidade não o impede de irradiar seus pensamentos para
diversos lados e poder assim manifestar-se em muitos pontos, sem se haver
fracionado, como acontece com a luz, que esparrama seus raios à sua volta.
Contudo, nem todos os Espíritos irradiam com a mesma potência. A capacidade de
irradiação está diretamente ligada ao desenvolvimento de cada um.
Uma pessoa, encontrando-se
adormecida, ou num estado de êxtase leve ou profundo, pode, em Espírito,
semidesligado do corpo, aparecer, falar e mesmo tornar-se tangível a outras
pessoas. E, de fato, poder-se-á comprovar que estava em dois lugares ao mesmo
tempo. Só que em um lugar estava o corpo físico, noutro o Espírito revestido
pelo seu perispírito, momentaneamente visível e tangível.
A bicorporeidade, embora seja um
acontecimento importante, tem sido ignorada por muitos, como se fosse, sempre,
produto da imaginação, impressão que é reforçada pelo fato de que, na maioria
das vezes, pouca ou nenhuma lembrança guardamos do que se passa durante o
desdobramento, como elucida Gabriel Delanne. Isso demonstra o quanto
desconhecemos a própria natureza espiritual e os nossos potenciais.
Segundo o Espírito André Luiz,
em obra psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier, ainda temos muitas
dificuldades de compreender os mecanismos das alterações da cor, densidade,
forma, locomoção e ubiquidade do corpo espiritual (perispírito), por não
dispormos, na Terra, de mais avançadas noções acerca da mecânica do pensamento.
Kardec explica como se dá a
bicorporeidade, concluindo que, por mais extraordinário seja, tal evento, como
todos os outros, se enquadra na ordem dos fenômenos naturais, pois decorre das
propriedades do perispírito.
Indicamos para consulta o
terceiro volume da Revista Espírita –
Jornal de Estudos Psicológicos, março de 1860, editada pela FEB, no qual
desponta uma experiência realizada por Kardec, promovida com um encarnado (Dr.
Vignal), membro da Sociedade Parisiense de Estudos Psíquicos, que foi invocado
durante o sono, de cujo exemplar colhemos interessantes observações
comparativas entre as sensações de um “vivo” e de “um morto”, sobre as suas
faculdades de ver, ouvir e perceber as coisas, entre outras informações
importantes.
Excetuando-se a bicorporeidade,
assim como a visita entre encarnados e desencarnados, o encontro de pessoas
encarnadas durante o sono é também um fato bem corriqueiro, do qual nem sempre
nos damos conta, como vimos, devido à amnésia após o despertamento do sono.
Gustave Geley (1865-1924),
cientista renomado, ex-diretor do Instituto Metapsíquico de Paris, médico em
Nanci, com base em suas incansáveis pesquisas, assim conceituou morte e vida,
fenômenos intrinsecamente ligados ao tema ora em estudo:
“A desencarnação é um processo
de síntese, síntese orgânica e síntese psíquica. A encarnação é um processo de
análise. É a subdivisão da consciência em faculdades diversas, e do sentido
único em sentidos múltiplos, para facilitar seu exercício e conduzir seu
desenvolvimento.”
As circunstâncias que levam os
Espíritos a se buscarem durante o sono é algo semelhante ao que se dá na Terra,
quando temos vontade de visitar nossos familiares, parentes e amigos, com a
diferença de que, nos encontros espirituais, estamos despojados da máscara do
corpo de carne e, de certa forma, despojados dos papéis provisoriamente
executados na vida de relação social.
No estado do sono, o Espírito
fica preso ao corpo por uma espécie de fio condutor ou filamento, designado por
Kardec como rastro luminoso ou laço fluídico, por C por meio do qual passam as
impressões e as vontades da alma até o cérebro do encarnado. O mesmo processo
se dá nas outras formas de desdobramento, conscientes ou não, como no caso, por
exemplo, dos fenômenos mediúnicos, em que o médium empresta seu organismo
físico para as entidades se comunicarem por meio da fala (psicofonia) ou pela
escrita (psicografia). Portanto, os Espíritos que não apresentam esse laço ou
cordão fluídico estão desencarnados.
Há vários relatos na literatura
espírita sobre a visita entre pessoas vivas, durante o sono ou desdobramento,
como, por exemplo, nos episódios narrados por Kardec em O Livro dos Médiuns, em especial o caso dos “Santos” Afonso e
Antonio de Pádua.
Estes dois últimos foram
retirados, como diz Kardec, não das lendas populares, mas da história
eclesiástica:
Santo Afonso de Liguori foi
canonizado antes do tempo prescrito, por se haver mostrado simultaneamente em
dois sítios diversos, o que passou por milagre.
Santo Antônio de Pádua estava
pregando na Itália, quando seu pai, em Lisboa, ia ser supliciado, sob a
acusação de haver cometido um assassínio. No momento da execução, Santo Antônio
aparece e demonstra a inocência do acusado. Comprovou-se que, naquele instante,
Santo Antônio pregava na Itália, na cidade de Pádua.
No homem, a vida se apresenta
como se fosse uma moeda de duas faces: a do corpo e a da alma, duas fases de
uma só existência. Na primeira, o Espírito está constrangido pelo esquecimento
em virtude dos laços carnais, sendo que a influência da matéria é tão grande
que, muitas vezes, nem se dá conta de que é um Espírito imortal. Na segunda,
vendo-se livre dos laços físicos, as faculdades do Espírito ampliam-se e,
conforme o caso, ele pode ajuizar um pouco melhor da sua situação de ser
imortal, circunstância que influi grandemente nas suas decisões, durante a
vigília.
Como a primazia é da alma, por
preexistir e sobreviver a tudo, o Espírito, durante a encarnação, se sente um
“prisioneiro” ou “exilado” no organismo físico, razão pela qual aproveita todas
as brechas ou os momentos de desprendimento, para se retemperar no mundo
espiritual, onde se encontra com os seus semelhantes, para os quais é atraído
por afinidades e por interesses acalentados em seu íntimo, de acordo com o seu
estágio evolutivo.
Aquele que se deu conta desta
realidade, antes de se entregar ao repouso noturno, procure fazer uma prece, de
modo a ter um repouso tranquilo, oportunidade em que poderá, nesses instantes
de liberdade, haurir forças e consolo para continuar lutando pelo próprio
progresso, “e, ao despertar, sentir-se-á mais forte contra o mal, mais corajoso
diante da adversidade”.
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